O filósofo Platão é uma figura importante da antiguidade clássica, sendo também uma fonte histórica de conhecimento da época. Na última sexta-feira (3), o jornal britânico The Guardian divulgou a descoberta de um rolo de papiro escrito e recuperado da biblioteca da vila italiana de Herculano, que foi soterrada em 79 d.C. com a erupção do Monte Vesúvio.
Os pesquisadores escanearam o que estava no manuscrito e acreditam ter encontrado o local em que Platão passou seus últimos momentos de vida — um canteiro no jardim de sua Academia de Atenas. O estudo está sendo conduzido por uma equipe na Universidade de Pisa, na Itália.
Trata-se de uma tentativa de utilizar tecnologia para ler, restaurar e traduzir línguas antigas e até perdidas. Através do uso de ferramentas modernas, como inteligência artificial, a equipe de pesquisa consegue ler o que já foi considerado ilegível.
O chamado “A História da Academia”, escrito desde o primeiro século pelo filósofo epicurista Filodemo, é estudado há muitos anos, tendo, inclusive, edições mais modernas. No entanto, os pesquisadores tinham como objetivo produzir uma edição ainda mais abrangente e completa.
“Isso terá um impacto enorme”, disse Kilian Fleischer, papirologista que trabalhou no manuscrito, em entrevista ao The Guardian. “Haverá pergaminhos que serão lidos com essas novas técnicas que contribuirão para o nosso conhecimento da antiguidade e da literatura em geral. Este pode ser um segundo renascimento.”
Após o rolo ser desenrolado, ele fica em pedaços e, o papiro, tão escuro quanto a tinta escrita nele, o que dificulta a leitura do escrito. Algumas partes do texto também estão faltando, desbotadas ou ilegíveis.
O professor e líder do projeto na Universidade de Pisa, Graziano Ranocchia, utilizou imagens hiperespectrais para iluminar os fragmentos do pergaminho com luz infravermelha de banda larga. Como resultado, as figuras revelaram letras invisíveis a olho nu, sinalizando sobre as palavras que faltavam.
Fleischer comparou o processo de decodificação com o de resolver palavras cruzadas e jogar forca, pois às vezes falta apenas uma letra para saber a resposta. “É uma sensação maravilhosa este momento de ler algo novo e saber que se trata de uma informação que outros pesquisadores desejam há décadas ou séculos. Estamos viajando de volta e vendo um texto que não é lido há 2.000 anos.”
Com a ajuda das digitalizações, foi possível reconstruir de 20% a 30% do texto e, com as palavras faltantes inseridas, foi possível totalizar mil letras extras. Eles descobriram ainda que as palavras “enterrado” e “jardim” aparecem no pergaminho somente conjuntas com outros personagens e contextos, não sozinhas e livres.
Ranocchia afirma que uma passagem final do pergaminho o emocionou. Nela, Filodemo menciona possivelmente um ou dois livros ainda desconhecidos sobre os Megarianos e os Cínicos. O professor relata que os livros podem estar carbonizados e fechados na Biblioteca Nacional de Nápoles, ou talvez ainda enterrados na vila condenada.
Estado dos pergaminhos
Como os pergaminhos foram carbonizados na explosão que atingiu Herculano, eles são muito frágeis para serem desenrolados fisicamente. Logo, os pesquisadores desenvolveram técnicas de tomografia computadorizada para desembrulhar os pergaminhos virtualmente.
Também foi treinado um algoritmo de aprendizado de máquina, capaz de detectar tinta nas páginas distorcidas e enegrecidas que, muitas vezes, identifica mudanças nos padrões das fibras do papiro.
Os pergaminhos restantes possuem conteúdos que geram debates. Alguns podem ser textos latinos ou poemas de Safo. O tratado de Marco Antônio sobre a embriaguez ou talvez os primeiros escritos sobre a tradição judaico-cristã. Variados manuscritos estão colados, um indício de como as antigas bibliotecas eram organizadas.
As novas ferramentas tecnológicas vão gerar descobertas além dos pergaminhos de Herculano. O mesmo tipo de abordagem científica poderia ler papiros enrolados em múmias egípcias, com folhas sobre cartas até listas de roupa suja, por exemplo. E esses artefatos existem em caixas nos fundos dos museus.
A historiadora Thea Sommerschield, junto com a sua equipe, da Universidade de Nottingham, pesquisou sobre como o aprendizado de máquinas está sendo aplicado em línguas antigas. De acordo com a pesquisa, as ferramentas estão remodelando o campo da mesma maneira que o microscópio e o telescópio fizeram com a ciência.
Os melhores resultados do estudo vieram de equipes multidisciplinares, a partir da junção de acadêmicos com engenheiros da computação. De acordo com Sommerschield, tais equipes foram vitais, bem como os esforços para construir conjuntos de dados limpos e bem organizados.
Assim, foram capazes de abranger o grego antigo e outras línguas populares em escritos de todo o mundo. “Se tivermos esse tipo de interação, ganharemos a confiança, o interesse e o envolvimento dos cientistas da computação, do público em geral e das comunidades acadêmicas”, relata Sommerschield.
O trabalho de desvendar manuscritos levou ao Desafio Vesúvio, uma competição com prêmios lucrativos para a equipe que decifrar mais textos a partir de digitalizações de fragmentos de pergaminhos. A competição é apoiada por empresários do Vale do Silício. Em fevereiro deste ano, três estudantes de informática leram centenas de palavras gregas em 15 colunas de pergaminho e receberam o prêmio de U$700 mil dólares (cerca de R$ 3.550.470).