"Órgãos de pesquisa em saúde pública e de direitos humanos frequentemente demonstraram os riscos envolvidos na criminalização dos serviços de aborto e notam a necessidade de sua total descriminalização. Apesar disso, hoje, o aborto é criminalizado, ao menos em algumas circunstâncias, em quase todos os países do mundo.".
Assim começa o "abstract" da mais recente revisão global das penalidades para crimes relacionados ao aborto publicada no jornal cientifico BMJ Global Health. O estudo investigou a legislação de 182 países e concluiu: cerca de 134 países penalizam as pessoas que procuram um aborto, 181 penalizam os provedores e 159 as pessoas que auxiliam no procedimento. A análise dos dados também mostrou que em em 11 países o aborto é totalmente criminalizado, ou seja, é proibido em todas as circunstâncias.
Para descobrir a extensão das penalidades criminais por buscar, fornecer e ajudar com abortos em todo o mundo, os pesquisadores basearam-se em dados do Banco de Dados Global de Políticas de Aborto (GAPD), computados até outubro de 2022. O Banco abrange os estados membros da ONU e, neste contexto, os pesquisadores excluíram nove países da revisão porque a regulamentação do aborto nestes territórios não é uniforme. Ficaram de fora: Nigéria; Bósnia; Reino Unido; México; EUA; Austrália; China; Suíça; e Canadá.
Da amostra estudada, foi possível identificar que apenas em 12 países, as penalidades para crimes relacionados ao aborto são encontradas em leis específicas sobre o aborto. Em 163, a definição e as penalidades estão contidas no código penal geral. Já em 8 países as normas são encontradas em outros tipos de fontes legais, como códigos de saúde, leis de saúde reprodutiva e leis sobre crianças.
Essa multiplicidade de fontes regulamentadoras, alerta os pesquisadores que afirmam: “Regular o aborto por meio do mesmo instrumento legal e do mesmo aparato institucional de assassinato, agressão sexual e roubo pode exacerbar as preocupações associadas à busca e realização de abortos quando isso é criminalizado”.
O estudo ainda mostra que em ao menos 91 países, a pena máxima para quem busca a interrupção da gravidez é de até 5 anos de prisão. Em 25 países, essa pena varia entre 5 e 10 anos. Já na Guiné Equatorial e na Zâmbia, uma mulher que aborta pode ser condenada a uma pena que varia entre 10 anos e prisão perpétua; enquanto em Kiribati, Ilhas Salomão, Tuvalu, Barbados, Belize, Jamaica, uma pessoa que procura um aborto pode ser presa por toda a vida. Em 48 países, aplicam-se multas.
“A grande variedade de penalidades que as pessoas envolvidas no aborto podem enfrentar, dependendo de onde estão, apóia o argumento de que as disposições que criminalizam o aborto são arbitrárias”, argumentam os pesquisadores diante dos dados.
O estudo ainda detalha que: 76 países multam os provedores de aborto e 48 aplicam sanções profissionais que incluem: apreensão ou perda de equipamento; rebaixamento; fechamento de estabelecimentos; advertências oficiais; rescisão do contrato de trabalho; suspensão da prática; suspensão de habilitações; e proibição total de voltar a trabalhar no campo ou de exercer determinados cargos.
Para aqueles que auxiliam no acesso ou fornecimento de um aborto, a pena máxima é de 5 a 10 anos de prisão em 16 países, e entre 10 anos e prisão perpétua em Benin, República Democrática do Congo, Irlanda, Guiné Equatorial, São Vicente e as Granadinas. Em Barbados, a pena máxima é prisão perpétua.
59 países impõem multas para pessoas que auxiliam em abortos; 33 aplicam sanções profissionais para aqueles que atuam como médicos, como farmacêuticos e conselheiros de enfermagem.
Outras penalidades podem ser aplicadas em alguns países. Estas incluem proibições de residência ou de exercício de 'direitos cívicos e familiares'; transporte vitalício; justiça retributiva; 'dinheiro sujo'; serviço comunitário; trabalho duro; trabalho forçado.
As sanções são contestadas pelos pesquisadores que argumentam que estudos em países onde o aborto foi total ou parcialmente descriminalizado tem mostrado que a legalização traz vários benefícios para quem procura o aborto como resultado, incluindo acesso a cuidados de melhor qualidade, taxas mais baixas de mortalidade materna e maior nível educacional, resultados de carreira e ganhos.
“A lei internacional de direitos humanos exige que os países tomem medidas para reduzir a mortalidade e morbidade materna”, observam os cientistas, acrescentando que suas descobertas “fortalecem o caso para a descriminalização”.
A pesquisa ainda destaca que 34 países restringem a divulgação de informações sobre aborto e serviços de aborto, mesmo quando o procedimento pode ser legal em algumas circunstâncias.