41,8% das mulheres nos EUA percorrem longas distâncias para conseguir aborto

O estudo foi realizado após a decisão de Dobbs de 2022 pela Suprema Corte dos EUA, que devolveu aos estados o poder de definir se permitem esse tipo de procedimento e anula o caso "Roe contra Wade", de 1973, que garantia o direito ao aborto na Constituição estadunidense.

Os pesquisadores compararam dados de 2 de junho de 2023 fornecidos por mulheres de 15 a 49 anos com os de 750 centros de atendimento ao aborto, selecionados de listas publicamente disponíveis online. A intenção era “imitar o que uma pessoa comum” poderia usar se procurasse por um desses locais.

Trabalhando com o DataLab da Universidade da Califórnia, em Davis, os pesquisadores usaram mapas isócronos – isto é, com linhas que criam áreas de tempo de viagem baseadas em estradas reais nos Estados Unidos.

A pesquisa estimou que o número de mulheres americanas que precisam viajar por meia hora ou mais para conseguirem um aborto subiria para 53,5% se outros projetos de lei estaduais que estão em consideração fossem aprovados, limitando o aborto ainda mais no país.

Além disso, o estudo estimou viagens ainda mais longas: 29,3% das mulheres não tinham acesso a uma instalação para aborto em um raio de 60 minutos de carro e 23,6% não tinham acesso mesmo em um raio de 90 minutos. Esses números saltariam para 45,6% e 43%, respectivamente, se novas restrições fossem aprovadas.

Com isso, os pesquisadores descobriram que as leis estaduais não determinam necessariamente se um aborto estará disponível, mesmo após a decisão de Dobbs de 2022. “Este estudo destaca que o acesso ao aborto é mais do que leis. É mais do que o estado em que você reside, porque as pessoas podem cruzar as fronteiras do estado para receber cuidados médicos”, explica Dawn Kopp, autora sênior do estudo, em comunicado.

Kopp aponta um exemplo disso: em Wisconsin, um estado que proíbe o aborto, 61,7% das mulheres ainda tinham acesso a instalações que fornecem abortos em estados vizinhos a uma viagem de carro de 90 minutos. Por outro lado, em alguns estados onde o aborto é legal, ainda faltam clínicas ou locais próximos em relação às residências das pessoas.

“Você ouve esses golpes gerais de certos estados proibindo ou restringindo o aborto, mas fomos capazes de ver em um nível bem granular o impacto que isso está tendo na vida das mulheres americanas comuns”, diz Maeve Alterio, estudante médica do quarto ano da Universidade Estadual de Washington e primeira autora da pesquisa.

Os pesquisadores tiveram que reanalisar os dados três vezes à medida que mais projetos de lei eram aprovados ou contestados no tribunal americano. Segundo Kopp, navegar nessas mudanças legais adicionou complexidade e incerteza à vida das famílias americanas.

De acordo com os autores da pesquisa, a falta de acesso ao aborto é maior em pessoas com renda mais baixa, uma vez que o custo da viagem e as folgas do trabalho podem diminuir a disponibilidade do procedimento em locais como o Texas e estados sem provedores nas áreas vizinhas.

Uma alternativa pode ser a telessaúde, já que muitos abortos no início da gravidez agora são feitos por meio de medicamentos tomados em casa. Mas os pesquisadores notaram barreiras no atendimento online, alvo de promulgações legislativas para proibir ou restringir seu uso.

Eles calcularam os casos de telessaúde, mas não puderam estimar seu alcance geográfico. Os autores admitem ainda que encontraram limites em dados relacionados a sexo e faixas etárias, que podem não incluir todas as pessoas capazes de engravidar.

Contudo, os resultados não deixam de ser importantes. “Este estudo aumenta as histórias que pacientes e médicos já compartilharam, fornecendo dados objetivos sobre como é difundida a dificuldade de acesso a cuidados de saúde reprodutiva abrangentes em uma América pós-Roe v. Wade”, resume Kopp.