Por Bruno Astuto

Polêmicas, as sapatilhas bailarinas são tendência novamente

Pesadelo dos podólogos e onipresentes no início dos anos 2000, as sapatilhas bailarinas estão de volta


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A produção Le Train Bleu (1924) da companhia Balés Russos, que teve figurino de Coco Chanel. — Foto: Getty Images, Imax Tree e Divulgação

Paira uma energia de balé no ar, e não é só o anseio por leveza, depois dos recentes anos de chumbo que dominaram o mundo. Nada pode ser mais metafórico do que a dança em sua versão mais clássica: a plateia acha que está diante de um espetáculo de fadas que voam graciosamente pelo palco, mas o esforço físico, emocional e mental dos artistas é sobre-humano. O retorno das sapatilhas às ruas é também sobre esse oxímoro de delicadeza e muitas bolhas nos pés, glamour e simplicidade. É dura a vida da bailarina, favor não esquecer.

Miu Miu, inverno 2022/23. — Foto: Getty Images, Imax Tree e Divulgação

Tudo (re)começou com o desfile de inverno 2022/23 da Miu Miu, em Paris. Miuccia Prada investiu com tudo nas bailarinas, apresentadas com shorts de cintura baixa e tops com barriga de fora, meias grossas e na versão mais elementar de todas, em cetim rosa. Embalada pela polêmica nas redes sociais, principalmente das mulheres que lembravam os calos que as atormentavam no início dos anos 2000, a estilista italiana entendeu logo que teria sucesso. Tanto que mandou fazer versões em todas as cores, cobertas de glitter e até com salto alto e bico quadrado. Cereja do bolo: o relançamento da bailarina 2016 da marca, com fivelas de couro e fitas delicadas.

Simone Rocha, verão 2023 — Foto: Getty Images, Imax Tree e Divulgação

Impossível não recordar Amy Winehouse, Kate Moss e Alexa Chung, o trio que popularizou as bailarinas no início dos anos 2000. A primeira deu-lhes ares de acessório rock; a segunda aproximou-as da mulher de todo dia com jeans skinny e jaquetas de couro; e a ex-it-girl calçou o alto patriciado da época com um visual college – Blair Waldorf, do seriado adolescente Gossip Girl não tirava as suas dos pés.

Simone Rocha, verão 2023 — Foto: Getty Images, Imax Tree e Divulgação

Mas duas décadas se passaram, então é hora de atualizar o #balletcore (essa é a hashtag do TikTok) com jeans cargo e de boca larga, casacos oversized, camisão de time de futebol com bermuda de alfaiataria ou até um vestidinho leve. É bem fácil: onde você usou tênis para “quebrar” o visual nos últimos cinco anos, coloque suas bailarinas. Só corra da caretice – twin-set, nem pen-sar – como no modelo tratorado, sim ele existe, de Simone Rocha.

A estilista Claire McCardell. — Foto: Getty Images, Imax Tree e Divulgação

Um pouquinho de história: a ligação da moda com o balé vem desde o início do século XX, com a brilhante colaboração de Coco Chanel com a companhia Balés Russos (não à toa, a sapatilha mais famosa leva a assinatura da marca, que recentemente lançou um vídeo da série Inside Chanel para celebrar a ligação de Coco com a dança). Mas a grande responsável por trazer as bailarinas para as ruas foi a estilista americana ClaireMcCardell, que nos anos 1950 assinou uma parceria com a grife especializada Salvatore Capezio e detonou a febre, ajudada pela editora de moda Diana Vreeland. Com sua moda esportiva, prática e moderna, McCardell, embora hoje esquecida pela indústria, tornou-se a grande fundadora do estilo easy-chic americano, chegando até ser capa da revista Time.

Sienna Miller, Alexa Chung e Amy Winehouse. — Foto: Getty Images, Imax Tree e Divulgação

Para incrementar a tendência com mais referências, você não pode perder o grande lançamento literário do mundo do balé: a mais completa e bem fundamentada biografia do mestre russo George Balanchine. Escrito pela jornalista Jennifer Homans, crítica de dança da The New Yorker, o livro Mr. B (ainda sem tradução em português) se debruça em mais de 200 depoimentos de ex-bailarinos e colaboradores do coreógrafo que catapultou o balé na América na segunda metade do século XX e fundou, ao lado de Lincoln Kirstein, o que seria o New York City Ballet, transformado por eles numa potência internacional incontornável.

O livro Mr. B (Penguin Random House, 2022) — Foto: Getty Images, Imax Tree e Divulgação

Balanchine preferia o atletismo abstrato à narrativa exagerada, um movimento que se traduziu em uniformes mais simples de seu corpo de baile. Discreto, ele se revelou um gênio do marketing, ao promover os bailarinos em revistas de moda e eventos mundanos, o que acabou por popularizar collants e leggings na estética minimalista do fim dos anos 1970 e início dos 1980. Disse o russo, autor de mais de 400 trabalhos, certa vez: “O coreógrafo e o bailarino devem lembrar-se de que eles alcançam a plateia através dos olhos. Esta é a ilusão na qual convence o público, tal como é no trabalho de um mágico”. Ah, mas os calos... os calos!

Simone Rocha, verão 2023 — Foto: Getty Images, Imax Tree e Divulgação
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