• Thiago Andrill
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Comentários sobre a alopecia da atriz Jada Pinkett Smith foram feitos no Oscar, pelo apresentador Chris Rock, na noite do último domingo (27) (Foto: Reprodução Instagram)

Comentários sobre a alopecia da atriz Jada Pinkett Smith no Oscar geraram polêmica e interesse sobre a doença (Foto: Reprodução Instagram)

Perda permanente de cabelo do couro cabeludo, queda repentina que começa com uma ou mais áreas calvas circulares... a alopecia ganhou destaque após uma piada feita pelo humorista Chris Rock sobre a cabeça raspada da atriz Jada Pinkett Smith no Oscar 2022 - que resultou em uma agressão física de Will Smith, mas também jogou luz sobre o assunto.

Mas, afinal, o que é a condição? A alopecia pertence a um grupo de diferentes doenças que geram a perda capilar e é um distúrbio ligeiramente mais comum em mulheres. 

Dentre os diferentes tipos de alopecia, as mais famosas são a androgenética e a areata. A primeira é a famosa calvície, que pode se manifestar independente da idade adulta -- mas a partir da adolescência.

“Tem paciente que começa aos 14 ou 15 anos, enquanto outros aos 60, independente de gênero. Varia de acordo com o contexto genético”, explica Luann Lôbo, dermatologista especialista em dermatologia clínica, cirúrgica e cosmiátrica. A causa é variada e está ligada desde predisposições genéticas a hormonais.

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Já a alopecia areata tem um fundo autoimune. “O paciente tem que nascer com uma predisposição genética e, ao longo da vida, você pode ter um gatilho emocional, como alterações psicossomáticas, traumas físicos e infecções”, complementa. Normalmente acontece antes dos 30 anos, o que não quer dizer que uma pessoa aos 50 não possa desenvolver este quadro. Além disso, a areata pode estar ligada ao estresse.

Contudo, o tipo que mais acomete as mulheres é chamada de eflúvio telogênico. "Uma condição reversível em que o cabelo cai depois de uma experiência estressante para o organismo, podendo ser após um quadro de infecção, como o covid, por baixa de ferro e demais vitaminas,", afirma Jurandir Alabarce Carrascosa Junior, médico cirurgião e diretor da Mais Cabello, rede especializada em tratamentos e transplantes capilares

Ao contrário do que é normalmente difundido, existe uma tendência de a alopecia ser mais comum em mulheres do que em homens. “As estatísticas variam e depende do país no qual o estudo foi realizado, e da amostra populacional selecionada, mas, de forma geral, há uma indicação de que a incidência em homens e mulheres é igual”, analisa Luann Lôbo. “Já outras mostram que nas mulheres é mais frequente”, complementa.

Diagnóstico

O diagnóstico é feito de diferentes maneiras. "Nós temos a tricoscopia (exame do cabelo com um dermatoscópio), que atrelada ao exame clínico médico oferece mais detalhes", revela Jurandir Alabarce Carrascosa Junior. "Além de a biópsia do couro cabeludo, para maior exatidão das características da doença autoimune, e o exame genético, que nos permite maior assertividade no tratamento."

A doença, explicam os especialistas, pode acometer diferentes regiões do corpo, em níveis variados. “Em todo o couro cabeludo ou em uma parte dele, assim como no restante do corpo.” Independente da abrangência, o impacto psicossomático é um ponto comumente manifestado.

“Pode ser um gatilho bem grande. Às vezes a paciente já chega no consultório com uma questão psicossomática ou esse status se desenvolve à medida em que a doença se fortalece”, afirma o médico, que destaca que o trabalho é feito com equipes interdisciplinares, com psiquiatras, psicólogos e outros profissionais.

"Às vezes a paciente já chega no consultório com uma questão psicossomática ou esse status se desenvolve à medida em que a doença se fortalece"

Luann Lôbo, dermatologista

Tratamento

Os tratamentos, explica Luann Lôbo, alternam-se segundo o quadro do paciente. “Em casos mais intensos e rápidos, entramos pela via oral, com imunossupressores e corticoides, por exemplo. Já em outros, mais leves, apenas com tratamento tópico.”

A jornalista Laura Bergamo tinha 8 meses quando todos os pelos de seu corpo caíram (Foto: Bianca Inglesis)

A jornalista Laura Bergamo tinha 8 meses quando todos os pelos de seu corpo caíram (Foto: Bianca Inglesis)

A jornalista Laura Bergamo, 33, tinha pouco tempo de vida quando seus cabelos caíram. “Tinha sobrancelha e cabelo ralos, de bebê mesmo. Com 8 meses, tive catapora e infecção urinária. Eu perdi todos os pelos do corpo e depois de alguns anos, a sobrancelha e os cílios voltaram”, relembra.

Em sua memória, Laura, que tem alopecia areata, nunca teve cabelo. A jornalista jamais recorreu às perucas, mas passou por diversos tratamentos – desde os com comprovação científica até os mais envoltos pela cultura popular. “Eu passava babosa, tomava chá e fui a muitos especialistas. Tomei remédios horrorosos, ia a um tricologista (especialista em cabelo), fazia laser e usava shampoos especiais.” Aos 14 anos, escolheu parar e comunicou a decisão aos tios, com quem vivia.

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“No meu caso, era mais a expectativa do outro em me ver com cabelo do que a minha própria. Resolvi parar com o tratamento. Já tinha feito muita coisa: 14 anos nutrindo a expectativa de uma coisa que não vem”, diz Laura. “Eu sou assim e acabou. Por ser autoimune, o corpo entende que o cabelo é uma ameaça, algo invasivo.”

“Lavar a cabeça e ficar nova”

Laura Bergamo afirma sobre alopecia: Eu sei que gero curiosidade (Foto: Bianca Inglesis)

Laura Bergamo sobre alopecia: Eu sei que gero curiosidade (Foto: Bianca Inglesis)

Para Laura, lidar com a questão foi um “processo”, como ela coloca. “Eu fui criança nos anos 90 e as pessoas eram ainda menos informadas. Muitas vezes achavam que eu tinha câncer ou que tinha raspado a cabeça por estilo”, destaca a jornalista, que diz que a condição, ainda hoje, não é amplamente conhecida – ainda mais entre as mulheres.

“Eu sei que gero curiosidade. Uma vez estava na rua e uma menina me perguntou se eu tinha alopecia e eu disse que sim! Fiquei super feliz porque ela conseguiu identificar, o que é algo raro.”

Na infância, a jornalista relembra que a escola onde estudou, dos 5 aos 17 anos, era receptiva e que seus colegas e professores tinham conhecimento da situação. Entretanto, não era o bastante para lhe proteger de agressões. “Outras crianças me chamavam de ET e de outras coisas bem grotescas, mas a escola ainda assim era uma bolha e, para completar, eu tinha uma amiga que 'descia a porrada' se alguém falasse alguma coisa. Minha irmã também.”

Já na adolescência, o cenário se complicou. Enquanto Laura era Laura, a expectativa do entorno sobre a aparência, especialmente a de uma menina em fase de transição para a vida adulta, era outra. "Aí veio tudo: a cobrança de ter cabelão e ser bonita. Eu me sentia muito inferior e pensava se um dia alguém sentiria desejo por mim. Eu não era o padrão. Quem falava que eu era bonita era adulto, não alguém da minha idade”, relembra.

Mas não por isso escondeu a cabeça. “Eu sempre entendi que seria amada por quem eu sou. Eu fui entender o quanto era bonita na faculdade, aos 18, naquela fase de descoberta, de sair e conhecer pessoas.” Apesar do estigma, Laura diz sempre ter tido segurança. “Mas com o tempo veio a autoestima. Hoje, com 33, não tem quem me derrube. As pessoas olham bastante e é muito comum falarem que eu sou bonita; e eu sempre respondo: sou mesmo.”

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A jornalista afirma que sua tia foi importante na construção dessa segurança. “Eu perdi minha mãe aos 5 e fui morar com eles. Ela foi muito vital nessa questão porque falava que eu era perfeita, só não tinha cabelo", conta. "Estar para além do padrão incomoda, as pessoas acham que eu tenho que usar peruca, sendo que não quero. Eu amo ser assim: lavar a cabeça e ficar nova.”

“Quem não tem não se enxerga nessa dor”

Em relação ao comentário sobre o corpo da atriz Jada Pinkett Smith, feito em um dos palcos mais públicos do mundo, Laura é categórica: “Tem piada que não é piada.” A jornalista já criou sua defesa, montada tijolo por tijolo nos últimos 33 anos. “Mas se for com alguém que começou a ter isso agora, que há poucos anos perdeu o cabelo, é perigoso; você não sabe o que ela está sentindo”, opina.

“Não é porque ela é famosa e rica que ela está em um bom momento. Eu vi muitas justificativas de que ele é um comediante, mas, qual é a linha entre comédia e respeito?”, indaga. “As pessoas lidam com uma questão interna nossa, que já causou muita dor, como brincadeira. A reação de Will Smith, independente de ser exagerada ou não, eu vejo como um balde que extravasou", opina. "Eu não quero ouvir outra piada sobre isso; é uma doença e gera dor.”

Porém, até hoje, "piadas" são feitas para Laura. “Eu posso até dar risada, mas não é engraçado. Quem não tem não se enxerga nessa dor", compartilha a jornalista.

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