Saúde mental é uma realidade que precisamos sempre de muitas ações e conscientização, especialmente no contexto que envolve gestações de risco, perdas gestacionais/neonatais, prematuridade, dificuldade ou impossibilidade para engravidar. Eu tive depressão pós-parto em minha segunda gestação de risco, com o nascimento prematuro de meu caçula, e o que eu mais compreendi nesse processo de adoecimento mental foi que nenhuma dor é pouca e que nenhum sofrimento psicoafetivo deve ser ignorado pela família equipe e sociedade.
Existiam dias que parecia que eu não iria conseguir, mesmo tendo aprendido com a minha primeira prematura extrema de 23 semanas e 1 dia, que eu deveria viver um dia de cada vez e que tudo passaria. O adoecimento mental para mim foi como sentir a dor em minha pele, um aperto no peito, com um medo que me impedia de sentir e de ter esperança. Eu não acreditava que seria possível recomeçar. Reviver todo o ambiente — rotina, barulhos, medos e angústias típicos de um ambiente hospitalar — demanda muita resiliência afetiva.
Diante de situações de estresse, com a rotina diária do filho mais velho, ambiente familiar, relação conjugal, acrescidas a todas as lembranças da primeira estadia em uma UTI Neonatal, com as alterações hormonais típicas do puerpério, é preciso muito esforço e resiliência por parte de todos os integrantes do núcleo familiar. Demasiado esforço que justifica o principal motivo dos pais que revivem situações estressantes como as hospitalares possuírem um maior risco de desenvolverem sintomas, tais como da depressão, do transtorno de ansiedade e de pânico.
É importante salientar que os sintomas da depressão não surgiram em mim porque não desejei o meu segundo filho. Porque não o amei desde o dia em que descobri que estava grávida. Porque não imaginei como seriam os seus cabelos, olhos e cor da pele. Porque não estava extremamente grata e agradecida por estar gerando uma nova vida em meu ventre. A sociedade precisa compreender que nenhuma mulher escolhe, busca ou promove a depressão pós-parto. Nenhuma mulher escolhe por si só adoecer. Os sintomas surgem por uma gama de fatores, incluindo os biológicos, psicológicos, emocionais e sociais.
Muitas vezes, os sintomas aparecem diante do contexto social e afetivo em que a gestante ou a puérpera está vivenciando e não, necessariamente, porque não está aceitando a gestação ou o outro filho em seu ventre e em sua vida. Acredito que contextualizar e significar as diversas situações vividas pelas mulheres e seus núcleos familiares seria a primeira medida para a promoção da saúde materno- infantil e prevenção da depressão pós-parto. Julgar, patologizar, ironizar, debochar, inferiorizar ou achar que o que as gestantes e puérperas sentem é frescura ou um sinal de fraqueza não é o caminho que deve ser tomado pelos profissionais de saúde, familiares, amigos ou entorno social.
No lugar de qualquer tipo de julgamento, deveríamos promover o que chamamos de suporte social. O suporte social pode ser compreendido por recursos que outras pessoas (profissionais, familiares, amigos e serviços da comunidade) proveem e que influenciam o comportamento daquele que recebe determinada ajuda e assistência. Estes recursos, além de beneficiar a saúde mental e física dos indivíduos e da família, estão associados à redução da taxa de mortalidade, prevenção de doenças e recuperação da saúde global.
O suporte social é composto por quatro classes: suporte emocional (afeto, empatia, estima, respeito e consideração à família); suporte de reforço (expressões afirmativas e sentimentos de reconhecimento); suporte informativo (sugestões, conselhos e informações cedidas à família) e suporte instrumental (auxílio financeiro, tempo e recursos disponibilizados à família).
Em minha experiência profissional, verifico que nesse processo de gerar o suporte social necessário a cada gestante e puérpera é importante acolher e acompanhar a qualidade e a frequência dos sentimentos e sensações relatados pela mulher. Dar voz e significados para as emoções sentidas é uma das melhores formas de prevenir o agravamento de sentimentos difíceis, tais como a ansiedade, o medo, a insegurança e a tristeza. Já em minha experiência pessoal, a minha mãe, familiares, amigos próximos e uma equipe médica bem consciente e atenta aos sintomas relatados por mim foram os grandes responsáveis por acolher, compreender e ressignificar vários sentimentos difíceis que eu sentia após a alta hospitalar do meu filho. A equipe médica, especialmente o meu obstetra e minha psiquiatra, além me acolher, foram precisos na indicação medicamentosa a fim de otimizar o fim dos sintomas e sinais da depressão pós-parto. A medicação foi essencial em meu tratamento.
As equipes médicas, familiares e pessoas próximas de gestantes e puérperas deveriam ser melhor conscientizadas sobre a importância de perceberem os primeiros sintomas da depressão pós-parto. Ainda vivemos um cenário contemporâneo que exclui e desvalida a condição fisiológica, emocional e social de muitas gestantes e puérperas. Muitas mulheres têm medo de expor os seus sentimentos para o parceiro, familiares, médico e/ou amigos próximos. Muitas sentem vergonha, insegurança, receio e medo de serem julgadas, rotuladas e/ou medicalizadas. E essa situação se agrava diante da escassez de espaços e de redes de articulação social que objetivam promover meios e recursos para que o silêncio de gestantes de alto risco e puérperas seja desvelado e o sofrimento acolhido e ressignificado. Essa realidade pode se agravar ainda mais em mulheres que já passaram por perdas neonatais/gestacionais, pela prematuridade extrema ou depressão pós-parto em gestações anteriores.
Precisamos dar voz a essa causa! Saúde mental precisa ser prioridade. Seguimos juntas!
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