Saúde
Publicidade

Por Fernanda Frozza


“Mas como chama a atriz de O Diabo Veste Prada?” “Em que ano rolou o 7x1?” “Será que fechei as janelas ao sair de casa?” Às vezes parece impossível lembrar uma informação que até então estava fresquinha em nossa mente. E acontece com todo mundo, viu? O estudo chamado Curva do Esquecimento, criado pelo cientista alemão Hermann Ebbinghaus lááá no século 19, mostra que, apenas 20 minutos após aprender algo, o cérebro esquece aproximadamente 42% do conteúdo.

Antes que eu me esqueça (Foto: glamour) — Foto: Glamour
Antes que eu me esqueça (Foto: glamour) — Foto: Glamour

Esse índice sobe para 67% em 24 horas e 79% em um mês. Os números assustam, mas calma: apesar de existir um limite de absorção de informações, não quer dizer que todas as suas memórias vão desaparecer com o tempo. De acordo com o neurologista Leandro Teles, da Academia Brasileira de Neurologia (ABN) e autor livro O Cérebro Ansioso, os dados variam de pessoa para pessoa e da relevância da informação na sua vida. Afinal, é provável que a aula de física não tenha marcado tanto quanto seu primeiro beijo.

Mas por que isso acontece? “Existe um cabo de guerra de coisas que levam ao esquecimento ou à fixação. Tem vivências tão intensas que já são retidas no ato. Outras ficam no cérebro apenas por proximidade temporal e se perdem ao longo do tempo, a não ser que você volte a vê-las.” Prova disso é quando saímos do cinema e sabemos dizer TU-DO o que aconteceu no filme. Em um mês, só restam os pontos principais. E, provavelmente, se reassistirmos em um ano, vamos nos surpreender com as cenas como se fossem inéditas.

Antes que eu me esqueça (Foto: glamour) — Foto: Glamour
Antes que eu me esqueça (Foto: glamour) — Foto: Glamour

Ih, esqueci!

O tempo não é o único responsável pelo esquecimento. E mesmo que, por hereditariedade, você tenha a famosa memória de elefante – ou hipermnésia –, não adianta depositar todas as fichas nisso. A fundadora da Academia da Mente e autora do livro Deu Branco, Ana Alvarez, explica que não há genética que resista aos efeitos do cansaço, estresse e da privação de sono, que consecutivamente levam à falta de atenção e concentração. “Quando um conteúdo caminha pelos neurônios, seus dendritos [prolongamento dos neurônios] se encolhem se você estiver cansada e ansiosa, aí não passam a informação adiante”, diz.

Sabe quando algo desaparece da nossa mente sem explicação? Sem dúvida, já aconteceu com você, seja um aniversário, a lista do mercado ou o nome do vizinho no elevador. Segundo a expert, esses “apagões” são cada vez mais comuns porque vivemos a era da distração e somos pressionados a pensar sempre um passo (dois, três...) à frente. Resultado: uma geração de esquecidos. E a ansiedade tem parcela de culpa nisso – vale lembrar que segundo dados da Organização Mundial de Saúde (OMS), de 2019, o Brasil é o país mais ansioso do mundo, com 18,6 milhões de pessoas (9,3% da população) que convivem com o transtorno. “Temos dificuldade de viver o presente nesta era em que o grau de cobrança é superelevado, a velocidade da informação é alta e estimulamos o multitarefa. É por isso que meditação e mindfulness fazem tanto sucesso, elas nos incentivam a perceber o agora.” Sim, é nossa missão tirar a mente do piloto automático e combater um dos inimigos da atenção: a rotina. Tanto que, quando começamos um novo trabalho, todos os detalhes importam, desde o trajeto e os novos colegas até a disposição das mesas. Com o tempo, aquilo se torna tão habitual que temos dificuldade de reparar e lembrar o que fizemos no fim do dia. Então, o conselho é manter a atenção ativa. Mude o caminho ao sair de casa, invente programas e opte por novas marcas. A novidade coloca nossa mente em estado de alerta.

Antes que eu me esqueça (Foto: glamour) — Foto: Glamour
Antes que eu me esqueça (Foto: glamour) — Foto: Glamour

No caso dos “apagões”, a boa notícia é que, geralmente, a lembrança reaparece depois de um tempo. Mas, se isso não acontecer, nem pense em ignorar. Para cada “branco” que se deixa passar, existem cerca de 30 fatos associados. “Você tem que colocar essa informação na cabeça de novo”, aconselha Ana. É por isso que o primeiro passo após um “apagão” é se esforçar até lembrar, mesmo que com a ajuda de um amigo ou do Google. Logo depois, crie relações com termos conhecidos. Por exemplo, se a palavra que sumiu da sua mente for “parmesão”, faça um exercício e tente pensar em outros queijos que comecem com a mesma letra, como “provolone” ou “prato”. Em seguida, diga a palavra em voz alta e escreva num papel. No fim do dia, repita o processo para fixar bem. Foi fácil, vai!

Agora, quando o ponto fraco é esquecer o ferro ligado ou o boleto em cima do balcão, seus aliados são uma caneta e um post-it. Espalhe pela casa recadinhos com frases curtas para ativar sua memória. O ferro, por exemplo, pode ganhar a frase: “preciso ser desligado”. Já a conta de luz vem com o lembrete: “já fui paga”. Aposte ainda em listas de afazeres todas as manhãs e se dedique a manter sua agenda sempre atualizada com datas e compromissos. É simples e certeiro. Se ainda assim o apagão for constante (mais de seis vezes ao dia) e atrapalhar sua rotina, sinal de alerta. Não espere o quadro se agravar para procurar um profissional, hein?!

Antes que eu me esqueça (Foto: glamour) — Foto: Glamour
Antes que eu me esqueça (Foto: glamour) — Foto: Glamour

Botão de reset

Tudo bem, um empurrãozinho é necessário para manter alguns fatos importantes no nosso HD, mas existem aquelas memórias ruins que não saem da nossa cabeça. Pois é, na vida, nem tudo são flores. Existem emoções que transformam más lembranças em traumas. A psicóloga e terapeuta Ana Maria Fonseca Zampieri, coordenadora do Programa de Ajuda Humanitária Psicológica (PAHP), explica que essas são memórias armazenadas disfuncionalmente. “Sabe por que temos mais facilidade de lembrar de um tapa que de um sorvete? Porque o prazer não está ligado ao sistema de sobrevivência, mas a dor está.” Em algumas situações, o estado de alerta se transforma em pânico, e isso pode transcender gerações. É comum em sobreviventes de guerras e tragédias, como o 11 de Setembro ou Brumadinho. “Essas emoções se reavivam no presente com um gatilho.Por exemplo, quando alguém que há 20 anos foi sequestrado sente taquicardia e tontura ao parar num semáforo.” Nesses casos, existem várias terapias usadas para ressignificar memórias, mas, segundo a OMS, o EMDR (Eye Movement Desensitization and Reprocessing) é a mais eficaz. “Quando a gente retoma cenas traumáticas e faz estimulação bilateral por meio do olhar, tato ou audição, o cérebro reprocessa a experiência. Você não esquece o que viveu, mas lembra de uma forma diferente.” Isso acontece porque você revisita uma memória dolorosa enquanto oferece outro estímulo para a mente se atentar ao agora. Resumindo: é para mudar o foco.

Antes que eu me esqueça (Foto: glamour) — Foto: Glamour
Antes que eu me esqueça (Foto: glamour) — Foto: Glamour

Recordar é viver

É o nosso cérebro quem decide o que vai e o que fica, um processo que se inicia na infância e nos acompanha a vida toda. Aos 6 meses, passamos a armazenar lembranças que nos permitem criar habilidades sociais, motoras e de linguagem, como andar, comer e reconhecer nossos pais. Isso é chamado de memória implícita, que acontece de forma automática. Mas já reparou que é impossível recordar qualquer história dessa época? No geral, só a partir dos 4 anos criamos a memória consciente, ou explícita, que nos torna capazes de contar uma sequência de fatos. A partir daí, em meio a uma enxurrada de novas informações diárias, nos apegamos a três fatores para escolher o que não deve ser esquecido com o tempo: emoções, situações que fogem da rotina e repetição. Isso explica a importância das aulas de revisão antes de prestar um vestibular. E mostra também o porquê, se analisarmos a história de vida de uma pessoa de 70 anos, de a maior parte das memórias de longo prazo aparecer entre os 10 e 30 anos**, já que é nesse período que vivemos situações transformadoras, como deixar a casa dos pais e escolher a carreira. Quem lembra?

Memória de elefante

Se você tem fama de esquecida, saiba que é possível melhorar o potencial do seu cérebro com alguns ajustes na rotina, como exercícios físicos, meditação, alimentação e uma boa noite de sono. Pode parecer simples, mas são dicas seguidas, inclusive, por profissionais no assunto, como é o caso de Yanjaa Wintersoul, de 25 anos, nascida na Mongólia e detentora de três recordes mundiais de memória. Ela já gravou 145 palavras em 5 minutos, 212 rostos em 15, e 360 imagens em 5 (Ufa!) transformando tudo em narrativa. Mas como assim? Se precisar lembrar da sequência “bolo-casa-bicicleta”, a saída é inventar uma história usando esses termos. Testado e aprovado! Em um estudo realizado na Universidade de Stanford, na Califórnia***, 24 pessoas precisaram memorizar 12 listas de dez palavras. A metade que decorou acertou, em média, apenas 13%. Já a outra metade criou uma narrativa e lembrou de 93%. Que tal tentar em casa?

Ah, e caso você não tenha se lembrado sobre as dúvidas do início desta reportagem, atenta: as atrizes de O Diabo Veste Prada são Meryl Streep e Anne Hathaway, o 7x1 aconteceu em 2014 e, bom, não conseguimos te ajudar com as janelas de casa, mas esperamos que a previsão não seja de chuva. Da próxima vez, melhor anotar.

Jogo da memória*

Jogo da memória (Foto: glamour) — Foto: Glamour
Jogo da memória (Foto: glamour) — Foto: Glamour

1. Que tal testar sua atenção? Olhe bem os desenhos a seguir e cubra a página.
2. Sua primeira missão é desenhar a figura composta por três traços.
3. Agora, reproduza a imagem composta por três figuras de quatro lados.
4. Por fim, desenhe a que parece ter um X.

Ajuste o foco

Quer melhorar o potencial da sua memória? Atenta!
Tenha curiosidade: querer entender tim-tim por tim-tim sobre tudo só vai te ajudar. Não deixe um “apagão” passar batido, pesquise tudo.
Coma bem: nosso cérebro é fã de gorduras boas e vitaminas do complexo B, como peixes, nozes, azeite e frutas. Alimente-o!
Respire fuuundo: meditar ativa zonas cerebrais responsáveis pela atenção e controle de emoções.
Se mexa: atividades físicas produzem hormônios que prolongam a vida dos neurônios.
Já para a cama: cansaço e privação de sono são inimigos da boa memória.
Oi, desafio: invista em palavras-cruzadas e testes tipo este: por 1 min, fale tudo o que consegue comprar com R$ 5. Depois, escreva num papel.

Fonte: *Teste cedido por Ana Alvarez, do livro Deu Branco **Estudo publicado na Memory & Cognition (1997), revista científica dos EUA / ***Estudo publicado na Psychonomic Science (1969)

Mais recente Próxima Coronavírus: tudo o que você precisa saber sobre o COVID-19
Mais de Glamour