• Lia Bock
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Solidão materna (Foto: Getty Images)

Solidão materna (Foto: Getty Images)

Eu já tinha ouvido falar da solidão materna. Um sentimento tão inexplicável quanto óbvio. Inexplicável porque empurraram na gente a romantização da maternidade, aquela que pinta que a mulher fica completa quando chega o bebê e só fala da felicidade maravilhosa que nos invade (aham!). E óbvia porque o isolamento inerente aos primeiros meses não tem como gerar outro sentimento que não uma sincera solidão.

Curso SOS Maternidade (Foto: Divulgação)

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Senti alguma coisa nessa linha, mas nada grave, nas minhas duas primeiras gestações, uma há 10 e outra há 5 anos. Tinha muitas amigas com filhos da mesma idade e não faltou energia para me puxar pra fora do buraco e me meter em lugares aconchegantes com o bebê no sling.

Mas da terceira vez foi diferente. Tive gêmeas, duas meninas lindinhas. A terceira e quarta filha. Claro que foi um susto, mas também fez muito sentido elas serem duas (acho que filho, depois que nasce, sempre faz sentido). Mas a duplicidade trouxe uma nova realidade.
Não consigo colocar as bebês no sling e sair andando ou sentar numa restaurante com as amigas. O carrinho é imenso, é pesado e a ginástica para sair sozinha com as duas é grande. Gigante. Dá uma preguiça danada. Sem falar que quando estou só, tem apenas um colo e por isso preciso contar com a boa vontade dos amigos que estão em volta. E precisar dos outros cansa. Traz humildade, verdade, mas também um sentimento de inadequação estranho.

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E assim, o mundo foi ficando lá fora e eu e minhas bebês aqui dentro. Pelo Instagram todos parecem felizes, gregários e a céu aberto, enquanto o sentimento de fim do mundo se mistura ao amor sob nosso teto. E aquela solidão aguda e nada gentil só cresce.
E o pai? O pai é paceirão e quando estamos os dois podemos conquistar 24 territórios. Mas quando ele está só com as pequenas também precisa lidar com o duplo twist carpado que é ter duas bebês ao mesmo tempo. Não tenho dúvidas que a solidão materna é também paterna para casais com divisão justa como nós. Mas eu só posso mesmo é falar de mim.
Amamentar duas bebês ao mesmo tempo fora de casa é um trampo. Dar a papinha improvisada na rua é puxado. Ninar, arrotar, entreter… é tudo possível, mas extremamente intenso quando duplicado. E assim, a preguiça de sair cresce e puxa com ela o sentimento de isolamento e inadequação. A isso, os especialistas dão o nome  de solidão materna.
No meu caso ainda tem um agravante. Quando a família (no melhor estilo os meus, os seus e os nossos) está completa somos 7, um número nada convidativo e que assusta muita gente. Eu pessoalmente não acho muito, acho suficiente, mas o mundo insiste em mostrar que quem está fora do padrão deve arcar com as consequências. No nosso caso ela se converte em um pouco mais de isolamento.

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Daí chego ao ponto que gostaria: quando pesquisei sobre essa solidão pela primeira vez me deparei com explicações que passavam muito por sentimentos, puerpério, depressão, tudo muito interno da mulher. Mas hoje tenho a certeza de que parte da responsabilidade é do mundo, pouco preparado para lidar com os sentimentos (o puerpério e a depressão) das mães. Um mundo que não usa a lógica peculiar de quem teve um (dois ou multiplos) bebês há pouco tempo e acaba, sim, isolando (física e socialmente) essas mães. Qual é essa lógica? Simples: me ajuda, me chama, me pega no colo pelo amor de deus.
Então, dá próxima vez que passar pela sua cabeça "ah, fulana está com bebê pequeno, nem vou convidar" ou "a família agora é muito grande, não dá" ou "deve ter muita gente indo lá, melhor não visitar" ou ainda "depois que tiveram filhos nem estamos mais tão amigos assim, desencana de chamá-los" tenha em mente que você está deixando de resgatar uma mãe das profundezas desse inferno (ops, quis dizer do paraíso).

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Lia Bock (Foto: Arquivo pessoal/ Lia Bock)

(Foto: Arquivo pessoal/ Lia Bock)

Lia Bock é jornalista, escritora e mãe de 4 crianças. É autora do Meu primeiro livro, um diário inclusivo para registro dos primeiros anos de vida e do Manual do mimimi, com crônicas sobre relacionamento. Também é colunista do UOL e editora da Plataforma Hysteria. Na sua casa todos podem riscar a parede e comer a sobremesa na frente da TV '-)