Por Carlos González

Autor da coluna "Criar com apego"

"Não devemos fazer tudo o que é possível, apenas tudo o que é razoável", diz Carlos González

"Mas não deveriam os pais fazer todo o possível para que os filhos estudem mais e tenham sucesso na vida? Não", reflete o pediatra Carlos González


A promessa de uma recompensa não aumenta o comportamento desejado. A criança a quem prometemos uma bicicleta, se passar em uma prova de matemática, pode se esforçar mais nesse teste; mas ela não gostará mais de matemática por isso, nem terá mais vontade de aprender. E se não houver prêmio na próxima prova, ela estudará menos do que antes.

Mãe ajudando filho com lição de casa — Foto: Freepik

Mas existe um tipo de recompensa que estimula o comportamento: a recompensa não prometida, a recompensa-surpresa. Milhões de pessoas compram bilhetes de loteria sem saber se serão premiadas ou não. A mera possibilidade de ganhar o tal prêmio estimula comportamentos a ponto de criar dependência em algumas pessoas, que chegam a ir à falência em cassinos.

Se, no final do curso, eu dissesse à minha filha “Você tirou boas notas, como recompensa iremos à praia”, isso a incentivaria a estudar um pouco mais no próximo ano. Mas eu não vou fazer isso.

Porque é degradante. Imagine que seu marido lhe diga “Você cozinhou muito bem, como recompensa iremos ao cinema”, porque um estudo científico mostra que as esposas que recebem um prêmio-surpresa cozinham melhor. Eu não gostaria de ser tratado assim e, portanto, não quero tratar meus filhos assim.

“Mas não deveriam os pais fazer todo o possível para que os filhos estudem mais e tenham sucesso na vida? Não. Não devemos fazer ‘tudo o que é possível’, mas apenas tudo o que é razoável”

A recompensa-surpresa não diminui (como ocorre com o prêmio) o valor moral do ato premiado. Minha filha saberia que não estudou pelo prêmio (porque não esperava por ele), mas porque é responsável e estudiosa. Mas diminui o valor moral da pessoa que dá o prêmio. Ao dizer “já que você tirou boas notas, vamos à praia”, estou dizendo “se você não tivesse tirado boas notas, não iríamos à praia”. O que também é mentira, porque iríamos de qualquer maneira. Então, no final do curso, prefiro dizer algo como “Que notas ótimas, parece que você trabalhou muito esse ano! Agora que você está de férias, que tal irmos para a praia?”. Assim minha filha sabe que vamos à praia porque eu a amo e quero que passemos momentos agradáveis ​​juntos, e não porque quero manipulá-la psicologicamente para que estude um pouco mais.

Mas não deveriam os pais fazer todo o possível para que os filhos estudem mais, obtenham melhores notas, encontrem um bom emprego, tenham sucesso na vida? Não. Não devemos fazer “tudo o que é possível”, mas apenas tudo o que é razoável. E já fiz isso: procurei a melhor escola ao meu alcance, paguei livros e materiais, tentei tirar suas dúvidas e ajudá-la nos deveres de casa, fui conversar com os professores... e, acima de tudo, desliguei a TV, mesmo quando sentia falta do jogo ou do filme, para que minha filha pudesse estudar.

Carlos González tem três filhos, é um dos pediatras mais famosos na Espanha e autor de livros como “Bésame mucho” e “Meu filho não come!” (Foto: Divulgação) — Foto: Crescer

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