Desde quando assumiu a Gucci, em 2015, Alessandro Michele vem mostrando o quanto uma marca de moda vai muito além da estética – é também política, arte, identidade e tantas outras fronteiras que dê para transgredir. De lá pra cá, os laços com músicos, dançarinos, atores, artistas (incluindo a brasileira Verena Smit) e cineastas só ficaram maiores, melhores e mais firmes. Prova disso é o recém-lançado Gucci Fest: sete dias pensados para lançar a nova coleção da marca longe dos formatos de desfile digital, físico ou stories bem gravados e editados. A sequência de curtas-metragens, escritos e dirigidos por Gus Van Sant, contam histórias oníricas sob o título “Ouverture Of Something That Never Ended” ("Abertura De Algo Que Nunca Acabou", em tradução livre).
E assim como os nossos sonhos, que começam e nunca terminam, somos transportados para universos corriqueiros com quês aleatórios, para dar aquele gostinho bom de Michele + Van Sant. A história é sempre vista ao lado de Silvia Calderoni, artista, atriz e bailarina, que dá o start na série com o curta "At Home". Logo, a vemos em um café, depois em uma agência de correios, e aí em um teatro, mais à frente no seu apartamento olhando os vizinhos e, então, dando um rolê por Milão à noite, na garupa de uma vespa. Tudo envelopado com o visual característico de Gus Van Sant: o espectador fica de mãos dadas com os personagens, em movimentos de câmera que, ora focam na protagonista, ora se perdem nas figuras adjacentes, dando a sensação de conexão cósmica entre as histórias.
Em cada um dos episódios, é possível perceber a aproximação criativa entre o diretor da marca e o diretor de cinema. Alessandro Michele e seus 48 anos, e Gus Vant Sant nos seus quase 70, um conflito geracional não fosse a sutileza do norte-americano para assuntos de gênero e juventude – assista Elefante, Paranoid Park, Inquietos e Don't Worry, He Won't Get Far on Foot. Os seus filmes são verdadeiros estudos sobre o ser humano do jeito que ele é, não o "querer ser", o que o torna verdadeiro, sem pretensão. É sobre autenticidade. Temas que guiam as coleções-manifesto da Gucci nos últimos tempos. Entendeu a grandiosidade desse feat?
Os encontros geracionais também acontecem na frente das câmeras, com Billie Eilish, Harry Styles, Arlo Parks, Jeremy O. Harris, Florence Welch, Lu Han, Sasha Waltz, Achille Bonito Oliva e Paul B. Preciado incrementando o elenco permeado por modelos. Além, claro, nas referências visuais, que misturam aquela vibe Gucci de ser, à la Os Excêntricos Tenenbaums, com tecnologia e natureza.
Curtas-metragens com mensagens sobre a possibilidade de futuro com a união entre passado e presente: um sem excluir o outro, coexistir para resistir às adversidades da vida – hoje, no caso, a pandemia. Uma mensagem de amor e esperança com um surrealismo mágico que todos nós precisamos. “A moda veste a humanidade, a arte expõe a humanidade, e a música é uma massagem para os músculos atrofiados do conhecimento coletivo”, diz Achille Bonito Oliva ao telefone com Harry Styles – o primeiro, crítico de arte, aos 81 anos, o segundo, fenômeno musical e fashion aos 26. E aí, já deu o play?