• Carolina Juliano
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Lívia é um bebê da pandemia. Ela nasceu há um ano e quatro meses com síndrome de Down. Por conta das restrições impostas pelo momento – e para não se expor tanto a fim de evitar o contágio pelo coronavírus –, a mãe, a dentista Carolina Bastos da Costa, 42 anos, fez um pré-natal apenas com os exames indispensáveis.

Mas, mesmo as duas medições que poderiam dar alguma pista da síndrome (transluscência nucal e ponte nasal, realizadas nas ultrassonagrafias morfológicas), não indicaram nada. Foi apenas na 35ª semana que, durante a medição dos ossos longos na ultrassonografia morfológica, o técnico apontou uma discrepância no tamanho do fêmur, em comparação com os dados de referência.

Menina com síndrome de Down (Foto: Nicole Barts/Pexels)

Estima-se que, no Brasil, a cada 700 nascimentos, um é de uma criança com trissomia 21 (Foto: Nicole Barts/Pexels)

"O exame me deu três hipóteses: poderia ser apenas uma criança estruturalmente pequena, com síndrome de Down ou acondroplasia, que é o nanismo”, conta Carolina. “Eu entrei em um desespero tão grande que a médica, que é minha irmã, decidiu antecipar o parto por conta do meu nervosismo e ansiedade, e a Lívia nasceu com 37 semanas e dois dias.”

A confirmação de que a filha tinha mesmo síndrome de Down só veio depois de um mês, com o resultado do exame cariótipo, que foi pedido ainda na maternidade. Esse é um exame que analisa os cromossomos do bebê e detecta se existe alguma alteração genética neles.

O que é a síndrome de Down (T21)

Também chamada de trissomia do cromossomo 21, a síndrome de Down é gerada pela presença de uma terceira cópia do cromossomo 21 em todas as células do organismo. Isso ocorre na hora da concepção de uma criança. As pessoas com síndrome de Down têm 47 cromossomos em suas células, em vez de 46.

“A ocorrência da T21 é ocasional. É um evento que pode acontecer com qualquer pessoa na hora da formação dos nossos gametas, do óvulo ou do espermatozoide”, explica a pediatra Ana Claudia Brandão, que tem foco em crianças e adolescentes com T21, do centro de especialidades pediátricas do Hospital Israelita Albert Einstein, de São Paulo (SP).

Segundo ela, existem alguns fatores conhecidos que podem favorecer a incidência da síndrome, mas nada tem a ver com hereditariedade. “Quando um casal gera um filho com síndrome de Down, existe uma chance maior de ter outro também com alguma condição genética, dentre as quais a trissomia 21; o mesmo ocorre com casais mais velhos.”

De acordo com a Federação Brasileira das Associações de Síndrome de Down, estima-se que, no Brasil, a cada 700 nascimentos, um é de uma criança com trissomia 21, o que totaliza em torno de 270 mil pessoas com síndrome de Down no nosso país.

Nos Estados Unidos, segundo a National Down Syndrome Society (NDSS), a taxa de nascimentos é de 1 para cada 691 bebês, sendo em torno de 400 mil as pessoas com síndrome de Down naquele país. Já, no mundo, a incidência estimada é de 1 em 1 mil nascidos vivos. Ou seja, a cada ano, cerca de 3 mil a 5 mil crianças nascem com síndrome de Down no planeta.

Terapias e outros recursos

Com o diagnóstico confirmado, Carolina se fechou para o mundo com a filha para entender o que estava acontecendo e se conectar com ela. “Eu levei um soco na cara e não sabia como reagir, então passei um mês sem querer ver ninguém e tentando me informar”, conta.

Ela só deu a volta por cima quando, ao final do primeiro mês de vida, Lívia pegou o vírus sincicial respiratório – VSR, responsável pela maioria dos casos de infecções respiratórias em bebês, entre elas, a bronquiolite – e ficou 30 dias internada. “No tempo que passei com a Lívia no hospital, a síndrome desapareceu para mim, eu só queria que a minha filha sobrevivesse e, aos poucos, fui me dando conta de que eu tinha uma menina perfeita.”

A partir daí, a rotina da família mudou. Apesar de a filha ter nascido sem nenhuma comorbidade associada à síndrome, a dentista se informou sobre todas as terapias de estimulação precoce que um bebê como a Lívia precisa fazer. “Diminuí a minha carga de trabalho, coloquei o meu filho mais velho, Lucas, então com 3 anos, na escola em tempo integral, e aprendi muito com a convivência com as outras famílias que encontrava na clínica das terapias.”

A pediatra Ana Cláudia explica que não existem graus ou níveis para a síndrome de Down – o que pode haver é uma pessoa com T21 com mais questões de saúde do que a outra. “Esse cromossomo 21 a mais leva essas pessoas a terem uma frequência maior de problemas de saúde. Algumas têm várias comorbidades, outras não apresentam nenhuma”, diz.

Independentemente de ter ou não comorbidades, como é o caso de Lívia, os bebês com T21 necessitam de alguns cuidados a partir das primeiras semanas de vida. “Normalmente, eles precisam de fisioterapia para estimular as questões motoras e do auxílio de uma fonoaudióloga, principalmente para cuidar da musculatura da face, para prepará-la para desenvolver a linguagem verbal e ajudar na deglutição, para mamar e evitar refluxos”, completa Ana Cláudia.

337 Sindrome Down Entre avancos e desafios Lívia (Foto: Acervo pessoal)

Lívia tem 1 ano e 4 meses e nasceu com síndrome de Down (Foto: Acervo pessoal)

Expectativa de vida

Conforme a criança cresce, outros profissionais vão chegando para ajudar em cada fase. A Terapia Ocupacional, por exemplo, é importante para dar orientação de integração, sentido, otimizar a motricidade fina, orientar a autonomia de atividade de vida diária, como colocar o sapato, se pentear, tomar banho e se alimentar. Em idade escolar, algumas crianças precisam, ainda, do acompanhamento de uma pedagoga.

“A expectativa de vida das pessoas com T21 na década de 1970 era de 12 a 20 anos e, no momento, está entre 60 e 70 anos”, diz o geneticista e pediatra Zan Mustacchi, responsável pelo Departamento de Genética do Hospital Darcy Vargas, em São Paulo (SP), e coordenador da única especialização lato-sensu em síndrome de Down do Brasil, na Faculdade de Medicina do ABC.

Essa expectativa quase que triplicou somente na última década e, segundo Mustacchi, um marco fundamental foi a evolução das cirurgias do coração a partir da década de 1980  (uma conquista, já que a cardiopatia congênita era uma das principais causas de morte), além de um melhor entendimento da parte nutricional, do ponto de vista das deficiências de nutrientes, vitaminas e elementos químicos que a T21 traz. “Tudo isso, claro, caminha junto com os avanços do entendimento da T21 por parte da sociedade”, afirma o geneticista.

As principais conquistas do Brasil nos últimos anos, segundo a jornalista Patrícia Almeida, que é membro do Conselho da Down Syndrome International e cofundadora do Movimento Down, foram as nossas leis, que avançaram no sentido de garantir os direitos básicos às pessoas com T21.  O SUS, por exemplo, oferece atendimento multidisplinar, embora isso ainda funcione melhor nos grandes centros. “Evoluímos como legislação e sociedade graças à educação inclusiva, à Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, da ONU, e à Lei Brasileira da Inclusão.”

Segundo Patrícia, o Brasil tem uma das leis mais avançadas do mundo, mas a sua implementação ainda é falha. Apesar de terem direito a estar em escolas regulares, por exemplo, muitas instituições ainda não aceitam essas crianças, e a sociedade, como um todo, tem uma série de atitudes “capacitistas”, que consideram que uma criança com deficiência é menos do que uma sem.

Pensando em ajudar as famílias que não conhecem os direitos de seus filhos, o Movimento Down reúne em sua plataforma uma série de informações para tornar cada pai ou mãe um ativista nessa causa. Dentre esses informes, está a cartilha Escola para todos, que explica tudo sobre o direito da matrícula em uma escola regular.

Referências além da ciência

A produtora cultural Gabriela Laborda, 47 anos, não encontrou nem nas leis nem nas informações médicas o conforto de que precisava quando teve a Maíra, hoje com 6 anos. Mesmo tendo durante a gestação um resultado negativo para qualquer síndrome, sua filha nasceu com a de Down.

“Fiquei obcecada pelo que passei e fui atrás de informações, mas o que encontrava vinha apenas da ciência e dos médicos, que não necessariamente tinham uma filha como a minha. Eu queria saber de alguém que tivesse a mesma experiência, como era o dia a dia”, conta.

Gabriela desenvolveu, então, um projeto para conectar famílias que estavam recebendo diagnóstico e famílias que quisessem dividir suas experiências, e, assim, criou o Chat 21 (Central Humanizada de Acolhimento Trissomia 21). “O mais difícil para mim no diagnóstico foi me descobrir uma pessoa preconceituosa. A dificuldade de entender a minha filha veio muito do preconceito que eu tinha e nem sabia”, diz a mãe. “Não estar sozinha no momento do susto e poder se sentir acolhida é o mais importante para mim.”

337 Sindrome Down Entre avancos e desafios Maíra (Foto: Acervo pessoal)

Maíra, hoje com 6 anos, nasceu com síndrome de Down (Foto: Acervo pessoal)

O Chat 21 é uma central que acolhe a família, via atendimento virtual e gratuito, a partir do momento em que ela recebe um diagnóstico de síndrome de Down. Por meio de um contato via plataforma, a família é direcionada para grupos virtuais que buscam atender e esclarecer a dúvidas e questionamentos, trocando impressões com outras famílias.

“Ter um recém-nascido já é mais complexo do que nós pensamos antes de ele nascer, ter um bebê com condições que desconhecemos é ainda mais desafiador”, conta Gabriela. Para ela, o mais duro nos seis anos da Maíra, depois do susto do diagnóstico, foi a incerteza de não conhecer a filha.

“Os primeiros seis meses passei em alerta, não sabia o que podia e o que não podia fazer, queria colocá-la numa redoma de vidro, mas também não achava que podia. A troca de experiências nos ajuda muito nisso, até você estabelecer um entendimento do seu bebê.”

Diagnósticos e cuidados

O diagnóstico da síndrome de Down e a orientação inicial são fundamentais para garantir o desenvolvimento das crianças. Já na maternidade, o ideal é que o pediatra oriente não apenas sobre terapias e cuidados com a saúde do bebê, mas também forneça informações sobre a vida que ele pode ter. Segundo especialistas, essa boa expectativa dos pais é crucial nesse momento inicial de vínculo com o bebê.

Uma criança com síndrome de Down tem uma saúde mais sensível e é suscetível a uma série de comorbidades já conhecidas que, se diagnosticadas precocemente, podem ser tratadas de forma a não prejudicar o seu desenvolvimento.

As principais são: cardiopatia congênita, hipotireoidismo e alterações visuais (é importante fazer um exame ainda na maternidade ou consultar um oftalmologista no primeiro mês de vida), como catarata congênita, glaucoma ou estrabismo. Também é necessário fazer uma avaliação auditiva, que é outro problema comum que pode vir associado à síndrome.