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Por Por Paula Jacob (@pajycob); Ilustrações Erika Lourenço


Dia 1: 16 de março de 2020. Corta para: seis meses depois do começo da quarentena – e contando –, com oscilações de humor, libido, ciclo menstrual e saúde mental. Um período de reflexão sobre bastante coisa, incluindo relacionamentos, responsabilidades e sexualidade.

“Sexualidade não é igual a sexo. É sobre identidade, formação do sujeito e subjetividades” (Foto: Erika Lourenço) — Foto: Glamour
“Sexualidade não é igual a sexo. É sobre identidade, formação do sujeito e subjetividades” (Foto: Erika Lourenço) — Foto: Glamour

De um lado, o aumento na venda de produtos eróticos e um corpo feminino sendo descoberto; de outro, um retrocesso sem precedentes para os direitos das mulheres. Por mais que ainda seja cedo para tirar conclusões definitivas, especialistas mostram o quanto as relações humanas foram afetadas pela pandemia, no âmbito social e no mais íntimo possível também.

Eu com o outro

“O isolamento social aflige o psicológico. Nós nos constituímos completamente na relação com outras pessoas. Estamos sendo privadas de uma condição humana muito prioritária para a nossa identidade”, explica Fabíola Freire Saraiva Melo, doutora em psicologia da educação e professora do curso de psicologia da PUC-SP. Na pesquisa Amor em Tempos de Pandemia, divulgada pela agência de publicidade Mutato, em maio, isso fica evidente. Nos cinco macrotemas mapeados (solidão, conexão, tesão, tretas e zuêra), a necessidade do contato é constante. “A verdade é que todos nós, sozinhos ou acompanhados ou separados, queremos convívio. Mas a maneira de fazê-lo mudou”, diz a diretora de estratégia da agência Juliana Morganti. Ela aponta que formas de suprir essa carência surgiram, como um novo comportamento nas plataformas de dates. “Há uma busca por afinidade e profundidade no papo e não por quantidade de crushes”, afirma.

E se o que está fora passou por transformações, a quarentena também trouxe um novo olhar para o íntimo. “Quando você para de se relacionar em boa parte com o mundo externo, isso faz com que se volte para o mundo interno. Ir para ele é necessariamente se relacionar com a sexualidade – que não é sexo. É sobre identidade, formação do sujeito, subjetividades”, conta Mariana Stock, fundadora da @prazerela.

“Se não há uma educação sexual desde cedo, só se perpetuam comportamentos e preconceitos naturalizados” (Ilustração: Erika Lourenço) — Foto: Glamour
“Se não há uma educação sexual desde cedo, só se perpetuam comportamentos e preconceitos naturalizados” (Ilustração: Erika Lourenço) — Foto: Glamour

O ciclo dos ciclos

Rolou um descompasso do seu ciclo menstrual por aí? Absolutamente natural. “A hiperdemanda do trabalho e do cuidado da casa com a experiência do isolamento causou mudanças no sono e na alimentação, o que mexe com a menstruação”, explica a especialista em sexualidade feminina Caroline Amanda, criadora do @yonidaspretas. Como terapeuta menstrual, ela mostra o quanto o atravessamento hormonal afeta a nossa dimensão psicoemocional. “Muitas utilizavam hormônios para estarem adequadas a um mundo específico, emendando cartela, por exemplo. Mas, quando você está em casa e pode menstruar sem preocupação, há espaço para a experimentação, tanto de alternativas de absorventes até com o rompimento do anticoncepcional.”

Estar atenta ao corpo também trouxe a noção do quanto o ciclo menstrual está ligado a humor, produtividade, criatividade e libido. Esta última variando entre períodos de extrema potência e quedas bruscas. Argh! “Você não precisa gozar da mesma forma o mês todo – até porque seu corpo não sustenta isso. O tesão é cíclico e, quando você o respeita, não se culpa por estar com menos ou mais vontade de transar, por conseguir ter orgasmos ou não”, diz Caroline.

Para se conhecer ainda mais, experimente o toque sem o compromisso do gozo, utilizando coisas orgânicas (óleos naturais, chuveirinho...). “Chamo isso de sexualidade criativa, por ser uma possibilidade para as mulheres que não têm condições financeiras para comprar sex toys”, afirma. A ideia é explorar temperaturas, texturas e transcender a vulva. “Um banho demorado, um óleo essencial, uma massagem... Tudo isso nos faz criar fantasias.” Nossa, sim.

E a educação sexual?

A educação sexual de qualidade nunca fez tanto sentido (e falta), né? Uma vez mergulhadas dentro de suas escolhas, desejos, corpos e prazeres, nós, mulheres, nos vimos desbravando conhecimentos que não nos foram ensinados. “A sexualidade saudável deve estar em pauta desde sempre, nas escolas, para crianças e jovens aprenderem sobre o corpo, discutirem o que é consentimento, prevenirem doenças e gravidez na adolescência, e para combatermos o machismo estrutural e a cultura do estupro”, explica a professora Fabíola Freire Saraiva Melo. “Se não há uma educação sexual desde cedo, só se perpetuam comportamentos e preconceitos naturalizados como ‘brincadeiras’.”

Para Mariana Stock, o desafio ficou maior depois da pandemia. “O consumo da pornografia mainstream aumentou. Ela é a antítese da sexualidade positiva, porque só reforça a violência de gênero e a objetificação das mulheres. Esse trabalho é profundo e necessário, mas ainda estamos nadando contra uma grande maré.”

Questão de direitos

Logo, seria romântico demais imaginar que a (re)conexão com a sexualidade acontecesse da mesma forma para todas. Afinal, ainda vivemos em uma sociedade machista, misógina e patriarcal, e a jornada infinita da mulher é, sim, uma realidade. “As mulheres estão sobrecarregadas há séculos. Desde 1960, estamos na luta em busca de direitos iguais, mas, com a pandemia, parte do que conquistamos anda para trás”, pontua Mariana. “Na intimidade da casa, a gente acaba se vendo sem ajuda com a educação dos filhos, o trabalho, o cuidado com a casa. Na maioria dos casos, a rede de apoio não existe, e ainda há as que sofrem com a violência doméstica.”

E o que o feminismo tem a ver com isso? Tudo! “A manutenção da opressão da sexualidade feminina é necessária para os homens continuarem no lugar de privilégio”, explica Fabíola. “Não adianta pensar numa sociedade feminista sem que eles estejam envolvidos na conversa. Os homens também têm responsabilidade nisso e precisam correr atrás, agir e ser antimachistas.”

O diálogo em casa, na escola, no trabalho e nos relacionamentos é fundamental para mulheres e homens se transformarem. “O feminismo em hipótese alguma busca uma inferiorização dos homens. Estamos querendo igualdade, e ela significa que os dois sexos precisam ter espaço para se realizar”, conclui Fabíola. Como diria Simone de Beauvoir: “Querer ser livre é também querer livre os outros”.

Revolução online

A internet, cada vez mais, mostra-se uma ferramenta de possibilidade de acesso à informação de qualidade. “Perfis nas redes sociais podem trazer conhecimento para levar a uma libertação da sexualidade feminina”, diz a professora Fabíola Freire Saraiva Melo. Além das citadas no texto, aqui, outras mulheres para acompanhar:

@lascivaluaaa: conteúdo sobre sexualidade feito por uma terapeuta sexual
Siriricas Co: podcast criado para falar de autoconhecimento e mais
Dora Figueiredo: saúde mental, corpo e sexo no canal do youtube

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