• Amanda Moraes
Atualizado em

A chegada de um bebê é acompanhada de muitos momentos especiais — e difíceis também. A vida dos pais vira de cabeça para baixo. Afinal, eles precisam se adaptar a uma rotina completamente nova, além de terem que lidar com o tsunami de emoções que a criança traz. Por isso, o puerpério, fase que compreende as semanas seguintes após o parto, é repleto de sentimentos mistos e os pais são muito impactados. Mas a forma como os homens e as mulheres lidam com este momento é bem diferente!

Foto ilustrativa de bebê com sua mãe (Foto: Pexels)

Bebê com sua mãe (Foto: Pexels)

Segundo um estudo realizado pela MindMiners, empresa de tecnologia especializada em pesquisa digital, 71% das mães entrevistadas definem o puerpério como um período de “amor” e de “dificuldade”. No entanto, 43% dos pais respondentes afirmam não saber o que é, além de dizerem que é uma fase tranquila.

O levantamento também apontou que os sentimentos relacionados à chegada do bebê são distintos entre pais e mães: os homens se sentem mais felizes no período — 67% sentem felicidade, 58% amor e 57% alegria. Já 80% das mulheres sentem cansaço, 74% amor e 70% medo.

Para chegar a essa conclusão, os pesquisadores ouviram pessoas com perfis diferentes, distribuídas por todo o Brasil. Foram consultadas  de forma online 1800 mulheres, sendo 1000 puérperas (mães com bebês de até 1 ano); 500 mães com filhos de 2 anos ou mais e 300 grávidas; além de 500 pais.

Puerpério para homens

Mesmo sendo um período pelo qual tanto os pais quanto as mães passam, os homens não têm muito conhecimento sobre essa fase do pós-parto. Com o intuito de ajudar os pais a aumentarem o seu repertório sobre o assunto, Tiago Koch, naturólogo e idealizador do projeto Homem Paterno, criou um curso intensivo sobre o puerpério para homens. “A ideia é que o pai consiga entender os processos e as transformações que a mãe do filho está vivenciando. Assim, ele consegue simpatizar e se tornar mais proativo diante dessas novas dinâmicas familiares que vão aparecer com a chegada do filho”, explica.

Ao entender melhor sobre este momento que a família está passando, será mais fácil atender às demandas práticas, assim como lidar com os seus próprios processos individuais. “Ele também poderá ampliar seu repertório afetivo, de cuidados, tanto com o bebê quanto com a sua parceira. Isso contribui para a construção de um lar mais equitativo, entendendo que uma das principais queixas das mulheres é a sobrecarga, além da falta de empatia, desqualificação, deslegitimação e solidão”, aponta Koch.

O projeto Homem Paterno surgiu há 4 anos, após o nascimento de Iara, hoje com 5 anos, enquanto Tiago passava pela sua primeira experiência com o puerpério, ao lado de sua parceira. “Eu identificava que faltava repertório na minha própria paternidade para dar conta do que eu estava vivenciando naquele período. Na época eu não sabia nem nomear, não sabia que essa fase tinha nome”, afirma o pai. Por isso, começou a estudar sobre o tema e descobriu que isso era muito comum entre as famílias.

Segundo o idealizador, o projeto busca criar uma rede de apoio paterna. “Através de um lugar seguro, acolhedor e ético, entre homens, onde é permitido trocar experiências, falar sobre os seus desafios, ouvir as experiências, pode-se criar possibilidades mais conscientes e responsáveis de paternidade”, destaca.

Como é para um homem lidar com este período?

Os pais também podem sentir emoções muito intensas durante o puerpério. Para Tiago Koch, um sentimento que esteve muito presente foi a solidão. “Muitas vezes, não consegui reconhecer qual era o meu lugar nessa nova configuração familiar, foi bem difícil lidar com a perda do protagonismo da relação, principalmente com a minha parceira. Acho que isso vem muito de uma cultura machista, que traz o homem sempre como protagonista de todas as relações”, ressalta. Segundo ele, essa sensação de não pertencimento vem de uma falta de repertório e analfabetismo emocional. “Eu acabei indo parar nesse lugar de querer atenção, buscar reconhecimento e me senti muito sozinho em alguns momentos”, acrescenta.

O pai diz que, mesmo com toda essa confusão emocional, não podia conversar com ninguém sobre o que estava passando. “Eu ia buscar meus amigos que já eram pais e os assuntos sempre ficavam numa camada muito superficial. Eu não consegui desenvolver diálogos que legitimassem o que eu estava vivenciando e que houvesse um espaço de vulnerabilidade, de troca e acolhimento entre homens”, relata.

Segundo Tiago, muitos amigos acabaram se afastando, já que o principal assunto que ele abordava era a paternidade e os seus conflitos, desafios, amores e desamores. “Eu percebi que isso cansava meus amigos, eles queriam falar sobre outras coisas, sobre coisas tradicionalmente de homens: futebol, mulheres e política. Eu não queria falar sobre isso. Eu acabei ficando excluído das minhas amizades”, desabafa.

A sensação de luto foi outro sentimento comum do puerpério que Tiago teve que enfrentar. “Luto no sentido de perder a minha produtividade, a minha liberdade. Hoje eu consigo enxergar que as minhas perdas eram bem distintas em relação às perdas que eu tive depois, mas, naquele momento, com a minha dificuldade de elaborar, foi muito intenso”, aponta.

No entanto, a segunda vez que passou por essa experiência, com a chegada de Nalu, hoje com 11 meses, foi bem mais leve. De acordo com Tiago, isso ocorreu porque estava mais preparado para receber a nova criança, já que tinha uma vivência prévia e mais conhecimento sobre esse período tão desafiador e as transformações que ele traz para a família.

E para a mulher?

O puerpério pode ser muito diferente para cada mulher. Flora Andrade, mãe do Theo, de 4 meses, conta que, embora seja difícil, a sua experiência pós-parto "não tem sido das piores", já que o filho é muito bonzinho e ela tem recebido muito apoio externo. “Mas é um período em que as emoções ficam bem à flor da pele. Um dia eu estava vendo o noticiário chorando, o que não é normal para mim”, lembra.

Flora destaca, ainda, que os sentimentos que impactam as mães são muito variados. “Acho que primeiro tem uma grande ansiedade. Eu tive uma crise de ansiedade no dia da alta da maternidade por não saber como minha vida seria a partir daquele momento. A gente não conhece esse bebê que está vindo para casa ainda, não sabemos como vai ser a rotina”, revela a mãe de primeira viagem.

Assim como relatado por Tiago, a solidão também foi algo que a atingiu. “Não no sentido de estar sozinha, mas quando eu estava grávida, eu era o centro das atenções. Aí você tem o bebê e do nada você não existe mais, só o bebê que existe. Essa sensação de ser esquecida foi bem difícil de lidar. Mas depois percebi que realmente é o bebê que importa, não é você”, desabafa.

Associado a tudo isso ainda veio outra questão difícil de lidar: o medo, que é tão comum entre as mães. Afinal, tudo é novidade no cuidado com o recém-nascido e é mais do que natural que essa sensação venha à tona, assim como a de que tudo está correndo rápido demais. “Parece que não temos aquele tempo que a gente tinha antes, estamos sempre chegando atrasado nos lugares. Mas não só nesse sentido. Dá a impressão de que o tempo está passando correndo, todas as fases do bebê passam muito rápidas”, ressalta Flora.

Apesar desses desafios trazidos pelo puerpério, o dia a dia com o bebê faz tudo valer a pena e, para Flora, tem sido muito importante aproveitar cada momento do filho. “A gente passa noites mal dormidas, mas aí você acorda e vê aquele bebezinho sorrindo para gente, todo feliz, com aquela cara de apaixonado que os bebês olham para as mães. As tristezas ficam muito mais tristes, parece que tudo vai ser péssimo, vai dar errado, tudo fica maior. Mas as alegrias também. Cada momento bom fica muito melhor”, destaca.

Intensidade dos sentimentos em relação ao tempo

Gráfico sobre intensidade dos sentimentos do puerpério ao longo do tempo (Foto: MindMiners/Reprodução)

A intensidade dos sentimentos do puerpério ao longo do tempo (Foto: MindMiners/Reprodução)

Como mostrado no gráfico da MindMiners acima, mulheres que estão passando pelo puerpério sentem esse período mais intensamente, enquanto os homens dizem ser uma fase menos intensa. Porém, conforme o tempo passa, a memória sobre esse momento do pós-parto se torna mais amena. Mães e pais de bebês com mais de 2 anos praticamente empatam ao afirmarem que o puerpério tem uma intensidade média.

A pesquisa também apontou que, para os pais, há fases boas que sempre serão lembradas e outras que são mais desafiadoras. Os melhores momentos estão relacionados ao vínculo com o bebê: o colo, o cheirinho, o olhar e a conexão. Existe um olhar especial para a amamentação, que é tão paradoxa diante da troca com o filho e do sacrifício físico que as mães enfrentam até que a pega ocorra de forma mais tranquila e tudo flua mais naturalmente. Já os piores estão ligados principalmente às dores físicas da criança e da mãe: cólica, sono e cansaço.

Preparação e expectativas para a chegada do bebê

Para as gestantes que responderam à pesquisa, os sentimentos entre a gravidez planejada e a não planejada também são bem distintos. Entre as mulheres que estavam ansiosas pela maternidade, a maior sensação é o amor, seguido por ansiedade e felicidade. Por outro lado, entre aquelas que não tinham se preparado para ter um filho (56% da amostra), ansiedade, cansaço e medo foram os termos mais apontados. Os dois grupos de mulheres, no entanto, tiveram um receio em comum: de se sentirem sobrecarregadas. 

Para ajudar a resolver este problema, é essencial que as mães possam contar com uma rede de apoio, que é vista como um grande diferencial para se evitar a depressão pós-parto — problema enfrentado por 2 a cada 10 mulheres entrevistadas. Mas nem sempre isso é possível: em 60% dos casos, as parturientes não possuíam rede de apoio. De acordo com a levantamento da MindMiners, apenas no pós-parto imediato as mulheres tiveram alguém que as desse algum tipo de suporte. O número variou de acordo com a classe social, sendo Classe A: 84%; Classe B: 74% e Classe C: 69%. 

Os parceiros, é claro, também devem fazer parte dessa rede e são fundamentais após o nascimento da criança, para que as puérperas tenham com quem dividir as tarefas e descansar. Entretanto, apenas 67% das mulheres dizem que os companheiros estiverem presentes compartilhando as responsabilidades com os filhos, enquanto 84% dos pais afirmam ter desempenhado seu papel. 

Afinal, qual deve ser o papel dos homens no puerpério?

“Junto a buscar conhecimento sobre o que eles estão vivenciando, eles devem se responsabilizar principalmente pelas questões práticas de cuidados. No meu entendimento, os pais têm o objetivo de oferecer o melhor cenário possível para que a mãe possa protagonizar com autonomia e liberdade esse momento, que é muito dela, dessa fusão entre mãe e bebê”, destaca Tiago Koch. Dessa forma, os homens devem buscar facilitar os processos vivenciados pela mãe, para que ela não se sinta sobrecarregada.

“Existe muito essa ideia da maternidade instintiva, de que a mulher vai dar conta de tudo e que o pai está ali só para prover e isso basta. Hoje em dia, diante de toda uma revolução das mulheres em relação à própria maternidade, os papéis estão sendo ressignificados”, enfatiza. É essencial, portanto, que os pais também assumam esse lugar de acolhimento e apoio, tanto para a mãe quanto para o bebê. “Eu percebo que os homens estão com uma grande dificuldade de se encontrar e se reconhecer nesse novo papel mais equitativo, que exige do homem uma maior sensibilidade e exige do homem um lugar de cuidador, não só de provedor”, finaliza Tiago.

Saiba como assinar a Crescer para ter acesso a nossos conteúdos exclusivos