Lifestyle
Publicidade

Por Por Malu Pinheiro (@mariluisapp); Fotos Getty Images


A comunidade de pessoas trans no Brasil ainda carece de dados mais apurados, tanto sobre sua composição demográfica quanto quantitativa. Mas, sabemos um fato: somos o país que mais mata transgêneros no mundo. Além da violência física, pessoas trans sofrem preconceito todos os dias, incluindo o pouco acesso ao mercado de trabalho. Isso se reflete em outro número: “Temos uma estimativa que diz que 90% das travestis brasileiras estão trabalhando com a prostituição”, afirma Lucas Bulgarelli, antropólogo, doutorando pela USP e coordenador do Núcleo de Pesquisa em Gênero e Sexualidade da Comissão de Diversidade Sexual da OAB-SP.

Mas, por que tanto preconceito? E tanta violência? Afinal, o que são pessoas trans? Para Eunice Aparecida de Jesus Prudente, professora do Departamento de Direito do Estado da Faculdade de Direito da USP, o gênero é uma riqueza. “Ele é socialmente construído”, diz.

O que é ser trans?

Lucas nos ajudou a entender (da forma mais didática possível) o que são pessoas trans – e como isso atravessa costumes e tradições impostas pela sociedade. “A gente costuma brincar que quando uma criança nasce, o médico fala ‘é um menino’ ou ‘é uma menina’. Essa enunciação de gênero acaba sendo imposta pelo órgão biológico. Se o bebê tem um pênis, ele é um menino. Pode ser que no futuro, esse menino seja realmente um menino, que ele se reconheça como tal”, explica Lucas.

Universo trans: o preconceito, a violência e os direitos que envolvem pessoas transgêneros (Foto: Getty Images/iStockphoto) — Foto: Glamour
Universo trans: o preconceito, a violência e os direitos que envolvem pessoas transgêneros (Foto: Getty Images/iStockphoto) — Foto: Glamour

Então, esse seria um homem cis (que significa ‘do mesmo lado’), uma pessoa que nasceu com uma determinada característica sexual e o gênero dela corresponde a isso. Lucas continua: “Mas pode ser que essa pessoa, ao longo da vida, se identifique como uma menina, apesar de ter um pênis. Nesse caso, seria uma mulher trans, ou seja, que ultrapassa o lado”.

Falando sobre identidade de gênero, a nomeação pode complicar um pouco, é o caso de travesti ou mulher trans. “O que altera isso é a forma como a pessoa se identifica e se reconhece. Não existe nenhum critério para isso. Existem marcações, sim, travesti era um termo visto como negativo, carregando um histórico até mesmo marginal. Há, então, essa ressignificação do que um dia foi negativo e hoje é colocado como algo positivo. É uma diferença que vai de acordo com a trajetória e a escolha individual de cada pessoa.

Transfobia no Brasil

O cenário atual apresenta uma ausência de dados oficiais sobre a população LGBTQIA+ em geral e, especificamente, da população trans. No Brasil, não temos um número certo de pessoas trans e travestis, mas o que a gente sabe, de acordo com levantamentos feitos pela Antra (Associação Nacional de Travestis e Transexuais), é que o Brasil tem um índice alto de assassinato de pessoas trans.

O ranking é assustador. “Esses dados são enviados para uma organização europeia, a ONG Transgender Europe (TGEu), que faz anualmente um levantamento de assassinatos de pessoas trans por país para estabelecer métricas dessa questão. Desde que a TGEu começou a fazer essa análise, o Brasil é o líder como país que mais mata pessoas trans no mundo”, diz Lucas. “Isso em um contexto que a gente sabe que esses dados são subnotificados. Ainda é difícil constar no boletim de ocorrência detalhes sobre o assassinato, então nem sempre está registrado que a morte foi em decorrência da transfobia.”

“A violência vem pela demonização presente na sociedade e também pelo total desconhecimento da questão”, reflete Eunice. É aí que concluímos também que a transfobia no Brasil tem características muito próprias. “Os assassinatos de trans no País remetem a um tipo de violência que é a desfiguração facial ou de traços de identidades. Existe uma perversão própria desse tipo de caso que é essa desconfiguração como o espancamento do rosto, cortar o cabelo, mutilação da genitália... A recorrência desses casos traz uma naturalização da transfobia”, conta Lucas.

“Quando intersectamos, então, a questão de gênero com a questão racial e ética, por exemplo, o cenário se agrava ainda mais”, diz Eunice.

Ao falarmos sobre os preconceitos enfrentados pelas pessoas trans, além da violência, ainda existe a dificuldade dessas pessoas terem acesso ao mercado de trabalho. “Uma pessoa trans não consegue disfarçar que é uma pessoa trans e a sociedade foi treinada para buscar o gênero em cada um. Pensamentos do tipo: 'Será que é uma mulher?' 'Será que é homem?' 'Mas eu vi uma barba.' 'Mas não tem peito' é uma certa mania que precisamos descontruir”, alerta Lucas.

Direitos das pessoas trans

Nós convivemos sob a haste de uma constituição bastante inclusiva, tanto que ela propiciou a elaboração de leis específicas que protegem vulneráveis. “É um estado democrático de direito que ainda não está pronto, mas que considerou a diversidade – tal como temos o estatuto da criança e do adolescente e o do idoso, por exemplo”, diz Eunice.

Universo trans: o preconceito, a violência e os direitos que envolvem pessoas transgêneros (Foto: Getty Images/iStockphoto) — Foto: Glamour
Universo trans: o preconceito, a violência e os direitos que envolvem pessoas transgêneros (Foto: Getty Images/iStockphoto) — Foto: Glamour

Dessa forma, fica claro que uma lei protetiva é a maior reinvindicação no campo dos direitos para as pessoas trans. “Uma lei proposta em 2013 pelo deputado Jean Wyllys serviria justamente para podermos aglutinar uma série de serviços relacionados ao tratamento de pessoas trans, como o direito a troca do nome civil e um protocolo de atendimento em médicos”, disse Lucas. Isso porque uma mulher trans precisa ir ao urologista, da mesma forma que um homem trans precisa ir ao ginecologista, mas são profissionais pouco preparados para atendê-los. “São direitos pleiteados pela população trans e que foram, alguns deles, conquistados após longas batalhas”.

Dentro do direito, pessoas trans são vistas como qualquer homem ou mulher. Agora, precisamos cobrar leis que tenham o objetivo de proteger pessoas trans especificamente. A percepção da diferença já está entre nós. “O que ainda não me parece presente é o enfrentamento da igualdade. Essa invisibilidade do direito com referência a questão de gênero é absurda e contradiz os registros da constituição e o registro da diversidade”, diz Eunice.

Já Lucas, afirma: “Temos alguns avanços no campo do judiciário que possibilita a garantia de alguns direitos, mas no campo do legislativo ainda temos pouca ação. E no campo do executivo, sobretudo federal, temos um contexto que ainda é bastante desfavorável a efetivação desses direitos”.

Eunice também reflete sobre a necessidade de o assunto estar dentro da faculdade. “Todo curso que vai formar profissionais da área precisa estudar, pesquisar, comentar e conhecer as questões de gênero. Infelizmente, não é isso que acontece”, diz.

Andamos a passos curtos (e bem curtos). “Eu aplaudo o Supremo Tribunal Federal que permitiu que se utilizasse as disposições da Lei 7716 que tipifica os crimes de discriminação racial para que ela seja utilizada para alcançar a transfobia nas suas diversas formas de violência. Isso se faz necessário até que tenhamos uma lei específica para esse crime – e me entristece ainda não termos”, finaliza Eunice.

Mais recente Próxima Outubro: confira as previsões dos astros para cada signo
Mais de Glamour