A língua grega milenar Romeyka está em vias de desaparecer. Para tentar salvá-la, Ioanna Sitaridou, professora da Universidade de Cambridge, na Inglaterra, lançou a plataforma Crowdsourcing Romeyka, traduzida para três idiomas e que permite downloads gratuitos de áudios do dialeto.
O portal pretende ser uma ferramenta colaborativa para proporcionar a produção de conteúdo linguístico baseado no uso diário da oralidade em comunidade, além do ambiente acadêmico. O projeto faz parte da Década Internacional das Línguas Indígenas da ONU (2022-32), com o objetivo de chamar a atenção para a preservação linguística.
Romeyka não possui um sistema de escrita e foi transmitida apenas oralmente entre as gerações até hoje. Os pesquisadores acreditam que há apenas alguns milhares de falantes nativos restantes na região de Trabzon, na Turquia. No entanto, o dialeto está gradualmente se perdendo sobretudo devido à ausência de mecanismos de apoio para facilitar a transmissão intergeracional, ao estigma sociocultural e à migração. Sem contar que a maioria dos falantes nativos em Trabzon tem mais de 65 anos.
"A colaboração de fala é uma nova ferramenta que ajuda os falantes a construir um repositório de dados falados para seus dialetos em perigo, permitindo aos pesquisadores documentarem essas línguas, mas também motivando os falantes a apreciar sua própria herança linguística. Ao mesmo tempo, criando um monumento permanente de sua língua, pode ajudar os falantes a alcançar o reconhecimento de sua identidade por pessoas fora de sua comunidade linguística", diz Sitaridou, em comunicado.
Nos últimos 150 anos, apenas quatro pesquisadores de campo coletaram dados sobre Romeyka em Trabzon. Sitaridou se envolveu com as comunidades locais, principalmente as mulheres, produzindo conteúdo de áudio e vídeo. Ela descobriu que esse dialeto descende do grego helenístico, e não do grego medieval, influenciando na formação linguística atual. "Essencialmente, essa análise questiona a afirmação de que o grego moderno é uma língua isolada", pontua.
O que é a língua Romeyka?
O Romeyka é uma variedade milenar do grego. É considerada pelos especialistas "uma mina de ouro linguística" e uma ponte viva para o mundo antigo. Sitaridou explica que é um dialeto com uso do infinitivo, uma característica perdida no grego moderno. Os falantes do grego moderno dizem "Eu quero que eu vá" em vez de "Eu quero ir".
Ainda hoje, existe uma resistência dos falantes de Romeyka em identificá-la como uma de suas línguas, porque os nacionalistas turcos não consideram falar grego parte dos fundamentos de pertencimento nacional. Para os gregos, as outras variedades da língua são consideradas "contaminadas" para a ideologia de uma única língua grega falada desde a antiguidade.
"Quando os falantes podem falar suas línguas maternas, eles se sentem 'vistos' e, assim, se sentem mais conectados ao resto da sociedade; por outro lado, não falar as línguas hereditárias ou minoritárias cria uma forma de trauma que, na verdade, mina a integração que a assimilação linguística se orgulha de alcançar", afirma Sitaridou.
Origem histórica
Os gregos migraram pelo Mar Negro aproximadamente no século 6 a.C. Com a fundação de Sinope e Mileto, e a colonização de Trabzon pelos jônios, a língua dos primeiros colonizadores gregos de Trabzon era o grego jônico de Sinope. Com a passagem de Alexandre, o Grande, no século 4 a.C., criou-se outro centro de língua grega ao sul do Ponto, na Capadócia, onde o grego se espalhou também para o norte.
Entretanto, o idioma teve uma expansão expressiva na cristianização. Os habitantes do Ponto foram alguns dos primeiros convertidos e mencionados no Novo Testamento. A queda de Trabzon para os otomanos, em 1461, fez com que a cidade se tornasse majoritariamente muçulmana.
A professora explica que a conversão ao Islã em toda a Anatólia foi acompanhada por uma mudança linguística para o turco, mas as comunidades nos vales mantiveram o Romeyka vivo. "Na islamização, eles mantiveram algumas características arcaicas, enquanto as comunidades de língua grega que permaneceram cristãs se aproximaram do grego moderno, especialmente por causa da extensa educação em grego nos séculos 19 e 20."
Em 1923, os cristãos gregos falantes de grego do Ponto foram obrigados a deixar a Turquia e se mudar para a Grécia. As comunidades muçulmanas falantes de Romeyka em Trabzon continuaram na terra natal e professavam o Islã. A permanência deles manteve a língua milenar falada em pequenos enclaves.