Séries

Por Arthur Almeida, com edição de Luiza Monteiro

No dia 7 de abril de 2011, a Escola Municipal Tasso da Silveira, no bairro do Realengo, no Rio de Janeiro, sofreu o maior atentado a uma instituição educacional na história do Brasil. À mão armada, o autor disparou 30 tiros, que atingiram 24 estudantes — 12 deles, de forma letal.

Na época, o episódio foi intensamente noticiado, com o nome e o rosto do atirador estampados nas manchetes e capas de jornais. De lá para cá, novos casos como esse aconteceram — o mais recente deles em junho, na cidade de Cambé (PR), quando um ex-aluno da Escola Estadual Professora Helena Kolody matou dois estudantes adolescentes a tiros. Esse foi o terceiro atentado do tipo em 2023.

Mas uma coisa mudou: a repercussão desses episódios por grandes veículos de imprensa e produções audiovisuais já não inclui o rosto e o nome dos algozes. Isso porque tal divulgação é vista como um trunfo entre os grupos extremistas que incentivam esses ataques. A medida vale inclusive para conteúdos que revisitam casos antigos. Um exemplo é a minissérie Massacre na Escola: A Tragédia das Meninas de Realengo, cuja estreia acontece neste domingo (9), na plataforma de streaming HBO Max.

Ao longo dos episódios, o autor do crime é propositalmente não identificado. Em entrevista a GALILEU, a diretora Bianca Lenti conta que essa foi uma decisão editorial tomada desde a pré-produção do projeto, iniciado em 2019.

A produção narra os acontecimentos daquela manhã traumática na capital fluminense pela perspectiva das vítimas do ataque. Para isso, a equipe coletou depoimentos de testemunhas oculares, familiares das crianças assassinadas e do policial responsável por confrontar o atirador.

Dividida em quatro episódios, que serão disponibilizados a partir das 22h deste domingo, a minissérie ainda mergulha no universo dos fóruns online. Nesses espaços, é comum a participação de incels, redpills e outros grupos ligados à circulação de discursos de ódio.

Efeito contágio

O estudo Ataques de Violência Extrema em Escolas no Brasil, realizado pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), contabiliza 19 atentados contra escolas no território nacional entre 2011 e março 2023. Desses, nove ocorreram entre agosto de 2022 e o terceiro mês deste ano.

Esse número elevado de crimes em um período tão curto sugere que o Brasil vive um fenômeno conhecido como “efeito contágio”. Isso ocorre quando a cobertura dos veículos de comunicação acerca de casos ultraviolentos é tão intensa e escancarada que passa a impulsionar a recorrência desses ataques.

Em uma lógica conturbada, os responsáveis pelos crimes são transformados em “mártires”. Muitos indivíduos que recorrem à violência já sofreram bullying ou discriminação e, assim, enxergam nessas figuras símbolos de “vitória” contra as “injustiças” sofridas por eles.

“As pessoas que cometem esses tipos de crimes buscam chocar a sociedade para, assim, conseguirem reconhecimento instantâneo e espaço na mídia. Até por isso escolhem atacar escolas, onde há centenas de crianças”, aponta Lenti. “Decidimos, então, que não faria sentido dar, mais uma vez, esse espaço para o atirador de Realengo.”

Em 2011, a Escola Municipal Tasso da Silveira estava recebendo palestrantes durante a semana em comemoração aos seus 40 anos — Foto: Divulgação/HBO Max
Em 2011, a Escola Municipal Tasso da Silveira estava recebendo palestrantes durante a semana em comemoração aos seus 40 anos — Foto: Divulgação/HBO Max

A diretora da minissérie defende que “destrinchar o perfil psicológico do assassino seria como estimular outros jovens nessa situação de aliciamento a praticar ações extremistas, inspirando-se ou reproduzindo esses autores”.

Não à toa, nos casos mais recentes de ataques a escolas, a imprensa deixou de apresentar o responsável pelo crime. Mais ainda do que suas imagens e nome, não são publicadas cartas, bilhetes ou manifestos deixados pelos agressores. Tampouco são noticiados ataques subsequentes malsucedidos.

“A sociedade mudou e, como ela, os veículos de comunicação precisam adaptar-se à nova realidade. Os fóruns e as comunidades virtuais ainda são universos pouco explorados pelos adultos, mas que já demonstraram ser potenciais armas entre os jovens”, indica Patricio Díaz, gerente de produção da Discovery Brasil.

“Não estamos falando de monstros ou vilões, tais quais as figuras clássicas construídas pelo cinema ficcional, mas, sim, de seres humanos. Esses que, por diversos motivos, acabam sendo aliciados por outros que têm a violência como resposta”, pondera Díaz. “As coisas não são tão preto e branco”.

Perigo em rede

O porta-voz da Discovery defende que os algoritmos — cujo papel é abordado na série documental —, bem como outras ferramentas da internet tidas como inofensivas, podem ser danosos, principalmente para os indivíduos mais vulneráveis. “A série também serve de alerta para os riscos do uso das redes sociais sem a supervisão dos pais”.

Outro ponto levantado é a respeito do tipo de masculinidade tóxica a que estão submetidos os meninos durante sua fase de desenvolvimento. A violência e a hostilidade são incluídas como valores que devem ser seguidos desde cedo pelos jovens para se adequarem ao padrão esperado. “Quando os meninos fogem desse padrão comportamental, são hostilizados, rejeitados e sofrem bullying. A violência gera apenas mais violência. Precisamos encontrar uma saída para esse ciclo”, destaca Lenti.

O massacre de Realengo

Durante as comemorações de seus 40 anos, a Escola Tasso da Silveira foi surpreendida por um ataque orquestrado por um de seus ex-estudantes. O homem entrou na escola com duas armas escondidas e se apresentou como um dos palestrantes que iria conversar com as crianças.

Às 8h15 do dia 7 de abril de 2011, uma quinta-feira, o criminoso invadiu uma sala de aula do 8° ano e começou o ataque. Durante 15 minutos, efetuou 30 disparos. As testemunhas contam que ele tentava atingir as meninas na cabeça, enquanto os meninos levavam, majoritariamente, tiros em outras regiões, como nas pernas e nos braços.

Enquanto recarregava as armas, o assassino entrou em uma segunda sala, em frente à primeira, onde deu continuidade ao massacre. O barulho alertou as outras turmas, que se dispersaram para os outros andares do prédio e montaram barricadas para impedir a invasão do atirador.

Além dos tiros, muitas crianças se machucaram durante a fuga, tendo caído e sido pisoteadas — Foto: Divulgação/HBO Max
Além dos tiros, muitas crianças se machucaram durante a fuga, tendo caído e sido pisoteadas — Foto: Divulgação/HBO Max

Mesmo ferido, um dos alunos, Allan Mendes da Silva, conseguiu escapar da escola e pedir socorro a policiais que faziam uma blitz a poucos metros de distância. Dentro do prédio, o sargento Márcio Alexandre Alves foi o primeiro a se encontrar com o atirador, bem quando ele estava prestes a subir para um novo andar.

O homem chegou a apontar uma de suas armas para o policial, mas logo foi atingido na perna e no estômago. Caído na escada, ele atirou contra a própria cabeça.

Ao todo, 12 crianças foram mortas, todas com idades entre 13 e 15 anos. São elas: Luiza Paula da Silveira, Karine Chagas de Oliveira, Larissa dos Santos Atanázio, Rafael Pereira da Silva, Samira Pires Ribeiro, Mariana Rocha de Souza, Ana Carolina Pacheco da Silva, Bianca Rocha Tavares, Géssica Guedes Pereira, Laryssa Silva Martins, Milena dos Santos Nascimento e Igor Moraes da Silva.

O caso ganhou notoriedade internacional. A então Presidente da República, Dilma Rousseff, decretou luto oficial de três dias no país. Já a Prefeitura do Rio de Janeiro prestou homenagem às vítimas batizando 12 creches da cidade com seus nomes. A Escola Municipal Tasso da Silveira foi reformada e reaberta, além de passar por um extenso processo de reforço em sua segurança.

Para conviver com o luto e os sentimentos de impotência frente ao ocorrido, alguns dos pais das vítimas fundaram a associação Anjos de Realengo. A organização surgiu com o objetivo de lutar por mais segurança nas escolas.

Coordenado por Adriana Silveira, mãe de Luiza, o coletivo segue atuando até hoje, mesmo depois de 12 anos desde o ataque. Segundo a diretora da série, Silveira foi “peça fundamental” para a produção da série. “Por meio da associação, conseguimos nos conectar com algumas das testemunhas e, assim, colher os depoimentos para a execução do projeto.”

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