• Amanda Oliveira
Atualizado em
Arthur tem doença rara (Foto: Mycaella Carbonera)

Arthur tem doença rara (Foto: Mycaella Carbonera)

“Nos ensaios, é essencial que as crianças se divirtam.” É assim que a fotógrafa Mykaella Carbonera, 37, de Umuarama, Paraná, acredita que nasce uma boa foto. Hoje, quem a vê, com uma câmera na mão, não imagina que, há três anos, ela atuava como farmacêutica em uma multinacional de cosméticos. “Trabalhar nessa área era um sonho, mas, com o tempo, percebi que não estava mais feliz.”

A fotografia, que até então era um hobby de Mykaella, ganhou outra perspectiva depois de ela se surpreender com uma foto nas redes sociais e de, acredite, ter sua câmera roubada. Ao comprar um novo equipamento, optou por um modelo profissional e iniciou um curso, em 2015. “Meu ‘clique’ com a fotografia aconteceu quando vi uma imagem de um cachorro muito diferente. Fiquei apaixonada, senti um frio na barriga... Pensei: como queria ser a pessoa que tira essas fotos!”

Mykaella começou fazendo ensaios paralelos ao seu trabalho como farmacêutica. Logo, surgiu a oportunidade de fotografar pets abandonados para incentivar a adoção. “Cheguei a tirar fotos de cerca de 20 animais de uma protetora.” Em 2017, criou coragem e saiu da empresa em que trabalhava para tentar viver de fotografia.

Não foi fácil. No início da nova carreira enfrentou vários desafios para se posicionar como uma profissional. “Me sentia desvalorizada, porque as pessoas com boas condições financeiras não queriam pagar pelos ensaios.” Para construir seu portfólio, então, ela iniciou um novo projeto social. “E decidi seguir o estilo de fotógrafas que me inspiravam – que faziam imagens ao ar livre. Eu, que sou meio nômade e não queria correr o risco de investir em um estúdio,  aderi à flexibilidade de fotografar em qualquer lugar.”

Em 2018, Mykaella começou a clicar, gratuitamente, crianças com deficiência, doenças raras e em tratamento de câncer, indicadas por instituições. “Queria contar a história delas por meio dos ensaios.” Ao longo de dois anos de projeto, Mykaella já fotografou mais de cem crianças em espaços parceiros. Um deles, inclusive, disponibiliza os animais para fotos. A profissional continua esse trabalho social – agora, interessados a procuram por meio de sua página no Facebook (Myka Fotografia) –, mas também produz imagens contratadas por particulares.


Segundo ela, a intuição é sua principal aliada em seu trabalho, apesar de sempre ter também uma ideia em mente: “Quero que a imagem pareça uma pintura no final”. Rebecca, 5 anos (na foto ao lado), é uma das personagens das fotos de Mykaella. A menina foi diagnosticada com leucemia há três. Sua mãe, a empresária Patriccia Julyana Ruzzon, 42, conta que a pequena ficou muito feliz com o ensaio: “No início, fiquei apreensiva, queria colocar minha filha em uma bolha. Mas vi que ela estava amando.”

Para a dona de casa Nadja Kelly Brito Bezerra, 37, as fotos acabam tendo uma função social. Ela é mãe do Pedro Gabriel, 6, e descobriu que o filho tinha mielomeningocele ainda na gestação. “Esse tipo de trabalho é nobre. Nossas crianças percebem o carinho e sentem que importam para a sociedade.” Sensibilidade, delicadeza, inclusão e a alegria da infância: com certeza, são sentimentos que você vai experimentar ao olhar cada imagem desta reportagem.

 

. (Foto: Mykaella Carbonera)

(Foto: Mykaella Carbonera)

Anna Clara: perfeita do jeito dela
“Quando descobri que a minha filha tinha paralisia cerebral leve e mitocondriopatia, uma doença que afeta toda a musculatura e os órgãos, e atrapalha o desenvolvimento motor, foi um choque muito grande! Nós lutamos contra o tempo para retardar a doença. Mas eu sempre a vi perfeita e a amei do jeito que ela é. O ensaio foi importante para a Clarinha, e mostrou que ela pode fazer o que quiser. Ela se divertiu muito, amou o ambiente e os animais, diz até que quer ser veterinária.”
Ana Carla Galvão de Lima, 35 anos, doceira, mãe da Anna Clara, 6

 

. (Foto: Mykaella Carbonera)

(Foto: Mykaella Carbonera)

Isis: guerreira
“Ela nasceu prematura de 28 semanas e passou 52 dias na UTI. Foi uma luta intensa, pois Isis tinha poucas chances de sobreviver. Quando o pediatra pediu uma tomografia, descobrimos a hidrocefalia. Hoje com 3 anos, felizmente minha filha é uma criança alegre e contagiante, não para um minuto, ainda que, por enquanto, use um andador.  Ela gosta muito de tirar fotos e aproveitamos para levar a nossa cachorra Nicole, que é bem tranquila, à sessão. Foi lindo ver as duas juntas.”
Ana Aleticia Biazzi, 33 anos, publicitária, mãe da Isis, 3

 

. (Foto: Mykaella Carbonera)

(Foto: Mykaella Carbonera)

Rebecca: vitória contra o câncer
“Em 2017, recebemos o diagnóstico de leucemia da Rebecca. Foi como se o mundo tivesse caído sobre os meus ombros. O tratamento estava indo bem, mas, com o tempo, os exames mostraram que ela precisaria fazer um transplante de medula óssea. De novo, tudo desabou. Meu filho mais velho era apenas 50% compatível, por isso estávamos buscando um doador. Em 2018, a Mykaella entrou em contato perguntando se tínhamos interesse em fazer um ensaio fotográfico com a minha filha. Na hora, isso veio como um suspiro. Nós vivíamos um momento muito tenso, mas a Rebecca amou o ensaio, porque ela já é exibida por natureza. Logo depois, encontramos dois doadores compatíveis. Foi uma festa! O transplante foi um sucesso e, recentemente, Rebecca fez um novo ensaio curada, com seu cabelo lindo visto nesta foto.”
Patriccia Julyana Ruzzon Marchi Ally da Silva, 42, empresária, mãe da Rebecca, 5

 

. (Foto: Mykaella Carbonera)

(Foto: Mykaella Carbonera)

Lorenzo: À vontade na natureza
“Meu filho nasceu prematuro, com baixo peso, cardiopatia e má-formação dos membros superiores. O médico da UTI neonatal sugeriu que eu e meu marido procurássemos um geneticista, pois era muito provável que Lorenzo tivesse uma síndrome. Foi então que recebemos o diagnóstico da síndrome Cornélia de Lange, bastante rara. Foi difícil, parece que o chão se abre. Mas sempre agradecia por ele estar vivo. Quando surgiu a oportunidade de fazer o ensaio, achamos bem bacana! Essa ligação com a natureza faz toda a diferença. Curtimos muito! Como Lolo quase não tem contato com animais a não ser o nosso cachorro, achei que iria estranhar, mas ele curtiu e não teve medo. O gato também gostou dele e rolou uma interação muito natural.”
Sheyla Yamaguchi Braz Padilha, 42 anos, dona de casa, mãe do Lorenzo, 7

 

. (Foto: Mykaella Carbonera)

(Foto: Mykaella Carbonera)

Pedro Gabriel: amor pelos cavalos
“Eu estava com cinco meses de gestação quando descobri que meu filho tinha mielomeningocele, má-formação no tubo neural. Ele passou por cirurgias nos pés, na coluna, na língua, nos testículos. Com 1 ano e 7 meses, fez um transplante com células-tronco, que gerou uma grande melhora. Em 2019, participou do ensaio e  foi muito importante. O Pedro Gabriel tem uma paixão muito grande pelos cavalos, e ficou superfeliz de fotografar com um!” 
Nadja Kelly Brito Bezerra Cavalcanti, 37, dona de casa, mãe do Pedro Gabriel, 6

 

. (Foto: Mykaella Carbonera)

(Foto: Mykaella Carbonera)

Ana Laura: peixinha
“A Ana foi diagnosticada com a doença de Pompe [distúrbio neuromuscular] com apenas 3 meses. Desde então, começou nossa luta pela vida. Ela é o nosso milagre! Como essa doença é rara, achei legal fazer o ensaio fotográfico, como forma de divulgação. A maioria das pessoas não sabe que a doença existe. Fotografamos perto de um riacho lindo, a Ana adorou, porque ela ama água, queria entrar e nadar. A Mykaella também sugeriu que Ana levasse o ursinho e ela amou a ideia.”
Michely Cavaler Correia, 35 anos, dona de casa, mãe de Ana Laura, 4

 

. (Foto: Mykaella Carbonera)

(Foto: Mykaella Carbonera)

Arthur: ele pode ser o que quiser
“Soubemos que o Arthur tinha a síndrome de Treacher Collins só no dia de seu nascimento. Os  exames de pré-natal não indicaram nada de diferente. Quando ele nasceu, levamos o maior susto, ficamos desesperados. Ele precisou ser intubado e foi para a UTI neonatal. Foi então que os médicos resolveram fazer uma traqueostomia, para que ele pudesse ir para casa. Com o tempo, as coisas foram melhorando. O Arthur sempre foi um bebê muito forte. Decidimos fazer o ensaio para que ele participasse de algo novo e para que, de alguma forma, as fotos contassem um pouco da sua história. Desde que Arthur era pequeno, mostramos que pode fazer o que quiser, que sempre estaremos ao lado dele.“
Gilmara de Fatima de Andrade,  33 anos, estudante, mãe de Arthur, 5.

Você sabe o que é capacitismo?

Segundo Ciça Melo, mestra em Psicologia Comportamental e fundadora do Movimento Paratodos, essa é uma atitude de preconceito e discriminação que vê a pessoa com deficiência como incapaz de cuidar da sua própria vida e inapta para a escola e trabalho. A especialista explica que certos conceitos acabam carregando a noção que uma pessoa com uma deficiência é incapaz. O termo “especial”, por exemplo, remete a ideia de segregação, quando as crianças precisavam ficar em classes separadas. Por isso, que a terminologia correta é pessoa com deficiência. “Primeiro vem o indivíduo, depois a sua característica”.