• Moises Chencinski
Atualizado em

Provérbio chinês:
“Todos os fatos têm três versões: a sua, a minha e a verdadeira.”

De 1 a 7 de agosto, celebrou-se a 31ª Semana Mundial de Aleitamento Materno (SMAM) com o tema FORTALECER A AMAMENTAÇÃO. EDUCANDO E APOIANDO.

No Brasil, celebramos o 6º AGOSTO DOURADO e o tema do Ministério da Saúde para a SMAM é APOIAR A AMAMENTAÇÃO É CUIDAR DO FUTURO.

Nessa semana e neste mês, a informação, as ações, os cursos, os desafios e as controvérsias relacionadas à amamentação tomam conta do Brasil e do mundo, e a mídia acaba sendo “invadida” por milhares de depoimentos nem sempre tão claros ou concordantes.

Não tenho a pretensão de ser a palavra definitiva sobre o tema, mas não poderia deixar passar essa oportunidade para trazer dados para que cada um de vocês possa analisar e tirar suas conclusões.

“Contra fatos não há argumentos”.
Não sei quem disse isso, mas... Será mesmo?

Um fato isolado, sem que se conheça as circunstâncias que o rodeiam, vem carregado de interpretações e cada uma delas vem embasada em questões individuais e daí... julgamento e veredito. Se fosse simples, em um julgamento, não seria necessário um advogado de defesa, um promotor, um júri e um juiz, não é mesmo?

Amamamentação; aleitamento; mãe; bebê (Foto: Thinkstock)

Normas como a NBCAL têm como objetivo assegurar o uso apropriado de produtos de forma que não haja interferência na prática do aleitamento materno. (Foto: Thinkstock)

Origem (ou fatos)

Em janeiro de 2020, foi publicada uma pesquisa na Revista de Saúde Pública (RSP) que identificou que 88% entre 352 estabelecimentos comerciais (240 farmácias, 88 supermercados e 24 lojas de departamento) comercializavam produtos cuja promoção é proibida pela NBCAL. A conclusão foi de que “mais de um quinto dos estabelecimentos comerciais faziam promoção comercial de fórmulas infantis para lactentes, mamadeiras e bicos, apesar de essa prática ser proibida no Brasil há trinta anos. É necessária a capacitação dos seus responsáveis. Os órgãos governamentais devem realizar fiscalização dos estabelecimentos comerciais para coibir estratégias de persuasão e indução às vendas desses produtos, garantindo às mães autonomia na decisão sobre a alimentação de seus filhos.”

Outro estudo do Observatório de Saúde na Infância (Observa Infância), realizado com o “objetivo de gerar evidências científicas para apoiar políticas públicas mais eficazes para a proteção e a promoção do aleitamento materno” — segundo entrevista cedida à Agência Brasil —, traz dados que ainda serão publicados, mostrando que, após 2 anos, a NBCAL continua sendo desrespeitada por farmácias e supermercados nas 7 cidades em que o trabalho foi feito.

Em julho de 2022, foi publicada uma nova pesquisa, por uma equipe de pesquisadores muito semelhante à primeira, na mesma RSP, realizada com 217 profissionais de saúde, principalmente pediatras (48,8%), além de nutricionistas, fonoaudiólogos e um membro da chefia. A conclusão foi que “as indústrias de alimentos infantis infringem a NBCAL ao assediar profissionais de saúde em congressos científicos, oferecendo patrocínios materiais e financeiros diversos.”

A NBCAL (Norma Brasileira de Comercialização de Alimentos para Lactentes e Crianças de Primeira Infância, Bicos, Chupetas e Mamadeiras – Lei 11.265 e Decreto 9.579) “regulamenta a comercialização de alimentos para lactentes e crianças de primeira infância e também a de produtos de puericultura correlatos.” O objetivo da NBCAL é assegurar o uso apropriado desses produtos de forma que não haja interferência na prática do aleitamento materno.

A lei existe. Por falta de uma... tem um decreto. E nele vem especificado bem claramente as possibilidades e as restrições das empresas no patrocínio, que pode ser dado apenas a instituições e sociedades, mas nunca a pessoas físicas.

Consequências e interpretações

A lei existe. A lei é muito clara nesses aspectos. Tanto na pesquisa de 2020 quanto na de 2022, publicadas na mesma revista, como na entrevista (estudo aguardando publicação) ficou demonstrado que existe transgressão à lei.

Ambos os estudos detectaram que uma grande porcentagem dos entrevistados refere desconhecer a lei (em 2020 – 50,8% dos estabelecimentos; em 2022 – 45,6% dos profissionais), que já existe desde 2006 e é motivo de constante debate e divulgação na mídia. A lei existe. O Código Penal Brasileiro, em seu artigo 21, deixa claro que ninguém pode deixar de ser punido em razão de desconhecer a lei.

Quando abordamos estudos científicos e pesquisas como essas, é fundamental que se conheça tanto a metodologia utilizada, quanto a população abordada, assim como seus resultados e as limitações, para que não se tirem conclusões precipitadas ou generalizações sejam feitas, sem que essa tenha sido a intenção da pesquisa.

E, em estudos sérios como esses, esses dados estão disponibilizados. Um recorte específico, sem uma análise cuidadosa, pode trazer interpretações com repercussões que não refletem nem o interesse real da pesquisa e não trazem objetividade para uma ação efetiva para o real cumprimento da lei.

O estudo de 2022 reconhece que uma limitação é a quantidade pequena da amostra, que não permite uma generalização e que não identifica se existe uma relação direta entre receber benefício e prescrever fórmula infantil. Mas comprova o assédio da indústria aos profissionais de saúde. E a lei é clara e não estabelece valores ou tamanhos dos brindes ou patrocínios.

A indústria de substitutos de leite materno não pode fazer essa abordagem nem nas empresas e nem aos profissionais de saúde. Isso está na lei.

Por outro lado, nenhuma empresa (farmácia, supermercado entre outros) pode fazer promoção de determinados produtos que interferem na amamentação, e os profissionais de saúde materno-infantil não podem receber nenhum presente ou patrocínio da indústria de substitutos de leite materno. Isso está na lei.

Quem é culpado?
Quem é inocente?
Quem fiscaliza?
Quem denuncia?
Quem julga?
Quem decide?

Com esses dados em mãos...
“E aí, qual vai ser. Agora tu vai ter que escolher...”

Dr. Moises Chencinski é pediatra, membro afiliado da WABA. Membro da Câmara Técnica de Aleitamento Materno do Ministério da Saúde. Coordenador do livro "Aleitamento Materno na Era Moderna. Vencendo Desafios", da Sociedade de Pediatria de São Paulo (SPSP) (Foto: Arquivo pessoal)

Dr. Moises Chencinski é pediatra, membro afiliado da WABA. Membro da Câmara Técnica de Aleitamento Materno do Ministério da Saúde. Coordenador do livro "Aleitamento Materno na Era Moderna. Vencendo Desafios", da Sociedade de Pediatria de São Paulo (SPSP) (Foto: Arquivo pessoal)

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