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"Ver Harry subindo e descendo nossa rua com sua melhor amiga Bella é mágico. Você nunca imaginaria que o primeiro ano de vida dele foi um turbilhão de emergências, cirurgias cerebrais e um medo inimaginável. Você nunca pensaria que, sob seu cabelo loiro rebelde há um shunt – um dispositivo que drena o fluido de seu cérebro e o mantém vivo", afirmou a mãe, Caroline Thwaites, em seu relato ao site Metro.

Harry é o quarto filho de Caroline. Tirando o diabetes gestacional (DG) que ela conseguiu controlar apenas com dieta, a gestação dela foi tranquila. "Fiz exames a cada quatro semanas a partir da 20ª semana, o que é comum em grávidas com DG. Com 36 semanas, meu marido e eu entramos na sala de exames. Estávamos calmos, esperando uma consulta de rotina. No entanto, cerca de cinco minutos depois, o ultrassonografista ficou quieto. Então, ele disse que precisava chamar outra pessoa e nós esperamos", recordou.

"Uma mulher entrou, não disse nada e, depois do que pareceu uma eternidade, ela nos disse que podia ver uma 'perda de componente cerebral' e que havia uma anormalidade no exame", continuou Caroline. Foi nesse momento, muito próximo ao nascimento, que os pais receberam a difícil notícia de que o filho tinha um cisto aracnoide, nome dado a um líquido cefalorraquiano, também chamado de líquor (líquido que está presente dentro do nosso cérebro), que, por algum defeito de formação, ficou preso entre as membranas que revestem o cérebro. No caso de Harry, esse líquido ocupava cerca de um quarto do cérebro.

Após o nascimento, foram longos meses de angústia, exames e uma cirurgia cerebral que, finalmente, levou ao diagnóstico de hidrocefalia. Agora, a mãe tem feito um alerta para que outros pais estejam atentos aos sinais da condição. "A chave para o diagnóstico precoce é a medição rotineira do perímetro cefálico no primeiro ano de vida. Tragicamente, quanto mais tarde o diagnóstico for feito, mais desafiadora será a vida da criança e de seus pais", ressaltou. Confira, abaixo, o depoimento completo!

Harry passou por quatro cirurgias cerebrais (Foto: Reprodução/Metro)

Harry passou por quatro cirurgias cerebrais (Foto: Reprodução/Metro)

"Nós dois estávamos completamente perturbados. Eles disseram que não sabiam o que significava naquele momento, mas precisaríamos ser encaminhados com urgência para um hospital especializado. Dizer que estávamos apavorados não é suficiente para descrever isso. Depois de vários outros exames, descobriram que nosso bebê tinha um grande cisto aracnoide, que é um saco cheio de líquido que se desenvolve em uma das três membranas que cobrem o cérebro e a coluna (a membrana aracnoide). A maioria desses cistos está presente no nascimento e, embora muitos não causem sintomas, às vezes podem levar a dores de cabeça, náuseas e vômitos, problemas de visão, de equilíbrio/caminhada, convulsões e, em alguns casos, hidrocefalia.

A equipe médica decidiu esperar duas semanas e, então, fazer o parto do nosso menino por cesariana. Os exames mostraram que, além da cabeça, ele estava se desenvolvendo normalmente, então eles queriam esperar até que os pulmões dele estivessem totalmente maduros. Eles precisavam que nosso bebê fosse o mais forte possível para enfrentar os possíveis desafios à frente. Nós realmente não sabíamos o que o futuro reservava e, como os médicos admitiram, eles também não. Então, meticulosamente, esperamos duas semanas até o parto.

Quando o dia finalmente chegou, o bebê Harry desafiou todas as expectativas. Apesar de ter nascido em uma sala de cirurgia lotada, com uma equipe de emergência pediátrica de prontidão, ele saiu rosa e gritando. Ele foi examinado e, com apenas dois dias de vida, fez sua primeira de muitas ressonâncias magnéticas. O exame mostrou que o cisto aracnoide de Harry estava ocupando cerca de um quarto de seu cérebro. No entanto, ele parecia estar indo bem, apesar de todas as probabilidades e, cinco dias depois, fomos autorizados a voltar para casa para começar a vida com nosso 'bebê milagroso'. 

Harry foi monitorado cuidadosamente. Todos os bebês no Reino Unido devem ter o perímetro cefálico medido ao nascer e depois novamente com 6 ou 8 semanas, mas a cabeça de Harry foi medida semanalmente. Rapidamente se tornou aparente que a circunferência da cabeça estava saltando exponencialmente. Harry também estava claramente angustiado e chorava constantemente. Com seis semanas de vida, ele fez outro exame de ressonância magnética. O radiologista disse que eles podiam ver o excesso de líquido em seu cérebro. O acúmulo pode ser fatal se não for tratado e, portanto, com apenas oito semanas de idade, entregamos nosso filho pequeno a um neurocirurgião para sua primeira cirurgia no cérebro. 

Novo diagnóstico

Foi quando nos disseram que Harry tinha hidrocefalia. Eu nunca tinha ouvido falar da condição, então procurei no Google e meu mundo parou de girar. Traduzindo de forma simplista, 'hidro' significa água e 'cephalus', cabeça. Às vezes, conhecida como 'água no cérebro', a hidrocefalia é uma condição em que o excesso de líquido se acumula dentro do crânio e pressiona o cérebro.  Pode levar a danos cerebrais e pode ser fatal se não for tratada. A hidrocefalia é mais comum do que você imagina, com cerca de 1 em cada 770 crianças desenvolvendo a condição a cada ano. 

Aprendemos que Harry precisaria de uma derivação para controlar sua hidrocefalia e mantê-lo vivo. Uma derivação é um tubo fino de plástico que é colocado nos sacos cheios de líquido (ou ventrículos) dentro do cérebro e drena o excesso de líquido para outra parte do corpo (como o abdômen, coração ou pulmões), onde é reabsorvido. A maioria das derivações terá uma válvula unidirecional, para garantir que o fluido flua na direção certa, por exemplo, longe do cérebro. A primeira derivação de Harry foi inserida durante sua primeira cirurgia no cérebro. Ao fazer isso, ajudou a regular a quantidade de pressão que estava sendo colocada em seu cérebro pelo fluido extra que seu corpo estava produzindo.

Os shunts são ótimos dispositivos, mas não são uma cura para a hidrocefalia e podem dar errado. De fato, 50% das derivações falharão nos primeiros dois anos de inserção. No caso de Harry, levou apenas três meses para falhar. Isso pode acontecer por vários motivos, incluindo bloqueios (da tubulação e/ou válvula), infecção, fratura/desconexão da tubulação, drenagem excessiva, migração e colocação inadequada. A única maneira de tratar uma falha de derivação, que em muitos casos é uma emergência com risco de vida, é a cirurgia cerebral. Se a falha da derivação não for tratada, o excesso de fluido continuará a se acumular no cérebro. Isso pode ser fatal.

Perceber quando um shunt não está funcionando corretamente é incrivelmente difícil. Os sinais de falha podem, às vezes, imitar os sintomas de doenças normais da infância, como cansaço e mau humor – qual pai não vê esses sintomas regularmente? Somos conhecidos por levá-lo ao pronto-socorro apenas para perceber que ele tem um problema na barriga. Mas, não podemos nos dar ao luxo de arriscar. A derivação de Harry foi bloqueada duas vezes. Na primeira, ela se deslocou e, na segunda, sua cicatriz infeccionou, necessitando de nova cirurgia. Os médicos notaram um rápido salto no crescimento de sua cabeça, ele tinha veias visíveis no couro cabeludo e estava muito instável. A hidrocefalia foi descoberta cedo e, por isso, serei eternamente grata. Apesar de ter que passar por quatro cirurgias cerebrais em quatro anos, ele está indo muito bem. No entanto, sabemos de muitas famílias que não têm tanta sorte. 

Harry está com 4 anos (Foto: Reprodução/Metro)

Harry está com 4 anos (Foto: Reprodução/Metro)

'Indicador-chave'

Se não tivéssemos feito exames devido ao meu diabetes gestacional, provavelmente não teríamos percebido que algo estava errado até que Harry nascesse e seus sintomas se tornassem graves. A essa altura, ele poderia ter sofrido danos cerebrais por falta de tratamento. Aprendemos que a chave para o diagnóstico precoce para muitas crianças é a medição rotineira do perímetro cefálico no primeiro ano de vida. Quando uma criança tem hidrocefalia, ela geralmente tem uma cabeça maior do que o normal para sua faixa etária e/ou uma circunferência da cabeça que está crescendo rapidamente quando plotada em um gráfico de crescimento (geralmente documentado no registro de saúde da criança). 

A circunferência da cabeça é, portanto, um indicador-chave de que algo está errado. É vital que os exames de recém-nascidos e de 6/8 semanas incluam a medição das cabeças dos bebês. Infelizmente, algumas crianças só são encaminhadas para avaliação e cuidados especializados muitos meses após o início dos sintomas da hidrocefalia. Tragicamente, quanto mais tarde o diagnóstico for feito, mais desafiadora será a vida da criança e de seus pais. A parte difícil é que muitas pessoas desconhecem o significado da medição da cabeça. Eu era uma e Harry é meu quarto filho! O diagnóstico de Harry foi isolador. Ele não parecia doente, então poucas pessoas realmente entendiam a gravidade de sua condição.  Aprendemos rapidamente que a hidrocefalia pode ser tratada, mas não curada. 

Eu queria tornar a vida melhor para todas as crianças com a doença, incluindo, é claro, Harry. Por isso, fundamos o Harry's Hydrocephalus Awareness Trust  (Harry's HAT) para fazer exatamente isso. Juntos, trabalhamos incansavelmente para aumentar a conscientização sobre a hidrocefalia, financiar os trabalhadores da linha de frente para que eles possam aumentar seu conhecimento sobre a doença e conectar as famílias para reduzir o isolamento. Nosso objetivo de longo prazo é contribuir significativamente para pesquisas e encontrar tratamentos alternativos e menos invasivos. 

Os sintomas da enfermidade em bebês incluem uma cabeça incomumente grande. Isso significa que a cabeça de um bebê possa ser grande demais para caber chapéus para sua faixa etária. O futuro de Harry é brilhante. No entanto, isso pode mudar. Seu shunt pode bloquear ou ser infectado a qualquer momento, resultando em uma cirurgia cerebral mais invasiva ou risco de danos cerebrais; ou, ele poderia passar anos sem complicações. Às vezes, a incerteza é a parte mais difícil".

Sobre a hidrocefalia

Em entrevista à CRESCER, o neurocirurgião José Erasmo, do Sabará Hospital Infantil (SP), explicou que, dentro do cérebro, existem cavidades cerebrais pelas quais circula uma espécie de "líquido", conhecido como cefalorraquidiano. A hidrocefalia pode interferir na produção, circulação ou drenagem desse líquido no sistema nervoso, fazendo com que ele se acumule. Os sintomas variam de acordo com a idade. Nos bebês com menos de um ano, há principalmente um aumento no diâmetro da cabeça. Já nos maiores, que não são tratados, a cabeça não cresce tanto, mas podem sentir dores de cabeça, enjoo, vômito e irritabilidade, além de sofrerem atraso no desenvolvimento, que pode levar até mesmo a uma dificuldade para andar. "O acúmulo do líquido dentro do cérebro causa uma pressão e pode lesionar os neurônios", esclarece o neurocirurgião.

Como tratamento, geralmente os especialistas colocam um implante chamado de derivação ventrículo-peritoneal, mais conhecido como válvula. Sua função é drenar o líquido da cabeça da criança. Segundo o médico, essas válvulas jogam o líquido do cérebro para outras cavidades do corpo. Há também a possibilidade de fazer uma endoscopia cerebral, em que os cirurgiões criam dentro do cérebro do paciente outro caminho para o líquido circular. Após o tratamento, há um equilíbrio da pressão no cérebro da criança, mas ainda não é possível saber o quanto de melhora cada paciente terá, principalmente porque a hidrocefalia vem, geralmente, associada a outras doenças, ainda de acordo com o neurocirurgião.