Eu tenho um podcast – Cartas de um terapeuta – que recebe cartas todos os dias, de gente de todos os lugares, contando seus dilemas existenciais. Uma das alegrias que este projeto tem me proporcionado é o de me conectar a tantas histórias, selecionar algumas delas e comentá-las a cada episódio. Mas uma coisa me chama a atenção, já depois de um ano e meio de vida do programa e milhares de cartas recebidas: os homens que me escrevem, adultos – e geralmente pais –, continuam sofrendo pelo represamento de suas emoções.
Continuam acreditando na mentira que seguem contando por aí aos meninos, que vida ótima é aquela com as marcas do dito sucesso profissional, emoldurado por uma aura de equilíbrio emocional, que na verdade é o esconderijo do sentir.
Acumular, conquistar e prover são os verbos que organizam a ideia desse sucesso masculino. Nós, homens, temos a tendência de evitar elaborar perdas, desde as mais naturais (perder um brinquedo na infância, o primeiro amor na adolescência) até aquelas perdas adultas mais marcantes, como o fim de um casamento ou a dor do desemprego. Compramos o discurso da “vida que segue”, que é violento demais com a alma de qualquer gênero humano. Porque a vida não segue igual. Elaborar perdas é uma forma de desenvolvimento pessoal necessária.
É uma forma de fazer valer tudo o que foi vivido, despedindo-se aos poucos, passando por todos os momentos em que pensamos e sentimos coisas que não são o que vai ficar na forma de contar a história. Toda perda contém raivas infinitas e tristezas desoladoras. Onde depositaremos tudo isso, se não nos permitirmos expressar as palavras que brotam lá dentro do túnel da dor, enquanto estamos atravessando um tempo difícil de viver?
A permissão de chorar é um pedaço da permissão para elaborar perdas. Na hora da fossa, não há como fingir que os pés pisam na crista da onda. A distorção maior dessa cultura machista é que só o sucesso salva um menino, um adolescente e um homem. Rupturas e perdas não podem ter somente o gosto amargo do fracasso. Elas são momentos de reflexão, de revisita a toda uma história. É hora de integrar o que somos, entender para onde queremos ir.
No silêncio da lágrima conseguimos nos escutar – e não podemos ficar alheios à música mais preciosa, que é o canto da alma, em qualquer tom. Depois, a lágrima seca, as palavras ganham ainda mais nitidez e as ideias ficam mais precisas. Viver a dor é viver com mais lucidez. Chorar é parte daquilo que muitos chamam de equilíbrio emocional.
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