Um Só Planeta

Por Maria Laura Neves


Txai usa vestido Normando  — Foto: Juh Almeida
Txai usa vestido Normando — Foto: Juh Almeida

"Meu pai me ensinou que precisamos escutar as estrelas, a lua, o vento, os animais e as árvores. Hoje, o clima está esquentando, os animais estão desaparecendo, os rios estão morrendo e as nossas plantas não florescem como antes. A Terra está falando. E está dizendo que não temos mais tempo.” Essas foram as primeiras palavras que Txai Suruí, uma brasileira nascida em Rondônia e na época com apenas 24 anos, disse para uma plateia que reunia líderes mundiais no mais importante encontro climático, a COP26, no ano passado, em Glasgow.

Em sua fala contundente e direta, alertou a audiência que, enquanto ela discute política ambiental em grandes salões climatizados e poltronas aveludadas, seu povo está sendo exterminado por defender o próprio território em solo brasileiro. A fala de Txai, que é coordenadora da juventude indígena do estado onde nasceu, tocou o mundo – e incomodou. Ela conta que um funcionário do alto escalão do governo brasileiro a intimidou nos corredores da COP. Jair Bolsonaro a criticou por “falar mal do Brasil”, o que rendeu a ela uma saraivada de ameaças e mensagens de ódio nas redes sociais. “Minha rede virou um inferno, eles agem como quadrilha mesmo, um enxame.”

Mas Txai não se calou. Meses depois foi chamada para uma palestra em um dos mais importantes centros de estudo sobre o Brasil, o Brasil Lab, na universidade de Princeton. Seu nome passou a figurar na imprensa internacional. Ganhou prêmios e reconhecimentos no Brasil e no exterior. No mês passado, lançou o documentário, O Território, do qual é produtora, no Central Park, em Nova York. O filme conta a história da luta do povo Uru-eu-wau-wau para proteger suas terras, em Rondônia, pelo seu próprio ponto de vista. É uma coprodução dos Uru-eu com a Documist, produtora do diretor Alex Pritz, e realizado pela Nat Geo Docs. Muitas das suas imagens são de autoria de Bitaté, jovem liderança que, a partir dessa experiência, passou a usar drones para vigiar os limites de seu território, registrando o desmatamento e invasões de terras por grileiros e garimpeiros ilegais. O documentário, que entrou para a seleção dos críticos do The New York Times, é a principal aposta da Disney para o Oscar 2023 e chega este mês no Brasil. “Não escolhemos lançar o filme agora por acaso. Precisamos mostrar ao mundo oque está acontecendo na Amazônia, as pessoas não têm ideia do que significa o desmonte dos órgãos ambientais”, conta Txai à Vogue, de sua casa em Porto Velho, onde cursa o último ano da faculdade de direito.

Txai usa vestido Tissé e brincos Brennheisen — Foto: Juh Almeida
Txai usa vestido Tissé e brincos Brennheisen — Foto: Juh Almeida

Em O Território, as consequências desse desmonte são retratadas de forma didática. Uma das cenas mostra membros da etnia Uru-eu-wau-wau defendendo a floresta das invasões de fazendeiros com arco e flecha. O filme também retrata o trabalho de Neidinha Bandeira, indigenista e uma das mais combativas ativistas pelos direitos dos povos indígenas de Rondônia. Neidinha é também mãe de Txai Suruí e fundadora da ONG Canindé, que completa30anos este ano, onde desenvolve o trabalho de proteção. “A ideia inicial dos produtores era fazer um filme sobre um último indígena de uma etnia que vive isolado e mora dentro de um buraco, mas a lei brasileira os protege do contato indesejado com os brancos. Fazer esse filme, então, seria impossível. Os produtores vieram para cá e conheceram minha mãe. Quem a conhece quer fazer um filme sobre ela”, diz Txai. A filha conta que, durante a pandemia, agentes de saúde não queriam levar a vacina para uma tribo cercada de invasões. “Para chegar lá, é preciso passar por uma área muito perigosa. Minha mãe conseguiu levantar dinheiro para pagar uma escolta para os agentes de saúde.” Txai também é filha do cacique Almir Suruí, defensor dos povos indígenas e eleito herói da floresta pela ONU.

O fato de ser filha de uma indigenista fez com que Txai crescesse transitando por diferentes mundos. “São no mínimo três”, diz. O primeiro é o não indígena, mais especificamente a cidade de Porto Velho, onde passou parte da infância e da adolescência morando com os avós maternos para estudar. O segundo mundo é o povo Paiter-Suruí, onde nasceu. O terceiro é o território dos Uru-eu-wau-wau, onde Neidinha trabalha até hoje. “Minha mãe diz que consigo ligar esses mundos muito bem e estabelecer diálogos. Acredito que isso é fruto de como cresci. Quando eu era criança, ela me levava para muitos territórios indígenas. E nós somos diversos”, diz Txai. “Meu povo fala uma língua diferente da dos Uru-eu-wau-wau, por exemplo. São troncos linguísticos e culturas muito diferentes. Como país, não sei se um dia teremos o entendimento que somos uma nação multicultural, que reconhece e se orgulha das diferentes culturas. Ainda hoje, a gente fala em descobrimento do Brasil sendo que sabemos que foi invasão e continuamos ensinando isso nas escolas para as crianças. Essa não é a nossa história, mas a dos colonizadores”, diz.

Dos povos Paiter-Suruí e dos Uru-eu-wau-wau, Txai diz que carrega a maneira de ver o mundo e a noção de coletividade. “Meu povo me ensinou que a gente não só vive na floresta, a gente é a floresta. Meu pai sempre fala sobre ouvir os sinais que ela dá. Essa onda de calor que aconteceu em Londres, por exemplo, ou os desabamentos e alagamentos no Brasil, isso é a floresta dizendo que não aguenta a maneira como está sendo tratada”, diz Txai. “Aqui na cidade, perdemos a conexão com a floresta. Chamá-la de recurso natural mostra como a estamos tratando, recurso é algo que a gente tira”, completa. “E esse diálogo também está ligado à nossa espiritualidade. Nós acreditamos que podemos receber mensagens dos espíritos da floresta por meio de sonhos. É curioso que outro dia estava lendo um livro sobre a etmologia dos sonhos Yanomami e eles, como nós, pensam que é possível falar com espíritos por meio deles. Para Freud, o sonho é uma expressão do desejo e, quando sonho com uma pessoa, é porque estou com saudades dela. Para os Yanomami, é a pessoa que está com saudades de mim.”

Txai usa vestido e cinto Tissé e brincos Brennheisen — Foto: Juh Almeida
Txai usa vestido e cinto Tissé e brincos Brennheisen — Foto: Juh Almeida

Entre as memórias de infância, Txai se recorda do período em que sua mãe levou um tiro de madereiros incomodados coma atuação em defesa dos territórios indígenas. “Eu tinha uns 10 anos, e era ela sair de casa para eu começar a chorar”, afirma. Aos 14 anos, as ameaças se intensificaram e ela, a mãe e a irmã precisaram de escolta. Mudaram de casa várias vezes porque não podiam ficar muito tempo no mesmo lugar, e as meninas iam acompanhadas de policiais armados para todo lugar, até mesmo para a escola. “Hoje, não tenho mais medo. O pior é que a gente se acostuma. É absurdo, mas é verdade”, diz. “Com o lançamento do filme, precisaremos redobrar o cuidado e a atenção porque as pessoas retratadas ali são reais.”

Isso porque mesmo antes do lançamento, O Território já estava repercutindo. Ela foi chamada para falar sobre ele no parlamento inglês. “O filme já gerou muitas discussões em lugares muito distantes. Estamos muito felizes e orgulhosos”, afirma. Ainda este ano, a ativista deve ir para a Austrália lançar o filme por lá e, na sequência, estará na COP27, que acontecerá no Egito. É um trabalho incansável, que já mostra resultados. “Quando estiver bem velhinha, quero que a gente viva num país mais justo que respeite a sua floresta. A Amazônia é o centro do mundo. Sem ela não tem nenhum bioma, não tem vida na Terra. É importante sonhar, mas gosto de dizer que é preciso sonhar de olho aberto, para que a gente sempre veja para onde vai”, diz. Seguiremos atentos, de olhos e ouvidos abertos, como ensina Txai.

Styling: Aneco Oblangata

Assistente de foto: Adima Macena.

Produção executiva: Déia Lansky.

Assistente de produção executiva: Gabriel Mestro.

Produção de moda: Israel Oliveira.

Beleza: Yanke Vascolcelos com produtos Chanel, Nars e Lancôme.

Tratamento de imagem: Cristian Petersen.

Agradecimentos: Espaço Priceless - Noitê e Abaru

Rodapé Um Só Planeta — Foto: Divulgação
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