Saúde

Por Camilla Almeida, com edição de Guilherme Eler

Um levantamento da Associação Gênero e Número indica que 483 mulheres morreram após fazerem aborto em hospitais da rede pública no Brasil entre 2012 e 2022. Esse dado veio a partir da análise de 1,7 milhões de internações registradas no Sistema de Informações Hospitalares (SIH-SUS) como “gravidez que termina em aborto”.

Desse total, mais da metade das internações foram de abortos espontâneos, que acontecem de forma involuntária. No entanto, proporcionalmente, o maior número de mortes ocorreu nos casos de “falha na tentativa de aborto”: quando o procedimento é feito inadequadamente e/ou por vias clandestinas.

O aborto clandestino é o principal responsável pelas complicações médicas que levam à morte pela interrupção da gravidez. Esse procedimento é feito sob condições precárias, com uma estrutura imprópria e profissionais sem a capacitação necessária. Essa negligência coloca a vida das mulheres que recorrem a essa prática em risco.

Segundo o mesmo levantamento, a cada 28 internações por abortos incompletos, uma paciente morre. O risco de morte é 140 vezes maior nesse caso do que em todas as outras categorias combinadas. E a morte não é a única das possíveis consequências de um aborto malsucedido. Há também riscos de impactos permanentes na saúde física e psicológica da mulher, como a necessidade de remover o útero ou infertilidade.

Desigualdades aprofundam riscos

“São inúmeras as situações de perigo que as mulheres podem ser colocadas em função do aborto clandestino. Não só pela insegurança no próprio procedimento médico, mas também pela proximidade com redes criminosas”, diz Cristiane Cabral, professora do departamento de Saúde, Ciclos de Vida e Sociedade da Faculdade de Saúde Pública (FSP) da USP, em entrevista a GALILEU. A pesquisadora ainda pontua que os riscos aumentam de acordo com a raça e classe social da mulher, e se ela está inserida ou não em um contexto de vulnerabilidade ou violência sexual.

De acordo com informações das últimas edições da Pesquisa Nacional de Aborto (PNA), realizada em 2021 por pesquisadores da Universidade de Brasília (UnB), 52% das mulheres que disseram ter abortado no Brasil o fizeram antes de completar 19 anos. As mais jovens também são as mais frequentemente vítimas de violência sexual: 49,6% dos casos ocorrem com crianças de 10 a 14 anos, e 21,7% com adolescentes de 15 a 19 anos. Além disso, dados indicam que mulheres negras têm chance 46% maior de fazer um aborto em comparação com mulheres brancas, em todas as idades.

Realizar procedimentos e usar medicamentos para interromper a gravidez pode causar sangramentos intensos, tanto durante quanto após a cirurgia, potencialmente levando a um choque hemorrágico, quando ocorre a perda de mais de 20% do sangue do corpo. Além disso, complicações como infecções, perfurações e danos que afetam a capacidade reprodutiva, incluindo a necessidade de uma histerectomia (remoção do útero), são também possíveis consequências.

“Os riscos de realizar um aborto legal são menores porque ele é feito com a assistência de profissionais de saúde qualificados e treinandos”, afirma Cabral. “Além disso, é dever da equipe médica acolher essa mulher, ajudá-la caso esteja em uma situação de abuso e violência, e prestar atendimento e orientação contraceptiva e psicológica, já que o aborto é uma escolha feita sob muita necessidade.”

Direito negado

O direito ao aborto legal em caso de estupro ou risco de vida da mãe consta no Codigo Penal desde 1940. Em 2012, o Supremo Tribunal Federal também instituiu o direito quando existe o diagnóstico de anencefalia do feto – uma má formação do sistema nervoso que faz com que o tecido cerebral fique fora do corpo. Para os casos de estupro, porém, o feto deve ter, no máximo, 22 semanas e pesar até 500 gramas. Não existe idade gestacional máxima para a interrupção da gravidez em caso de risco de vida e anencefalia.

Atualmente, 132 hospitais do Sistema Público de Saúde (SUS) estão registados no Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde como locais que oferecem aborto legal para vítimas de violência sexual. Contudo, de acordo com o projeto Mapa Aborto Legal, esse dado pode não ser preciso. Uma consulta telefônica com os estabelecimentos cadastrados mostrou que, desse número, 20 não oferecem o procedimento.

Existem barreiras físicas e sociais para o aborto legal, mesmo com sua legalidade prevista no Código Penal. A falta de acesso (a maioria dos hospitais fica na região Sudeste), a escassez de informações e o medo de ser denunciada muitas vezes fazem com que as mulheres que cumprem os requisitos para o procedimento legal acabem recorrendo à clandestinidade.

“Provavelmente, as mulheres que chegarão nesses outros 20 hospitais e não vão terão o acesso podem se sentir mal e, talvez, desistam”, conta Raísa Cetra, diretora executiva da ARTIGO 19, organização não-governamental de direitos humanos responsável pelo projeto Mapa Aborto Legal. “Sabemos que criar coragem para buscar esse procedimento é algo que leva tempo. Então, ir atrás dessas informações e compartilhá-las é uma ferramenta social. É dever do Estado fornecer essas informações para que as mulheres possam fazer bom uso delas.”

No caso de estupro, ao contrário do que se imagina, não é preciso a apresentar um boletim de ocorrência, exame de corpo de delíto ou autorização judicial. A palavra da mulher e um termo de consentimento escrito são suficientes. Em situações onde a gravidez representa risco de vida para a mulher, a equipe médica deve informar sobre possíveis danos e riscos. Nesse caso, é exigido um laudo com a opinião de dois médicos, sendo pelo menos um deles especialista em ginecologia e/ou obstetrícia.

Com uma infraestrutura e equipe hospitalar capacitada, o aborto legal oferece muito menos risco a vida do que o realizado sob condições precárias. De acordo com Cetra, o acesso amplo a informações sobre o assunto pode ajudar diminuir o número de mortes medicamente evitáveis. “Essas mulheres devem buscar seus direitos e saber que elas estão amparadas legalmente, que não estão cometendo nenhum crime. O sistema público brasileiro, mesmo com os seus problemas, garante esse acesso ao procedimento seguro, sem ter a necessidade de gastar dinheiro ou se colocar em risco”, afirma a pesquisadora.

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