• Giovana Forcioni
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Foi durante um ultrassom morfológico, na 23ª semana de gestação, que a empreendedora social Thaissa Alvarenga, 44, desconfiou que pudesse haver algo suspeito com o seu bebê. O exame mostrou que o osso do septo estava um pouquinho menor do que o esperado, e isso foi suficiente para que sua obstetra levantasse a suspeita de uma possível alteração genética. Só havia duas opções: fazer mais exames para confirmar o diagnóstico ainda na gravidez ou ficar com a dúvida até o nascimento do bebê.

Está no DNA (Foto: Getty Images)

(Foto: Getty Images)

Na época, em 2013, o protocolo mais comum nesses casos era a amniocentese, um procedimento em que o médico aspira parte do líquido amniótico no útero ‒ que tem fragmentos de DNA fetal ‒, com uma agulha pelo abdômen da mulher. Esse exame é capaz de cravar um diagnóstico, porém, a grande questão é que ele traz risco, mesmo que mínimo, de ruptura da bolsa, de hemorragias e, em alguns casos, perda gestacional. Como a empreendedora social já estava num estágio avançado da gravidez, sua obstetra achou melhor não arriscar.

A sorte foi que, poucos meses antes, naquele mesmo ano, havia chegado ao Brasil um novo teste genético, que poderia dar a Thaissa o diagnóstico de que ela precisava: o NIPT (do inglês, Non-Invasive Prenatal Testing). Como a própria sigla sugere, é um exame não invasivo capaz de mapear as chances de o feto ter as síndromes genéticas mais comuns, como de Down, de Edwards, de Patau, de Klinefelter, de Turner, tudo isso sem colocar em risco a vida da mãe e do bebê. O teste, aliás, é muito parecido com um hemograma simples. Com uma pequena amostra de sangue da mãe, coletada a partir da 9ª semana, já é possível fazer uma análise inicial dos cromossomos.

“Na gravidez, existe uma passagem de sangue da mãe para o feto e do feto para a mãe. Com sequenciadores genéticos, é possível detectar essas frações muito pequenas do DNA do bebê circulando na corrente sanguínea materna e, a partir daí, dizer se existe suspeita de alguma alteração genética”, afirma Mario Burlacchini, secretário da Comissão Nacional Especializada em Medicina Fetal, da Febrasgo.

No Brasil, o NIPT não é oferecido pelo sistema público de saúde e nem coberto pelos convênios e seguros médicos. Thaissa preferiu, então, fazê-lo numa clínica privada e desembolsar cerca de R$ 3 mil para acabar com sua dúvida. Semanas depois, o resultado apontou que a suspeita da obstetra tinha razão de ser: seu filho apresentava 99% de chance de ter síndrome de Down. A confirmação veio na hora do parto, quando Chico nasceu, em fevereiro de 2014.

Mudança de paradigma

Com o avanço da ciência, está cada vez mais fácil usar ferramentas que ajudam a acalmar os ânimos e prever se o feto apresenta algum tipo de alteração no DNA. Depois da fecundação, o bebê vai se formando graças a várias divisões celulares. Nesse processo, pequenas falhas são possíveis de acontecer. Elas podem ser inofensivas ou gerar síndromes. E é isso que os exames genéticos durante a gravidez buscam identificar.

Apesar de não haver dados oficiais, segundo especialistas, a oferta de testes hoje é bem maior que alguns anos atrás, como na época em que Thaissa realizou o exame. De acordo com uma projeção feita pela Global Market Insights (empresa global de pesquisa e consultoria), a expectativa é de que, até 2024, o mercado de testes genéticos diretos ao consumidor movimente mais de US$ 2,5 bilhões no mundo todo – e grande parte disso será impulsionado pelos testes buscados no pré-natal, como o NIPT.

“Ele é um exame que mudou todos os paradigmas da investigação genética no pré-natal. Trata-se de um teste de triagem, que não vai confirmar síndromes genéticas, mas já indica se há necessidade de fazer uma investigação mais aprofundada”, diz Burlacchini.

Dependendo do resultado, cabe ao médico e à gestante decidirem juntos se vale a pena ou não se submeter a outros exames mais invasivos, tipo a amniocentese e a biópsia de vilo corial (BVC). “Hoje esses testes de triagem já têm uma sensibilidade alta. A probabilidade de um falso positivo, principalmente para a trissomia 21 (síndrome de Down) é muito baixa. Por outro lado, um teste alterado sempre tem de ser confirmado com outros procedimentos específicos para cada caso”, explica a geneticista Maria Teresa Sanseverino, responsável pelo Programa de Aconselhamento Genético Pré-Natal do Hospital de Clínicas (RS).

Onde tudo começa

Assim como aconteceu com Thaissa, exames rotineiros do pré-natal já são capazes de dar algumas pistas se algo está evoluindo fora do esperado na formação do bebê, especialmente o ultrassom morfológico, realizado entre a 11ª e a 14ª semana e depois entre a 20ª e a 24ª. Isso porque ele fornece várias informações, como a translucência nucal, que é a medida da “nuca” do feto. Isso ajuda a descartar ou levantar suspeitas de alterações congênitas, como cardiopatias e hidrocefalia, e também alterações genéticas e cromossômicas, como a síndrome de Down.

O NIPT, então, seria um próximo  passo para casos específicos: quando o morfológico aponta alguma disfunção, quando há histórico de abortos de repetição e alterações genéticas na família ou quando a gestante tem mais de 35 anos. Ainda assim, segundo João Bosco, gerente médico do Laboratório de Genética Molecular e cocoordenador médico do Programa de Medicina de Precisão do Hospital Israelita Albert Einstein (SP), é preciso ter cautela ao interpretar os laudos. “O NIPT não é um atestado de que o bebê vai nascer sem problema genético algum. Ele só afirma se existe a chance ou não de o bebê ter as doenças genéticas mais comuns, analisadas pelo teste”, explica.

A geneticista Maria Teresa reforça: “A genética está evoluindo muito rápido, e agora mais doenças estão sendo incluídas nesse exame, como microdeleções [quando se perdem micropartes do DNA de um cromossomo]. E, nesses casos, a chance de um falso positivo é maior, podendo gerar uma tensão desnecessária. Por isso, a mulher deve estar bem informada e ter claros os motivos para realizar o teste. Todas podem fazer, mas, no fim, acaba sendo uma questão de escolha”. Daí ser fundamental a orientação de um profissional para avaliar prós e contras de buscar esse tipo de exame.

Alívio e precaução

Em conversa com a sua obstetra, a pedagoga Jéssika Maahs, 38, descobriu que o NIPT poderia ajudar a amenizar a sua angústia. Ela sempre teve o receio de dar à luz um bebê com síndrome genética, mesmo sem histórico na família. Na gravidez de João, hoje com 3 anos, tudo correu bem. Bastou um novo teste de gravidez positivo, tempos depois, para que o mesmo medo voltasse.

Apesar de nunca ter ouvido falar sobre o teste, Jéssika fazia parte do grupo de indicação para o NIPT, por causa da idade [ela tinha 37 na época], e topou na hora. Na 12ª semana, contratou um laboratório especializado. Bastaram uma amostra de sangue e alguns dias de espera para que pudesse acalmar o coração e passar o restante da gestação aliviada. O resultado veio negativo, e Joaquim, 3 meses, nasceu sem nenhuma questão relacionada à saúde.

Resultados normais no NIPT realmente podem ajudar a aliviar a ansiedade da família, assim como aconteceu com Jéssika. Mas, infelizmente, não há nenhum tipo de intervenção que possa ser feita durante a gravidez, caso o laudo seja positivo. “Mesmo que a gente não possa fazer nada pelo bebê durante a gestação, é um teste que ajuda a família a se preparar emocionalmente para lidar com o diagnóstico, e a equipe médica, para o parto. Muitas vezes, bebês com anomalias genéticas precisam de atendimento diferenciado logo depois de nascer”, diz João Bosco, do Hospital Israelita Albert Einstein (SP).

Thaissa, do começo da reportagem, não poderia concordar mais. Depois de Chico, hoje com 8 anos, ela ainda deu à luz mais duas meninas: Maria Clara, 6, e Maria Antonia, 5. Fez o NIPT nessas duas gestações também. “Na primeira vez, com o resultado positivo para trissomia 21, pude me preparar emocionalmente, ter um pré-natal mais cuidadoso e uma gravidez mais tranquila. Nas outras duas, fiz o exame por causa da minha idade e do histórico e deu negativo. Não vou mentir, eu tinha receio de que as meninas também nascessem com alterações genéticas. Sabia que, independentemente do resultado, iria amá-las, mas quis ter essa chance de me preparar de novo, caso acontecesse”, finaliza.

É importante reforçar que exames como o NIPT e outros mais específicos são úteis diante de determinados casos. No entanto, os exames de praxe de um pré-natal tradicional são suficientes para acompanhar a gravidez de forma eficiente, e trazer tranquilidade e segurança para a gestante – o que, no fim das contas, é o que interessa.

Está no DNA (Foto: Getty Images)

Está no DNA (Foto: Getty Images)


Dois tipos de NIPT

Veja a diferença entre os testes disponíveis hoje no Brasil:

NIPT Básico
Identifica o sexo do bebê e o risco para as alterações cromossômicas mais comuns, como as síndromes de Down, Patau, Edwards, Turner, Klinefelter. Não é indicado em casos de gravidez com mais de dois fetos e em transplantadas de medula óssea, por questões técnicas em relação à metodologia do teste.

NIPT Ampliado ou Expandido
Rastreia alterações cromossômicas mais comuns e  inclui a avaliação de microdeleções, como as síndromes de Prader-Willi, Angelman e Cri du chat. Não é indicado em casos de gestação com mais de dois fetos, ovodoação ou útero de substituição, também porque a metodologia não garante precisão na análise.

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