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Resenhista literária no TikTok, a americana Courtney Henning Novak iniciou este ano o desafio de ler e comentar a obra de vários países seguindo a ordem alfabética. Os vídeos sobre livros de nações como Áustria, Bélgica e Benin foram se sucedendo sem tanta repercussão — o mais popular deles teve 60 mil visualizações. Até que, no último dia 15, Novak chegou ao título escolhido para o Brasil: a mais nova edição para o inglês de “Memórias póstumas de Brás Cubas”, com tradução de Flora Thomson-DeVeaux.

Os elogios rasgados de Novak ao clássico de Machado de Assis foram notados pelos brasileiros, povo conhecido nas redes por reagir de forma exagerada aos conteúdos sobre sua cultura. Em poucos dias, o vídeo passou das 1,2 milhão visualizações e tornou a tiktoker uma celebridade na entre internautas locais, que já a tratam por “diva”, “querida” e “queen”. Aproveitando o hype, a americana deixou, por ora, livros de outros países, para se concentrar em outro clássico de Machado, “Dom Casmurro”. “A pressão dos brasileiros é absolutamente real”, justificou ela em seu Instagram.

A comoção gerada por Novak confirma que o tema “Brasil” é mesmo uma garantia de likes e engajamentos, tornando-se um nicho inusitado tanto para criadores de conteúdo quanto para artistas em baixa em seus países. O ator americano Vincent Martella está longe de ser o mais notório do elenco do antigo seriado “Todo mundo odeia Chris”. Mas de tanto falar bem do país nas redes (seu Instagram já tem mais posts em português do que em inglês) ele é hoje mais popular por aqui do que protagonista da série, Tyler James Williams. Este último, por sinal, sempre se mostrou indiferente ao carinho do público brasileiro.

— As s empresas de marketing já entenderam como os fãs daqui são sensíveis a esse tipo de conteúdo — diz Adriana Amaral, coordenadora do Cultpop (Laboratório de Pesquisa em Cultura Pop, Comunicação e Tecnologias e pesquisadora do CNPq). — Quando Bruno Mars veio ao Brasil no ano passado, por exemplo, gravou um clipe específico para cá, passeando pela cidade com camisa da Seleção. Faço pesquisa comparativa com os outros países e sei que lá as campanhas são muito diferentes. Aqui o que funciona é o vínculo emocional com o país. O público está viciado em saber sobre a experiência do artista no Brasil, a reação emocional dele à nossa cultura.

Não por acaso, o roteiro de celebridades no Brasil costuma ser tão previsível. Perguntas dos fãs sobre brigadeiro e pão de queijo são quase sempre obrigatórias. Mas não é preciso ser famoso para ter sua opinião requisitada — basta ser de fora. Outro nicho forte na internet é o de imigrantes anônimos que viraram influencers compartilhando suas impressões sobre o país. Juntando Instagram e TikTok, o americano radicado no Brasil Daniel Spencer acumulou mais de 3 milhões de seguidores graças a posts como “9 razões porque odeio churrasco brasileiro” e “Coisas que me chocaram no Brasil”. Uma busca no Tiktok por “gringo” mais “Brasil” vai levar a inúmeros vídeos de outros estrangeiros reagindo às nossas músicas e pratos típicos.

— Grande parte da nossa identidade nacional é criada a partir do externo — diz Aianne Amado, pesquisadora de cultura pop e doutoranda da Escola de Comunicação e Artes da USP. — Em nossa formação cultural, existe um senso de “como nos veem?” que por vezes sobrepassa o “como nos vemos?”.

Segundo Aianne, nosso complexo de inferioridade seria ainda mais acentuado do que o de outros países da América Latina por conta da migração da Coroa Portuguesa para o Brasil no século XIX. A Coroa ocupou o topo da pirâmide hierárquica, de modo que os costumes e modos europeus se tornaram o padrão para o capital social, explica ela. Já o “brasileiro” descendente de escravizados e dos povos originários teria sido renegado à visão de “cultura inferior”.

— Quando alguém de fora menciona nossa cultura, e especialmente de maneira a exaltá-la, como no caso da leitora de “Memórias póstumas”, vemos como uma especie de validação — diz a pesquisadora, que estudou em sua dissertação as razões que levaram os fãs brasileiros a ficarem conhecidos como “os melhores do mundo” e o fenômeno de bandas como Fifth Harmony, que faziam shows vazios nos EUA e lotavam plateias por aqui. — Os fãs brasileiros são os mais intensos, mais engajados, mais apaixonados... apesar de não necessariamente os mais lucrativos — completa Aianne.

O comportamento histriônico dos internautas brasileiros mudou a vida do youtuber Clinton Manigault, mais conhecido no mundo digital como Gooney Googles. Durante a pandemia, o ex-fuzileiro naval americano criou um canal no YouTube com suas reações a filmes, depois a músicas e apresentações de artistas.

Quando começou reagir a obras brasileiras, seu número de assinantes pulou em pouco tempo de 2 mil para 300 mil. Sua reação a “Negro drama”, do Racionais MC, tem hoje mais de 3 milhões de visualizações e gerou um convite para assistir a um show da banda no Brasil no ano passado. Clinton, que nada sabia sobre o Brasil antes do canal, voltou todas as energias para o país. Passou a legendar todos os seus vídeos em português e, no fim, acabou levando o meme “Please come to Brazil (“Por favor, venha para o Brasil”) ao pé da letra. Mudou-se para Goiânia no início deste ano.

— Com o tempo os comentários das pessoas no meu canal foram ficando mais e mais pessoais, do tipo “mano, quero te conhecer você, vamos tomar uma bebida e trocar ideias” — conta ele. — Vocês são esse país enorme que produziu tanta arte que é usada por outros artistas de outras nações. Por isso, entendo que queiram uma opinião de fora. Testemunhar esse reconhecimento é confirmar o que muitos de vocês já sabiam.

O fato de Clinton não ser um especialista na cultura brasileira e mostrar genuína surpresa ao descobrir nossos artistas (é comum ver ele reagir com a frase “Como eu não sabia que isso existia?”) fez o público local gostar ainda mais dos vídeos produtor de conteúdo. O americano acredita que os seus seguidores estão mais interessados em uma conexão real do que em um “olhar profundo” sobre os artistas que ele analisa.

— Há criadores que claramente fingem interesse pelo Brasil apenas para gerar engajamento — diz Clinton. — É normal pela forma como as redes funcionam. Só que, se você só quer saber de visualizações e não tem interesse no conteúdo, vai ficar claro para todos que você vê os brasileiros como um número. As pessoas vão perceber que é um entusiasmo falso.

Antes de viralizar no vídeo da tiktoker Courtney Henning Novak, a nova tradução para o inglês de “Memórias póstumas de Brás Cubas” já havia recebido outras “validações” gringas. Nos EUA, onde foi lançado em 2020, teve seus exemplares esgotados em apenas um dia na Amazon e na livraria Barnes and Noble, as duas maiores redes do país. Também mereceu críticas positivas na imprensa especializada, incluindo do “The New York Times”, que chamou a nova edição de um “presente para os eruditos”. Apesar do prestígio do jornal, a repercussão entre os brasileiros na época não chegou nem perto da provocada pelo vídeo de Novak, uma tiktoker relativamente desconhecida, quatro anos depois.

A diferença é que Novak não fez uma análise complexa e técnica do livro de Machado. Ela compartilhou um depoimento emotivo e espontâneo, em que chamava “Memórias póstumas” de “melhor livro já escrito” e ainda terminava dizendo que “agora vou ter que aprender português”. Palavras que, é claro, desmancharam-se como mel nos ouvidos dos brasileiros.

— É claro que fiquei muito feliz com todos os elogios, mas uma coisa é o livro ser bem recebido pela critica, outra é atingir uma pessoa de forma espontânea, sincera e profunda — diz a americana Flora Thomson-DeVeaux, responsável pela tradução de “Memórias póstumas” lida por Novak. — O vídeo mostra uma pessoa se apaixonando pelo livro, e acho que foi isso que tocou tanto os brasileiros. Por mais que todos nós tivéssemosos uma noção dessa presença brasileira nas redes, o sucesso depois do vídeo pegou de surpresa até a Penguim (editora do livro nos EUA).

A repercussão do vídeo provocou diversas discussões sobre a relação dos próprios brasileiros com sua produção literária. Autor de livros como “A prova dos nove: alguma poesia moderna e a tarefa da alegria”, o jornalista, crítico e professor da Unicamp Eduardo Sterzi acredita que o deslumbre dos brasileiros com as palavras da tiktoker têm mais a ver com o tempo que gastamos na internet do que com literatura.

— É fácil chamar nossa atenção no Tiktok, ou onde que que seja, porque estamos sempre disponíveis — diz ele. — E talvez essa disponibilidade tenha a ver também, em alguma medida, com a carência psíquica e afetiva que se satisfaz com um pouco de atenção dispensada por qualquer estrangeiro, por mais irrelevante que este seja. Em suma, isso passa bem longe de qualquer discussão para valer sobre literatura. Tem mais a ver, suspeito, com saúde mental.

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