Conexão Pet

Por Por Sabina Scardua


Os tutores precisam se preparar para os últimos anos de vida do pet — Foto: Canva/ CreativeCommons
Os tutores precisam se preparar para os últimos anos de vida do pet — Foto: Canva/ CreativeCommons

Bom seria se nossos pets vivessem saudáveis e alegres para sempre. Mas a idade chega para todos. Apesar de sempre buscarmos vida longa para os nossos animais, não estamos preparados para seu envelhecimento, que requer muita paciência e adaptação.

Meu pet mais velhinho, o Musgo, faleceu aos 19 anos, em 20 de outubro de 2020. Confesso que é uma provação para o amor incondicional de nossa parte, porque, quanto mais o animal envelhece, o que o caracterizava pode ser perdido, como a alegria e a disposição para passear. Até o que nos alimentava pode ser perdido, como fazer festinha para nossa chegada, ronronar, vir ao nosso encontro, pedir e dar carinho, olhar profundamente, etc.

Com o passar do tempo, o pet idoso fica mais debilitado e dependente; a demanda aumenta muito e a relação muda. Só quem passa pela fase de envelhecimento do animal ou por um estado de doença terminal do pet sabe o quão difícil é para ajustar nossa rotina, tempo, despesas financeiras maiores - adaptações práticas, mas também físicas, mentais e emocionais.

Muitas das características do pet podem se perder com a idade — Foto: Canva/ CreativeCommons
Muitas das características do pet podem se perder com a idade — Foto: Canva/ CreativeCommons


Infelizmente, existe uma questão muito triste nisso tudo. Muitas pessoas acham que o animal está sofrendo e aceleram sua partida. O corpo envelhece, começa a ter problemas e restrições, mas a alma que o acompanha e que ele vinculou afetivamente ao tutor continua a mesma, firme e forte, vivendo essa experiência.

Nunca conheci um animal que, através da comunicação intuitiva, quisesse ir embora porque não anda ou não consegue se coçar. Eles não são mentalmente como nós, vivem no aqui, no agora e no amor. Querem estar aqui com o tutor até quando puderem, não importa como. É isso que vejo na maioria das vezes.

O que acontece é que os humanos não querem ver isso, não estão preparados emocionalmente ou financeiramente para lidar com o envelhecimento do pet. Assim como um filho humano tem diferentes demandas em diferentes idades, das fraldas ao cinema e, depois, à faculdade, o pet também, e uma delas é a velhice. Nem sempre dá para pular essa fase.

Vamos começar a nos preparar agora? Para o tutor, é importante:

- Conhecimento sobre os efeitos fisiológicos e comportamentais do envelhecimento;
- Economias e preparo financeiro para gastos com cuidados médicos e paliativos;
- Atenção a ajustes da casa, como superfície anti-derrapante e escadinhas para subir na cama e no sofá, ou ainda mudança de densidade da caminha, para alguns;
- Preparo psicológico para a mudança de rotina e maior demanda de cuidados.

Se começamos a pensar pelo menos nisso, já estamos nos preparando.

A mudança de rotina é inevitável quando o pet envelhece. Por isso, o tutor deve ter paciência nessa fase — Foto: Canva/ CreativeCommons
A mudança de rotina é inevitável quando o pet envelhece. Por isso, o tutor deve ter paciência nessa fase — Foto: Canva/ CreativeCommons


Quando o Musgo teve uma queda de vitalidade significativa em 2016, eu trabalhava 8 horas por dia, não tinha parentes na cidade onde estava, ainda tinha sob minha responsabilidade a Smel (que já estava também com seus 14 anos, mas se encontrava bem melhor de saúde) e um menino de cinco anos. Eu fiquei sufocada com o Musgo precisando de atenção, mas, ao mesmo tempo, ficando sozinho o dia todo em casa. Acabei saindo do meu emprego - claro que tinha outros motivos envolvidos nessa decisão, mas fiquei feliz em me mudar para um apartamento maior, com varanda para eles pegarem sol e fazerem xixi, sem precisarem ir à rua para isso. Também mudei a dieta deles para alimentação natural com a ajuda de uma nutricionista.

Pela condição do Musgo, estimava-se que ele viveria mais um ano, então eu fiz esse plano romântico de me dedicar mais a ele nesse ano final. Não sei se foi esse paparico ou a alimentação natural, mas ele viveu mais quatro anos! No segundo, já não podia mais me dar ao luxo de trabalhar pouquinho, então voltei à ativa mais intensamente. Ele foi ficando mais fraquinho e eu me sentia em conflito, culpada e principalmente sobrecarregada. É impressionante como a gente acha que dá conta e acaba cometendo erros conosco e com os pets. É muito importante aprendermos mais sobre essa fase, por nós e por eles.

O envelhecimento animal envolve muitas alterações fisiológicas que são responsáveis por mudanças comportamentais significativas, como:

- Constipação frequente;
- Xixi e cocô no lugar errado;
- Maior irritabilidade ou agressividade;
- Menor responsividade a comandos;
- Maior letargia e menor mobilidade;
- Menor interatividade e tentativas de esconder-se;
- Tremores;
- Relutância em sair de casa;
- Alteração do ciclo sono/vigília - começa a dormir muito durante o dia e a ficar agitado à noite;
- Redução do apetite em alguns dias e fome excessiva em outros;
- Ofegação e inquietação.

O envelhecimento do pet provoca mudanças fisiológicas e comportamentais — Foto: Canva/ CreativeCommons
O envelhecimento do pet provoca mudanças fisiológicas e comportamentais — Foto: Canva/ CreativeCommons


A velocidade de envelhecimento do cérebro varia de animal para animal, caracterizando a Síndrome de Disfunção Cognitiva, que pode ser de grau um, dois ou três. Se o bicho apresenta dois ou três dos sinais abaixo, é possível que esteja desenvolvendo a síndrome e precisa de ajuda para prevenir a evolução e realizar o tratamento, a fim de amenizar os sintomas.

Os sinais da disfunção cognitiva

- Confusão e desorientação espacial: perde-se em locais familiares, vai para o lado errado da porta e empaca;
- Relações alteradas: tem menos interesse em carinhos e afagos, não cumprimenta e recepciona, ou super apega - fica exageradamente dependente do âmbito emocional e sofre uma redução no reconhecimento de animais e pessoas familiares;
- Atividade pode estar aumentada: olha fixamente, abocanha o ar ou objetos estranhos, perambula desorientado, lambe em excesso os tutores, o chão, a caminha ou a coberta, vocaliza de forma alterada ou aumentada e come a comida mais rápido ou come demais;
- Atividade pode estar diminuída: reduz a exploração, o apetite e os cuidados pessoais (lambedura de limpeza da região anal e ocular, por exemplo) e fica apático;
- Ansiedade e medo: sente-se inquieto, agitado e tem ansiedade de separação dos tutores.

As alterações devem ser acolhidas. Não vai adiantar dar bronca, mas existem recursos para minimizar a maioria dessas mudanças, trazendo mais conforto para o animal. Dentre esses, estão os medicamentos de ação no sistema nervoso central, hormônios como a melatonina, florais, homeopatia, suplementação com nutracêuticos específicos, fitoterapia, reiki, acupuntura e a comunicação intuitiva. Um especialista em geriatria e/ou um veterinário paliativista vão ajudar muito.

O tutor deve acolher o pet idoso de todas as formas possíveis — Foto: Canva/ CreativeCommons
O tutor deve acolher o pet idoso de todas as formas possíveis — Foto: Canva/ CreativeCommons


Com um pet idoso em casa, prepare-se para não se irritar ou desesperar com apetite alterado, xixi fora do lugar e agitação em horas impróprias. Se na casa existem mais animais, é importante observar a reviravolta de hierarquia e dar privacidade ao idoso.

Como a apreensão do ambiente fica comprometida por causa do envelhecimento neurológico e, com ele, a diminuição dos sentidos, como olfato, visão e audição, os passeios precisam ser redesenhados e é preciso prestar mais atenção em caso de visitas e festas.

O pet também pode ter problemas emocionais para enfrentar essa fase. Alguns ficam tristes e deprimidos, outros, estressados e a maioria fica insegura. Ajuda neste sentido também deve ser levada em consideração. Acima de tudo, é importante dosar as expectativas: não ficar chamando o pet para brincar ou passear, acordando-o ou tirando-o do esconderijo. Isso o desorienta e aumenta a frustração, porque ele percebe que você quer algo que ele não pode mais te dar. Muitos pets reclamam nas comunicações que a forma de o tutor olhar para ele mudou. Um olhar com preocupação ou pena desestabiliza ainda mais o animal.

Então, acima de tudo, o nosso preparo é o que muda o jogo. Devemos reunir informações e se cercar de ajuda, para dar a oportunidade do animal passar por essa fase com dignidade, bem-estar, leveza, muito amor e não privar a alma dessa experiência e de mais um tempinho conosco.

Se ficar difícil demais, conte comigo.

A médica-veterinária Sabina Scardua é colunista do Vida de Bicho — Foto: ( Sabina Scardua/ Arquivo pessoal)
A médica-veterinária Sabina Scardua é colunista do Vida de Bicho — Foto: ( Sabina Scardua/ Arquivo pessoal)

Sabina Scardua é médica-veterinária com doutorado em comportamento animal. Atua com Reiki em animais desde 2016 e está à frente do Reiki Pet Rio (@reikipetrio).

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