• Malu Echeverria
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O obstetra Felipe Favorette Campanharo, 41 anos, ficou quarenta dias em casa após o nascimento da filha Carolina, hoje com 3 anos, somando férias e licença-paternidade. Na volta ao trabalho, sentia-se cansado. “Costumo brincar que, se o pai está achando fácil essa fase, é porque está fazendo errado. Mesmo assim, desconfiei de que tinha algo errado e fiz uns exames: eu estava hipertenso”, conta. O diagnóstico foi um divisor de águas para Campanharo. Embora tivesse acompanhado a esposa em quase todas as consultas e exames do pré-natal, não se lembrava da última vez que ele próprio tinha ido ao médico. “Notei que o pai não era ‘enxergado’ durante a gravidez em termos de atenção à saúde. E resolvi, então, me dedicar ao assunto para mudar essa realidade”, afirma.

Pré-natal do grávido (Foto: Getty Images)

A atenção à saúde do futuro pai impacta diretamente na vida da mãe e do filho (Foto: Getty Images)

A partir daí, passou a atender os companheiros de suas pacientes durante o pré-natal, solicitando exames e vacinas, além de conversar sobre questões como a participação do pai nos cuidados com o bebê – ele faz questão de ressaltar que o termo correto é “participação” e não “ajuda”.

“Com o tempo, colegas obstetras começaram a me encaminhar os parceiros de suas pacientes. Criei, então, o projeto @paternatal, no Instagram, com o intuito de falar com outros pais e profissionais, e passei a dar cursos para casais grávidos”, diz. As aulas incluem até um experimento onde os homens colocam eletrodos que emitem choques sobre a barriga, para simular as contrações e, assim, terem alguma ideia do que é o trabalho de parto, a fim de gerar empatia.

Para surpresa de Campanharo e, segundo ele, de muitos profissionais de saúde, desde 2015, existe uma estratégia do Ministério da Saúde (MS) chamada Pré-Natal do Parceiro, que tem o objetivo de ampliar o acesso dos homens aos serviços de saúde, bem como incentivar o exercício da paternidade. De acordo com nota oficial do MS à CRESCER, o acompanhamento começa após a confirmação da gravidez e é composto por diversos passos: incentivo à participação do parceiro nas consultas de pré-natal; exames, testagem e aconselhamento; atualização de vacinas; esclarecimentos sobre gestação, parto, puerpério, aleitamento e direitos da gestante, entre outras questões.

Uma pesquisa do Instituto Lado a Lado pela Vida (LAL), de São Paulo (SP), criador da campanha Novembro Azul (em prol da conscientização sobre o câncer de próstata) no Brasil, diz que 40% dos homens até 39 anos e 20% daqueles com mais de 40 só vão ao médico quando se sentem mal. O estudo, realizado em 2019 com cerca de 2.400 participantes de todas as regiões do país, mostrou que eles parecem também não se importar muito com ações preventivas no dia a dia: 80% relatam exagerar no consumo de açúcar, sal ou gordura com frequência, e apenas 35% se exercitam três vezes por semana, como recomenda a Organização Mundial da Saúde (OMS).

“A cultura da masculinidade tóxica faz com que o homem não busque ajuda para resolver seus problemas, pois demonstrar fraqueza seria um sinal de falta de virilidade. Isso não só prejudica a qualidade de vida, como põe em risco sua própria sobrevivência”, alerta o urologista João Brunhara, membro do comitê científico do LAL e diretor da plataforma Omens. Não é à toa, portanto, que a expectativa de vida do homem é de 73,1 anos, sete a menos do que a da mulher, conforme os últimos dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

"40% dos homens até 39 anos só vão ao médico quando se sentem mal"

Instituto Lado a Lado pela Vida – LAL

Bom para todo mundo

A atenção à saúde do futuro pai impacta diretamente na vida da mãe e do filho. Quem garante é o obstetra Geraldo Duarte, professor da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FMRP-USP), autor de um programa pioneiro de introdução do parceiro na assistência pré-natal. “Comecei a estudar o tema em 2007, porque estava cansado de perder vidas de bebês por doenças passíveis de controle, como sífilis e aids”, afirma. Isso porque, ainda que o rastreamento de infecções seja obrigatório no pré-natal da gestante, ela continua vulnerável à contaminação por meio do parceiro ao longo dos nove meses.

Entre os benefícios observados em diversos estudos que realizou e orientou desde então, o professor destaca que, em termos de saúde pública, a assistência pré-natal ao homem diminui as taxas de transmissão vertical de ISTs (infecções sexualmente transmissíveis), violência doméstica e alcoolismo, assim como a depressão paterna após o nascimento do bebê (sim, eles também sofrem com ela). “Isso sem contar que ele pode receber o diagnóstico de uma série de doenças, de hepatite a diabetes”, explica Duarte.

"Eles vivem 7 anos a menos que elas no Brasil"

IBGE


Em uma revisão de estudos publicada pela Federação Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo) em 2018, Duarte e outros pesquisadores chamam a atenção também ao fato de que, considerar o parceiro como parte ativa do processo de atenção pré-natal favorece a adesão da gestante ao pré-natal e às orientações recebidas. Para quem acredita que essas situações estão distantes da própria realidade, o obstetra Campanharo cita um problema muito comum. “A gente costuma falar da importância de a grávida parar de fumar, mas ninguém pergunta para o pai se ele parou também”, diz.

Para o urologista e especialista em reprodução assistida Daniel Suslik Zylbersztejn, do Fleury Medicina e Saúde (SP), toda iniciativa que promova a saúde do homem é bem-vinda. No entanto, ele acredita que a resposta para um problema que considera cultural – isto é, o fato de o homem só buscar ajuda médica quando está doente ou é levado por alguém (geralmente a esposa) – seria a criação de programas com foco na população mais jovem.

Um dado da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm) reforça o quanto o desconhecimento e o preconceito podem prejudicar a saúde masculina e, por consequência, de toda a população: de 2013 a 2020, a cobertura da segunda dose da vacina contra o HPV chegou a 55,6% entre as meninas de 11 a 14, enquanto entre os meninos da mesma faixa etária, apenas 36,4% receberam as duas doses.

“Ao contrário da mulher, que desde cedo tem o acompanhamento de um ginecologista, o homem tende a ficar desassistido após se tornar adolescente”, afirma Zylbersztejn. O especialista assegura que a supervisão de um médico de confiança, seja um urologista ou clínico geral, é fundamental para prevenir e detectar doenças precocemente, a fim de evitar prejuízos no futuro, que vão desde câncer a dificuldades para ter um filho. “É o caso da varicocele, uma das principais vilãs da fertilidade masculina, cujo surgimento se dá na adolescência”, alerta o urologista.

Saúde turbinada

Mas nunca é tarde para prestar atenção à saúde reprodutiva, claro. A primeira vez que o jornalista Fabio Almeida, 48 anos, ouviu falar em pré-natal do parceiro foi quando decidiu ter mais um bebê, há dois anos. “Na época, o médico da empresa onde trabalho sugeriu que eu fizesse um check-up para verificar se eu tinha deficiência de nutrientes”, explica o pai de Arthur, 14, e Lorena, recém-nascida. Além de vitaminas e minerais básicos, ele se surpreendeu com alguns dos ingredientes incluídos na fórmula prescrita, como carnitina e coenzima Q10. “O especialista me explicou que eram benéficas para a motilidade dos espermatozoides, uma vez que favorecem a energia das células”, conta.

No meio do processo, por questões da idade materna, ele e a esposa optaram pela reprodução assistida, com sucesso. “A expectativa era de que três ou, no máximo, quatro embriões dos oito óvulos fertilizados vingassem. Mas cinco deles estavam aptos para a implantação e engravidamos logo na primeira tentativa”, comemora. Almeida está certo de que o seu pré-natal também ajudou na gestação da filha. “O pai é responsável por 50% da carga genética do bebê. Lembrar disso é um incentivo, especialmente para aqueles que têm resistência e preguiça de se cuidar com ações preventivas”, afirma Almeida.

Pré-natal do grávido (Foto: Getty Images)

Nunca é tarde para prestar atenção à saúde reprodutiva (Foto: Getty Images)

"94% dos homens têm interesse em participar do pré-natal da parceira"

FMRP-USP

Emoções contidas

Se a saúde física fica em segundo plano para a maioria dos homens, que dirá a saúde mental. As estatísticas mostram que, em comparação às mulheres, eles são mais suscetíveis ao vício em álcool e drogas, mortes violentas e suicídio. O urologista Brunhara, do LAL, lembra que há fatores sociais e econômicos por trás dos números – a maior parte das vítimas de mortes violentas, por exemplo, é de homens negros e jovens. De acordo com o psicólogo Leonardo Piemonte, do Espaço Mãe, de São Paulo (SP), é evidente que o fato de os homens não serem estimulados socialmente a expressar suas emoções influencia tais índices de maneira negativa.

“Os sentimentos que são suprimidos não são eliminados. Então, ele é obrigado a encontrar outras formas de lidar com a dor, seja por meio da violência, seja pelo abuso de substâncias. Assim, arrisca a vida para receber uma gratificação que poderia ganhar com apenas um abraço”, diz. Piemonte, que é pai de três meninos de 8, 15 e 22 anos, passou a se aprofundar sobre o tema paternidade ao enfrentar dificuldades com o filho do meio há dez anos. Desde então, um dos projetos de que se orgulha é a criação de uma comunidade no Facebook que se tornou um grupo de pais com cerca de 250 participantes. “É um espaço onde os homens podem discutir questões práticas, como o que fazer para aliviar o desconforto dos primeiros dentes [do bebê], assim como se questionar sobre seus papéis”, diz o psicólogo, que também é autor do perfil @psicologia_da_paternidade.

Entre as principais queixas que ouve dos pais, no consultório ou nas redes sociais, Piemonte destaca que a maioria se surpreende com a dedicação que o filho demanda, e reclama de a mãe não aprovar que a criança seja atendida de maneira diferente à sua. “Muitos também se sentem poucos reconhecidos, apesar dos esforços. Isso acontece porque o homem está habituado a ser o herói e a receber aplausos, o que demonstra certa imaturidade emocional”, explica o psicólogo. Por essa razão, em vez de celebrar a atitude dos pais que dividem os cuidados dos filhos com as mães, Piemonte prefere instigá-los a descobrir o que está por trás dos próprios sentimentos. “Acho que o incentivo para participar mais não deve ser a gratificação pessoal, e sim a responsabilidade de educar um ser humano”, conclui.

Mas podemos dizer que, em 2022, os homens estão mais conscientes em relação à saúde e à paternidade? O professor Geraldo Duarte, da FMRP-USP, diz que sim. “Porém, a situação poderia avançar com maior velocidade se houvesse mais campanhas para conscientizar os futuros pais de seus direitos”, avalia.

Ainda que nem todos os municípios ofereçam o serviço de pré-natal voltado ao parceiro, Duarte explica que, por ser uma orientação do Ministério da Saúde, as Unidades de Saúde não podem (e provavelmente não irão) negar o atendimento. “Já fiz propaganda desse projeto e seus benefícios a diferentes governos – federal, estadual e municipal –, de várias regiões do país. Todos concordam, mas a implementação esbarra nas questões econômicas. A própria dispensa do trabalho para consultas e exames é uma delas”, completa.

O fisioterapeuta Vitor Costa, 30 anos, acredita que ter recebido atendimento especial na rede privada ao longo do pré-natal da esposa foi essencial para ganhar segurança no parto e no puerpério. “A mãe vai desenvolvendo esse vínculo com o obstetra durante consultas e exames. Mas quando a gente também se envolve, essa base se torna mais sólida”, resume o pai de Cecília, de 1 ano e 2 meses. Que mais pais se inspirem em Vitor, Fabio, Felipe...

Pré-natal do grávido (Foto: Getty Images)

A saúde física fica em segundo plano para a maioria dos homens (Foto: Getty Images)

Check-up

Confira uma lista de exames que todo pai deve fazer periodicamente, e não só no pré-natal:

BÁSICOS
» Sorologia para HIV
» Sorologia para sífilis
» Sorologia para hepatites B e C
» Exame do perfil lipídico (colesterol, triglicérides etc.)
» Glicemia de jejum (para medir a glicose)
» Aferição da pressão arterial

ESPECÍFICOS
» Antígeno Prostático Específico (PSA), a partir dos 40 anos ou dependendo do histórico familiar
» Exames de imagem e de sangue para avaliar a tireoide
» Ultrassom abdominal

Fontes: Geraldo Duarte, professor da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FMRP-USP); Daniel Suslik Zylbersztejn, do Fleury Medicina e Saúde (SP)