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Por Gabriel Oliveira — São Paulo


Como tantos brasileiros, o analista de sistemas Fabiano Pereira travou uma árdua luta contra a balança desde a infância. Os exercícios sempre estiveram por perto, mas nunca como prioridade para uma vida saudável. Isso mudou quando, sofrendo do temido "efeito sanfona", chegou a pesar 140kg. Ele passou por uma inicialmente indesejada cirurgia bariátrica, que acabou se transformando no que o hoje triatleta precisava para adotar o esporte como hábito, passar a competir e chegar ao Ironman, o evento mais importante de longas distâncias de natação, ciclismo e corrida.

— Eu sou outra pessoa. Logo depois da cirurgia, eu estava me sentindo muito bem. Mas o esporte abriu outros horizontes que eu não havia enxergado ainda. Hoje, eu tenho muito mais foco, resiliência, determinação e superação para alcançar e ultrapassar os limites. Hoje eu sou uma pessoa bem mais feliz. Eu me encontrei com o esporte — conta Fabiano, de 45 anos, atualmente pesando 85kg.

Fabiano Pereira chegou a pesar 140kg (esq.) e, depois de cirurgia bariátrica, emagreceu 55kg e virou triatleta — Foto: Montagem/Arquivo pessoal

Operado em 2017, o analista de sistemas se interessou pelo esporte em maio de 2023, quando participou de uma prova de 12h de mountain bike em equipe, em Campinas (SP), na qual se destacou. A convite de um amigo, entrou para o triatlo e, com só seis semanas de preparação, alcançou o 5º lugar de sua categoria na primeira prova da qual participou, a TRIDAY Series, em Sorocaba (SP), em julho de 2023.

Motivado a continuar competindo, Fabiano disputou o IRONMAN 70.3 em Florianópolis (SC), no último dia 14. Apesar do cancelamento da natação (1.900 metros) por causa do mau tempo, o triatleta pedalou 90km e correu outros 21km, mirando o objetivo de conseguir o índice de classificação para a prova mundial.

— Normalmente, essa evolução de passar pelas provas até chegar ao Ironman leva certo tempo. Pelo menos treinando um ano, dois anos, às vezes até mais, e eu já estou atingindo o meio Ironman com oito meses de treino.

Fabiano Pereira (esq.) com o treinador, Rafael Silva, em dia de prova do Iroman — Foto: Arquivo pessoal

Metas e foco passaram a fazer parte da vida de Fabiano a partir da transformação propiciada primeiro pelo bariátrica e depois pelo esporte.

— Até recentemente, parecia que vivia uma vida fora do trilho, meio sem objetivo e sem foco. O esporte me colocou nos trilhos novamente, e minha vida está dando uma guinada.

Luta contra a balança

Com sobrepeso desde criança, Fabiano sempre lutou contra a balança, vivendo entre dietas, exercícios e esportes que, admite o triatleta, não tinham outro objetivo a não ser estético.

Quando serviu ao Exército, a partir dos 18 anos com o serviço militar obrigatório, até conseguiu manter o peso dentro dos parâmetros considerados normais para o seu 1,80 metro de altura. Só que o efeito sanfona continuou a incomodá-lo.

Ele voltou de um intercâmbio no Canadá pesando 110kg - 20 a mais do que o peso com o qual havia viajado para lá, 12 meses antes. Em uma rotina de trabalho com longos períodos de deslocamento e pouco tempo para alimentação saudável e exercícios físicos em São Paulo, chegou aos 140kg.

— Eu não enxergava que estava daquele tamanho. Eu não me enxergava com 140kg. Isso era muito louco. Até um dia que eu peguei uma foto minha. Na hora que eu olhei e tirei a foto, "nossa, eu estou deste tamanho?". Só assim que eu acordei.

Cirurgia bariátrica indesejada

Quando se mudou para uma residência perto do escritório onde trabalhava, Fabiano voltou a se alimentar adequadamente e a fazer musculação diariamente. Preocupado com a saúde em razão da obesidade, decidiu procurar uma médica. Mas a recomendação dela, logo na primeira consulta, o surpreendeu.

— No que eu entrei no consultório, a médica se assustou. "Nossa, você está muito fora do seu peso, né. Já pensou em fazer cirurgia bariátrica?" Eu respondi: "Pensar, eu pensei, mas eu tenho condições de, com dieta e exercício, emagrecer". Ela pediu exames. Fiz os exames e, no retorno, a médica falou que eu estava com colesterol alto, pressão alta e pré-diabético. Tudo alterado. Ela disse: "Você precisa emagrecer para ontem e, para emagrecer o tanto que precisa, pelo menos uns 30kg ou 40kg, pode levar anos".

Encaminhado ao gastroenterologista, Fabiano ouviu a mesma recomendação.

— Primeira pergunta dele era se eu queria operar. Eu falei: "Não, não quero, porque, para mim, é o fundo do poço". Ele disse: "Eu tenho literatura que te provo que você não vai conseguir o que precisa no tempo que precisa". Fui conversando muito com o médico, acabei criando empatia e operei.

— Eu me arrependi muito de não ter feito isso antes. Foi a melhor coisa que eu fiz na minha vida. Hoje eu até agradeço ao meu médico, porque ele me deu uma nova perspectiva de vida.

Fabiano Pereira logo após a cirurgia bariátrica, em 2017, ao lado da esposa Valéria e do amigo Antônio — Foto: Arquivo pessoal

Com a bariátrica, que exige reeducação alimentar e tratamento psicológico, que o fez perceber o quanto era compulsivo por comida, Fabiano chegou a perder 60kg em um ano.

— Fui sempre muito 'sanfona'. Desde a minha infância, sempre vivi de dieta. Com a bariátrica, eu tive a perspectiva de ter uma vida mais saudável, de controle de peso, de saúde e até de autoestima.

Com cirurgia bariátrica, Fabiano Pereira chegou a perder 60kg — Foto: Arquivo pessoal

Transformação pelo esporte

Por orientação médica, intensificou a rotina de exercícios físicos, principalmente musculação, mas também caminhadas, corrida e ciclismo.

Ele se manteve assim, sem muita identificação com esporte, até 2022, quando decidiu contratar um personal trainer para fazer treino funcional e kickboxing. Isso para, nas palavras dele, fazer uma atividade diferente da rotina maçante de academia.

Quando crises de ansiedade começaram a atormentá-lo no início de 2023, Fabiano relembra que teve a bebida alcoólica como válvula de escape.

— Eu comecei a perder a mão nisso. Eu já estava pré-alcoólatra. Eu gosto muito de vinho. Eu abria uma garrafa, tomava uma garrafa e queria outra. Eu abria outra garrafa às vezes. Eu comecei a me entorpecer de álcool para abafar aquilo de ruim que estava sentindo.

Fabiano Pereira (esq.), ao lado do irmão Fabio, na prova de mountain bike que o fez se apaixonar por esporte — Foto: Arquivo pessoal

Vendo que Fabiano estava mal psicologicamente, o irmão o chamou para participar de uma prova de mountain bike, com 12h de duração, a ser realizada em revezamento.

— Comecei a treinar e a me dedicar mais à bicicleta, justamente me condicionando para fazer a prova. Fiz mais exercícios de perna e esteira. Chegou o dia da prova, e eu acabei me destacando na equipe, porque cada um dos meninos deu quatro voltas e eu acabei dando oito voltas. Não porque eu quis ser melhor do que eles, não, mas porque eu estava me sentindo melhor.

— Nesse processo de preparação, você acaba focando a cabeça em outras coisas, e o exercício faz isso, você começa a arejar a cabeça e a pensar em outras coisas. Eu percebi que não tinha dado mais crise de ansiedade. Nunca mais tive crise. E, lá no dia do evento, eu acabei me identificando com aquele ambiente de competição.

Entrada para o triatlo

Decidido a continuar no ciclismo, Fabiano procurou outras provas para participar, mas acabou indo para o triatlo por convite de um amigo, cujo treinador, Rafael Silva, passou a ser o preparador dele também.

Foram seis semanas de treino, com aulas de natação, bicicleta e corrida, que o fizeram ser o 5º colocado de sua categoria logo na primeira prova da vida - com 750 metros de natação, 20km de bicicleta e 5km de corrida.

— Aí bateu aquela empolgação. Eu já estava empolgado naquela minha primeira prova de ciclismo, que eu tinha me sentido bem, e, na minha primeira prova de triatlto, eu tinha sido o 5º? "Nossa, descobri meu talento" — relembra o analista de sistemas.

Fabiano Pereira na linha de chegada da primeira prova de triatlo que disputou, a TRYDAY Series, em julho de 2023 — Foto: Divulgação/Arquivo pessoal

Ele queria subir de patamar já em novembro, quando haveria uma IRONMAN 70.3. O treinador, contudo, brecou a ideia por não haver tempo suficiente para uma preparação física adequada.

Fabiano passou, a partir dali, a treinar de olho no triatlo e a participar de diversas provas pelo Brasil. Em uma delas, em Santos, estava tão confiante de que subiria ao pódio que chamou a família inteira para assisti-lo. Deu tudo errado. No mar, teve uma crise de ansiedade, não conseguiu nadar e precisou sair. Desclassificado, pediu para fazer os percursos de bicicleta e corrida só para não deixar de completá-los.

— Durante toda essa minha preparação, eu carreguei comigo que Santos tinha sido a minha pior prova. Mas, na verdade, tinha sido minha melhor prova. Porque o triatleta nasceu naquele dia, em Santos. Depois de lá, parece que tirou uma venda dos meus olhos.

— Foi ali onde eu realmente entendi o esporte, o que o esporte é. Não só o triatlo, qualquer esporte é isso. Você não tem que fazer as coisas para provar para os outros que é melhor do que eles. Você não é melhor do que ninguém. Você tem que fazer as coisas por você. E eu tinha entrado no esporte porque era algo que estava me fazendo bem e feliz. Eu tinha deixado aquilo de lado naquela prova. Foi onde eu entendi. Eu me tornei uma pessoa muito mais feliz.

Com o esporte, Fabiano teve a vida e a saúde transformadas. Hoje está com 55kg a menos do que no auge da obesidade. Colesterol alto, hipertensão, pré-diabete e crises de ansiedade foram embora. Até uma úlcera que o acompanhou por anos, mesmo após a cirurgia bariátrica, acabou curada.

— O esporte sempre estava meio que presente na minha família, mas eu nunca tinha levado a sério. A partir da prova em Campinas, ali me deu um brilho no olhar, porque eu vi que aquilo iria me fazer bem. Naquele momento virou a chave. Naquele momento, eu coloquei na minha cabeça que eu iria ser atleta.

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