Cultura

Por Sabrina Fidalgo

Não me lembro quando conheci Léa Garcia, ou melhor dizendo, “tia Léa”. Isso porque “tia Léa” me conheceu quando eu ainda estava sendo gestada na barriga da minha mãe, literalmente. Léa era muito amiga dos meus pais, amizade essa que se iniciou em meados dos anos 1970, mais especificamente no ano de 1975, quando meu pai, Ubirajara Fidalgo, escreveu uma peça especialmente para ela: “Tuti”, um triângulo amoroso com pitadas de humor e denúncia social. Entretanto, a censura da ditadura militar inviabilizou esse feito.

“Tuti” só conseguiu chegar aos palcos 10 anos depois, em 1985, na redemocratização do país. A essa altura Léa já não poderia mais encabeçar o elenco como originalmente havia sido sonhado. Mas nem por isso deixou de receber uma homenagem na estreia da peça, no Teatro Calouste Gulbenkian, e posteriormente na remontagem da mesma peça no Teatro Sesc Copacabana, em 2000. O que impediu Léa de estar na peça no momento certo foram três fatores: a ditadura militar, a demora do projeto em conseguir investimento e a mesma demora que fez com que a atriz passasse da faixa etária da personagem escrita especialmente para ela. E isso diz muito sobre o estado das coisas da indústria cultural do Brasil que pouco mudou de lá para cá: artistas negros continuam tendo seus projetos atrasados, parados, congelados. E atrizes como Léa tiveram oportunidades apagadas e postergadas, enquanto atrizes brancas, com muito menos talento e trajetória, seguiram aproveitando oportunidades no teatro, TV, cinema e publicidade ininterruptamente ao longo das últimas décadas. Injusto? Sim, mas “tia Léa” nunca cedeu ao rancor e tampouco a frustração.

Léa Garcia, Kadu Carneiro, Alzira Fidalgo (minha mãe) e Maria Ceiça, em 1998 — Foto: Sabrina Fidalgo
Léa Garcia, Kadu Carneiro, Alzira Fidalgo (minha mãe) e Maria Ceiça, em 1998 — Foto: Sabrina Fidalgo

Primeira atriz brasileira a concorrer ao prêmio de melhor atriz no Festival de Cannes, em 1960, ficando em segundo lugar, por conta de sua brilhante e glamourosa atuação como a antagonista Mira, em “Orfeu Negro”de Marcel Camus, adaptação cinematográfica da peça “Orfeu da Conceição", de Vinicius de Morais, ganhador da Palma de Ouro no Festival de Cannes e do Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, em 1960. O mais longe que o Brasil chegou no Oscar, mesmo em se tratando de uma co-produção internacional entre França, Itália e Brasil, porém majoritariamente francesa ainda que totalmente rodada no Brasil, falada em português e com um elenco inteiramente composto por atores afro-brasileiros. Elenco esse encabeçado pelo então jogador de futebol Breno Mello, a norte-americana Marpessa Dawn e as brasileiras Léa Garcia e Lourdes de Oliveira. Para além das duas maiores láureas do cinema, o filme foi o responsável por implementar em todo o mundo o imaginário mágico da cidade do Rio de Janeiro e da diversidade racial brasileira. Não à toa era esse um dos filmes favoritos da mãe do ex-presidente estadunidense Barack Obama.

Léa foi escalada para o filme porque anteriormente também havia atuado no lendário espetáculo teatral, baseada no mito grego de Orfeu e Euridice, transportada para os morros cariocas, com estreia no Rio em 25 de setembro de 1956, cenários de Oscar Niemeyer e encenação do T.E.N (Teatro Experimental do Negro) de Abdias do Nascimento, com quem Léa era então casada. Dessa união nasceram os filhos Henrique Christovão Garcia do Nascimento e Abdias do Nascimento Léa se viu tornar uma ancestral ainda em vida; há um ano e quatro meses viu nascer sua tataraneta, a pequena Hellen. E tinha muitos, muitos planos. Aos 90 anos de idade, a estrela carioca estava, pela primeira vez em todos os anos de sua longeva carreira, recebendo todas as honras e homenagens, estampando capas de revistas e fazendo aparições na TV, onde nunca fora protagonista e durante as últimas décadas pouco foi lembrada pelos autores e diretores de novela. Mesmo assim, em “Escrava Isaura”, telenovela da Rede Globo, que escalou uma atriz branca (Lucélia Santos) para interpretar uma mulher negra, Léa roubou a cena como a vilã Rosa.

Foram incontáveis personagens e participações em filmes, novelas e peças de teatro. Premiada como melhor atriz no Festival de Gramado em 2004 por sua atuação em “Filhas do Vento” de Joel Zito Araújo, “tia Léa”, ao contrário de muitas atrizes brancas de sua geração, não se sustentava apenas com a atuação; foi uma trabalhadora do Ministério da Saúde (MS), órgão no qual ingressou ainda na década de 2969 como servidora do Departamento Nacional de Endemias Rurais (DENARU), no Rio de Janeiro. Conciliou a premiada carreira de atriz com o trabalho na saúde até o ano de 1990 quando se aposentou do órgão federal.

Léa Garcia — Foto: Reprodução/ Instagram
Léa Garcia — Foto: Reprodução/ Instagram

Ativista do movimento negro, atriz premiada e estrela do cinema, da TV e do teatro, Léa Garcia teve nos últimos anos a alegria de ver seu reconhecimento, mesmo que tardio, em vida. Um dos maiores deles aconteceria hoje à noite, na cerimônia da entrega do Troféu Oscarito, no Festival de Cinema de Gramado, onde receberia o troféu junto com sua colega de profissão, a atriz Laura Cardoso. Estava esfuziante e feliz. Faleceu, provavelmente de orgulho e felicidade, no templo brasileiro do cinema, que estava inteiramente aos seus pés. Como deveria ser.

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