Sociedade

Por Laura Moraes, com supervisão e edição de Luiza Monteiro

Estava prevista para esta quarta-feira (14) a votação do projeto de lei (PL) 478/2007, conhecido como "Estatuto do Nascituro", durante a última sessão da Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher (CMulher) da Câmara dos Deputados em 2022. A pedido do deputado Emanuel Pinheiro Neto (MDB-MT), relator do PL na comissão, o projeto saiu da pauta, mas ainda pode ser votado nesta semana.

O projeto propõe alterar o Código Penal da Constituição Federal para incluir o "direito inviolável à vida desde a concepção", impedindo o acesso do direito ao aborto nos casos permitidos por lei. A proposta tornaria a interrupção da gravidez nos atuais casos legais um crime hediondo, que é inafiançável e sem previsão de indulto ou anistia, fiança e liberdade provisória

Atualmente, a legislação brasileira prevê autorizar o aborto em três casos: estupro, risco de vida para a pessoa gestante e em casos de fetos com anencefalia (bebê que nasce com cérebro subdesenvolvido ou crânio incompleto). Se o PL passar, as mulheres seriam obrigadas a seguir as gestações a termo em todas essas situações.

Reunião da Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher no dia 7 de dezembro — Foto: Câmara Legislativa
Reunião da Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher no dia 7 de dezembro — Foto: Câmara Legislativa

A proposta está em pauta desde 2007, quando os deputados federais Miguel Martini (PHS-MG) e Luiz Carlos Bassuma (PT-BA na época, hoje Avante-BA) criaram o projeto. O texto vem sendo debatido e revisado ao longo dos anos, e em 2022 houve algumas tentativas de realizar a votação, adiada diversas vezes em detrimento de sessões da Comissão marcadas por agressões físicas e verbais a deputadas e ativistas feministas, que tentam barrar o projeto.

O que é o Estatuto do Nascituro

Nascituro é o ser humano em formação, mas que ainda não nasceu. O que o "estatuto" propõe é que os embriões, antes mesmo do nascimento, já sejam dotados de personalidade jurídica, ou seja, tenham o mesmo status jurídico e moral de pessoas nascidas e vivas. Dessa maneira, não poderiam ser vítimas de quaisquer formas de violência, "a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão", segundo o texto original do projeto.

Além da criminalização do aborto em toda e qualquer situação, o PL também prevê o reconhecimento da paternidade de crianças resultantes de crimes de estupro e um incentivo monetário para as vítimas de estupro completarem a gestação.

Segundo dados do Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA), o Brasil soma, por ano, mais de 19 mil nascidos vivos de mães com idade entre 10 a 14 anos, sendo que a gravidez de menores de 14 anos é considerada resultante de estupro. Informações divulgadas pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública na última semana também mostraram que, por aqui, uma menina ou mulher é estuprada a cada nove minutos, em média.

“Obrigar uma mulher a seguir uma gravidez indesejada, fruto de uma violência sexual é de fato uma tortura chancelada pelo Estado. Esse é um projeto de lei feito por homens e para homens e não tem interesse em zelar pelos direitos humanos das mulheres”, alerta Mariana Tripode, advogada especializada em Direito da Mulher, em entrevista a GALILEU.

Seguindo a premissa de status jurídico para o feto que ainda não nasceu, o estatuto também estabelece a proibição de pesquisas com células-tronco de embriões e que o nascituro passaria a ter direito à assistência médica custeada pelo Estado, ou seja, através do Sistema Único de Saúde (SUS).

Caráter inconstitucional

Uma das justificativas do PL está embasada em uma interpretação do artigo 4.1 da Convenção Americana de Direitos Humanos, que afirma que o direito à vida é “garantido desde a concepção”. Mas para Nalida Coelho, coordenadora auxiliar do Núcleo Especializado de Promoção e Defesa dos Direitos da Mulher da Defensoria Pública de São Paulo, essa é uma interpretação equivocada.

“A própria Corte Interamericana de Direitos Humanos durante o caso Artavia Murillo interpretou esse artigo para dizer que a intenção da convenção era em relação, na verdade, à mulher grávida, já que é dentro do corpo dessa mulher que gesta que ocorre a concepção”, explica Coelho.

Em 2012, a Corte determinou que não existe proteção à concepção sem que haja a proteção das mulheres grávidas, e que o direito à vida não é absoluto enquanto conflita com outros direitos previstos no documento da Convenção Americana de Direitos Humanos.

O mesmo ocorre com a própria legislação brasileira. Por mais que não exista uma legislação que de fato defina o marco temporal de início da vida, o Supremo Tribunal Federal já interpretou a constituição em relação ao assunto. “Durante a ADI [ação direta de inconstitucionalidade] 35-10, o ministro Carlos Ayres na época afirmou que as pessoas físicas ou naturais seriam apenas as que sobrevivem ao parto”, relembra Nalida. “Os direitos constitucionais então não seriam para a proteção do nascituro, já que o início da proteção civil constitucional está condicionada ao nascimento com vida”.

Para ela, o projeto é inconstitucional, tanto porque não se ampara em marcos jurídicos nacionais e internacionais quanto porque contraria os direitos constitucionais de dignidade, liberdade, autodeterminação, saúde e direitos sexuais e reprodutivos, que também são considerados direitos humanos pela Organização das Nações Unidas (ONU).

Outra dimensão do projeto que pode ser caracterizada como inconstitucional é a motivação religiosa. Entre os membros da comissão que analisa o projeto, mais da metade — incluindo a presidente, policial Katia Sastre (PL/SP) — é evangélica ou conservadora. “Fundamentalistas religiosos querem colocar suas doutrinas morais em uma questão que envolve a garantia aos direitos humanos das mulheres”, afirma Tripode. “Existe um caráter inconstitucional porque o projeto passa por cima do princípio constitucional do Estado laico”.

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