• Denise Fraga
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Tudo bem, foi pelo Flamengo. Mas eu vi meu pai chorar.

O rapaz sorria, estava quase exultante por ter tido a oportunidade de ver o pai às lágrimas. Tinha sido pela derrota injusta do time do coração depois de um longo e promissor campeonato, mas as lágrimas eram raras, abundantes e verdadeiras. Valiam para colocar em seu devido lugar na humanidade aquele pai que não chorava. Ou, pelo menos, não se deixava ser visto chorando, porque era praticamente impossível imaginar que aquele ser transbordante de energia e emoção não derramava por aí suas furtivas.

Lágrimas de choro (Foto: Karolina Grabowska/Pexels)

Lágrimas de choro (Foto: Karolina Grabowska/Pexels)

Mas, talvez, com os anos, como tantos de nós, tivesse mesmo desaprendido o curso do rio das lágrimas. Talvez estivesse também muito distraído com as coisas por fazer, e a energia exigida pelas demandas dos dias acabasse dando conta de extravasar o que ele precisava. Ou de represar. Talvez ele já tivesse até mesmo esquecido de que há esta possibilidade: chorar. Ou talvez, e o mais provável, não chorasse somente diante do filho, querendo se manter pai. 

– Meu pai chorou pelo Flamengo, mas valeu –, concluiu.

Ele já era um rapaz e queria a sua licença para chorar adulto. Chorava, mas toda vez que isso acontecia, ele ainda se sentia um bebê. Sentia-se fraco de não aguentar segurar a represa como seu pai. Ver seu pai chorando lhe deu um alívio danado. Tinha agora o aval, poderia chorar livremente naquela casa em que o outro homem não chorava. E mais, sentia-se forte porque percebeu a tempo que o choro livre exige coragem.
 

"Para uma criança, ver um adulto chorar é algo determinante"

Denise Fraga

Fiquei pensando se eu tinha visto meu pai chorar. Pensei em quem eu já tinha visto chorar, em quem me gerou incômodo ou alívio ver chorar.

Pensei inquieta em quanto tempo fazia que eu não chorava, meu marido, os meninos. Fiquei aliviada. Eu tinha os prantos de nossa família em dia na memória. Os tempos têm nos ajudado a não esquecer de chorar, mas também têm abusado de nossa distração dissimulada, que nos desvia continuamente do caudaloso rio das lágrimas. 

Não é exatamente bom ver alguém chorando. Para uma criança, ver um adulto chorar é algo determinante. Me lembro do dia em que chorei diante do pequeno Nino, eu e ele, ali, frente a frente. Lembro de ter escolhido chorar. Lembro de ter dado a ele o direito de perceber a minha fraqueza depois de tantas lágrimas escondidas na água do chuveiro.

Crianças choram, homens choram, mulheres choram, gente chora. Não dá pra ficar chorando toda hora que dá vontade, é muito triste para um filho, uma filha, ver seu pai ou sua mãe sempre às lágrimas, mas precisamos dar o direito aos nossos pequenos de saber que seus olhinhos crescerão e estarão livres para derramar lágrimas adultas. E que, muitas vezes, inclusive, elas podem ser de alegria.
 

Denise Fraga é atriz, casada com o diretor Luiz Villaça e mãe de Nino, 23 anos, e Pedro, 21 (Foto: Cauê Moreno/Editora Globo)

Denise Fraga é atriz, casada com o diretor Luiz Villaça e mãe de Nino, 23 anos, e Pedro, 21 (Foto: Cauê Moreno/Editora Globo)


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