Vivemos hoje em um mundo muito maior do que antes: literalmente, ele é maior do que quando você nasceu. Isso não se deve a nenhuma explicação difícil de física, mas, sim, a uma realidade que permeia a todos nós: a internet.
Diferente de alguns anos atrás, a rede mundial de computadores deixou de ser um complemento da vida real – mais do que nunca, o ambiente virtual não é apenas uma ferramenta, ele é um espaço onde a vida acontece. Lá, trabalhamos, discutimos nossas ideias, formamos nossos laços afetivos e aprendemos.
Se isso é uma realidade para as gerações mais velhas, como os millenials (nascidos entre 1980 e 1994), geração X (nascidos entre 1965 e 1979) e baby boomers (nascidos entre 1946 e 1964), imagine para as novas gerações, que já nasceram em um mundo onde viver sem estar conectado é inconcebível. O virtual, nesse caso, é tão real quanto a própria realidade.
Essas novas gerações vivem tanto nesses espaços virtuais que eles inclusive já desenvolveram culturas próprias, que vão desde regras de etiquetas a expressões exclusivas de certos espaços. A mais nova que escapou da bolha Z nos últimos dias é o termo “cringe”, usado para designar coisas que causam vergonha alheia – especialmente, pessoas mais velhas que desconhecem a realidade deles (o presente) e vivem no passado.
Até mesmo a Educação, que todos sabemos que evolui a passos lentos, já iniciou o seu processo de integração com o universo virtual – muito mais por uma necessidade vinda da pandemia atual de COVID-19 do que de fato por uma busca por aprimoramento. Em 2020, praticamente todas as instituições de ensino realizaram suas atividades através do mundo virtual, já que o presencial estava fora de cogitação.
Contudo, de acordo com uma pesquisa realizada pelo Instituto Datafolha em novembro de 2020[1], o êxito dessa empreitada está se demonstrando abaixo do esperado – o rendimento dos alunos está baixo e a sua vontade de estar presente nessas aulas, ao contrário do que se esperava, está menor do que durante momentos presenciais.
O principal motivo para isso se dá pela desconexão da Educação com as novas gerações. Por mais que já esteja presente parcialmente no mundo virtual, ela o faz como uma transposição do que é feito no real (que já demonstrava sinais de que não funcionava mais tão bem) no virtual. Dessa maneira, ela não se conecta com a cultura e os valores dos atuais alunos: a geração Z e alfa. Para resolvermos isso, precisamos entender: quem são a geração Z e alfa?
Geração Z
Nascidos entre 1995 e 2010, a geração Z é aquela nascida junto com a popularização da internet. São conhecidos como os primeiros nativos digitais, tendo sua infância com acesso a computadores e tecnologias portáteis, como celulares. Ela é marcada por uma forte sensação de insegurança com o futuro. Essa geração é a que chegou na adolescência com a utilização de smartphones e foram os pioneiros nas grandes redes sociais, como Facebook e Instagram. Além disso, são marcados pela produção de conteúdo na internet, sendo a primeira geração a estrear as redes audiovisuais virtuais como Youtube e Twitch. Devido à insegurança de renda, são ávidos na busca de oportunidades de trabalhos através da internet, adeptos do ativismo político nas redes e mais prováveis que outras gerações a doenças psicossomáticas ou emocionais (isso também os faz mais conscientes sobre saúde mental do que qualquer outro grupo)[2].
Geração alfa
São as crianças nascidas a partir de 2011. Essa geração é a primeira que reside exclusivamente no século XXI (por isso alfa, a primeira letra do alfabeto grego). Por mais que muitas das particularidades do seu comportamento ainda possam mudar, já existem estruturas gerais que permeiam essa geração que podem ser identificadas.
Do ponto de vista tecnológico, essa geração é única: os primeiros “alfas” nasceram junto com o lançamento do iPad e boa parte deles foram introduzidos em tenra idade ao uso de smartphones. Um estudo feito no final de 2019[3] pelo .Me indica que menos de 2% dos membros da geração alfa (que tem o seu membro mais velho com 10 anos de idade) não utilizam nenhum tipo de tecnologia de comunicação, como celulares ou tablets. Além disso, cerca de 61% deles receberam esses dispositivos como “babás” para entretê-los.
Com isso, percebemos que, diferente até mesmo da geração Z, que viveu a implementação da internet na forma que vemos hoje, a geração alfa nasceu imersa em uma cultura virtual já bem consolidada e transita de forma muito mais intensa pelo mundo virtual do que pelo real, especialmente tendo seu período de formação de identidade acontecendo no meio da pandemia de COVID-19. Em uma pesquisa feita na Austrália pela WP Engine [4], 52% da geração alfa não consegue ficar mais de 4 horas sem o seu telefone e 54% tem amizades exclusivamente online.
Sabendo disso, o que muda na realidade educacional?
Tudo isso deixa muito claro que, muito mais do que uma ferramenta ou um complemento do mundo real, o ambiente virtual é tão real quanto a realidade em si. Nesse sentido, tudo aquilo que hoje deseja mirar esse público não pode ser feito de modo a usar o virtual como complemento do real. O que acontece neste meio deve ser feito de uma maneira própria e específica, se ajustando à cultura e linguagem da internet e dessas gerações, construídas em volta dos conteúdos on-demand e de consumo fácil e rápido.
Percebendo isso, vemos o quanto o modelo educacional de hoje é distante da realidade dos seus alunos. Se antes já era uma necessidade da Educação se adequar aos novos tempos, hoje já passa disso.
Se a Educação formal, feita por educadores formados e competentes, não mudar logo, ela será substituída pela Educação desregulada das redes, onde todo o tipo de deficiência educacional pode surgir.
Os conteúdos escolares já não fazem sentido com as demandas profissionais do futuro.
Conhecimentos específicos e pontuais sempre continuarão sendo necessários. Porém, em um mundo onde eles podem facilmente ser encontrados nas redes, a Escola precisa cada vez mais focar no desenvolvimento de habilidades socioemocionais: saber trabalhar em grupo, delegar tarefas, apresentar ideias e lidar com os seus próprios sentimentos.
Essas são as habilidades mais buscadas no futuro mercado, cada vez mais competitivo e automatizado e também são o que as novas gerações devem desenvolver.
Quanto mais evoluirmos, mais as máquinas serão capazes de fazer todo tipo de trabalho mecânico. A aplicação exata de fórmulas e receitas prontas será cada vez mais inútil. Contudo, enquanto tarefas que valorizam o trabalho manual continuarão em queda, teremos cada vez mais pessoas no mundo precisando de ideias, produtos e serviços novos. Com a decadência do mecanicismo, saímos da Era Industrial e entramos na Era do Conhecimento. A habilidade de criar, no sentido abstrato, é o futuro e se tem uma coisa que todos que já passaram pelo meio educacional sabem, é que o modelo usado desde o século XIX de aulas engessadas e padronizadas não produz pessoas fora da caixa – pelo contrário, em geral, ele faz questão de excluir aqueles que não se encaixam.
Mais do que nunca, precisamos repensar o currículo escolar, os horários de aula e todo o seu formato. Aulas não podem mais acontecer de forma passiva e uniforme para um grupo enorme de alunos. Visto toda a realidade das novas gerações, o modelo educacional precisa ser cada vez mais on-demand e ser imerso na cultura das novas gerações – a Educação precisa mergulhar na internet e incorporá-la em sua essência.
Porém, isso que expus acima não é novidade para ninguém. Já faz décadas que o meio acadêmico da Educação reflete sobre como ele não se encaixa nos valores do século XXI. Ao meu ver, o principal motivo que justifica os esforços infundados da Educação é a ausência de pares geracionais – para a Educação entender as novas gerações, ela precisa ser feita por elas e, infelizmente, cada vez menos jovens seguem carreira no magistério, o que impede esse movimento de acontecer. Hoje, apenas 2% dos jovens que estão no Ensino Médio pensam em ingressar em Pedagogia ou alguma Licenciatura.[5]
Observando a distribuição de profissionais de Educação por gerações, em uma pesquisa de 2007 temos os seguintes dados: 12% dos professores pertencem aos baby boomers ou builders (que teriam atualmente 60 anos); quase 56% pertencentes à geração X e o restante são millenials. Por ser uma pesquisa de 2007, não temos como saber quantos profissionais são da geração Z.[6] Contudo, podemos especular que seja um número ínfimo e a conclusão do nosso raciocínio se mantém – como a Educação se adequará à geração Z e alfa se nem mesmo os millenials trabalham para construí-la? Um Ensino pensado e aplicado em sua maioria pela geração X jamais vai inovar para se encaixar à cultura das novas gerações que estão vindo.
Sabendo disso, se queremos uma Educação que ressoe com os “zoomers” e “alfas” e consiga acompanhar o ritmo das mudanças globais, precisamos criar um fluxo de vida nova na Educação. Precisamos com urgência de jovens, que, como aqueles que agora são alunos, pertençam ao mundo virtual, conheçam a sua cultura a fundo e consigam adaptar o Ensino para essa realidade. A cada momento que não fazemos isso acontecer, muitos anos de atraso na Educação são adicionados ao futuro brasileiro.
[1] Educação não presencial na perspectiva dos estudantes e suas família. Disponível em: < https://fundacaolemann.org.br/releases/pesquisa-datafolha-aponta-legados-da-pandemia-para-educacao?gclid=CjwKCAjww-CGBhALEiwAQzWxOnNx4y4tDFRedJlQLQuNU6Q3iEsBer48Y-beyg389h_Fwltc9TePrxoCrycQAvD_BwE > Último acesso em 27 de jun de 2020.
[2] Mental Health of Children And Young People in England, 2017 [PAS]. Disponível em: < https://digital.nhs.uk/data-and-information/publications/statistical/mental-health-of-children-and-young-people-in-england/2017/2017 > Último acesso em 27 de jun de 2020.
[3] .ME. How is Generation Alpha using technology? Disponível em: <https://domain.me/how-is-generation-alfa-using-technology/ > Último acesso em 27 de jun de 2020.
[4] WP Engine. Generation Influence: results from the 2020 Gen Z report. Disponível em: < https://wpengine.com.au/gen-z-aus/> Último acesso em 27 de jun de 2020.
[5] Atratividade da Carreira Docente no Brasil. In.: Estudos & Pesquisas Educacionais – n. 1, maio 2010 – Fundação Victor Civita – São Paulo.
[6] MEC/Inep/Deed, Sinopse Estatística do Professor (2007)