Quem tem o direito de decidir sobre o destino de mulheres e pessoas trans que engravidam passando por cima de liberdades individuais, com argumento moral e religioso? Quais vidas estão em risco quando o assunto é impedir que mulheres e pessoas trans que engravidam decidam por seu próprio destino? Ainda mais quando essa gestação é fruto do estupro. O Estado é laico para quem? Uma bancada religiosa pode impor sua maneira de pensar num Estado que se pretende laico?
Foi com aprovação de urgência que a PL 1904 nos surpreendeu nessa última semana. Tenho acompanhado posts, matérias e discussões a respeito da gravidade desse projeto de lei que equipara um aborto após 22 semanas de gestação à de homicídio simples com reclusão de 20 a 6 anos, incluindo para gravidez resultante do estupro. Já, a pena prevista em caso de estupro no Brasil é de 6 a 10 anos, e, quando há lesão corporal, pode variar entre 8 e 12 anos.
O projeto em questão revela como pensa a bancada evangélica e suas prioridades; pois desse modo, a lei contra o estupro será muito menos rigorosa do que para alguém que deseja interromper uma gravidez fruto da violência extrema. Na prática essa PL pune a vítima e favorece o estuprador.
A interrupção da gravidez em casos de estupro já era prevista na legislação brasileira desde 1940, portanto se trata de uma política perversa, que visa o retrocesso e o controle do corpo de mulheres e de pessoas que podem engravidar, como homens trans e trans não-bináries. Veja que a bancada evangélica (grupo que propôs essa PL) alvejou um direito já constituído, não para melhorar uma lei ou para propor medidas de acolhimento às vítimas, mas para aprisionar seus destinos. O pior é que essa bancada não tem interesse em qualificar o debate, mas em impôr seu modo de pensar, ferindo o princípio da laicidade do Estado.
O debate em questão é menos sobre o aborto, mas sobre o papel do estado como defensor das liberdades individuais numa democracia. O debate em questão é sobre as consequências devastadoras do proselitismo religioso e imposições religiosas num Estado laico. O debate em questão é sobre uma bancada evangélica que quer minar o poder das mulheres e de pessoas trans que engravidam. Essa PL abre precedentes para o controle dos corpos de grupos minorizados politicamente.
O fundamento dessa proposta reacionária é mais sobre um projeto de poder e menos sobre a vida. Uma PL como essa não deveria ser levada em caráter de urgência. Um projeto que se pretende discutir a interrupção da gravidez deveria partir de premissas que não essas; e mobilizar a sociedade num debate amplo e qualificado, sobretudo com a escuta e proposições decisivas de mulheres e pessoas trans que engravidam, as quais são protagonistas nesse debate.
É muito importante ressaltar a população trans que engravida, formada por homens trans e pessoas trans não-binárias; os quais podem ser violentados por essa PL. Entre tantos desafios para afirmação legal de suas identidades, além da desassistência das instituições públicas; alem das violentas ameaças de correção de gênero; os chamados “corretivos pelo estupro”; que em muitos casos se tornam um fato; além da insegurança afetiva e familiar, essa população acumula mais um ataque à integridade de seus destinos e existências.
Estamos diante de um congresso formado em sua maioria por homens, quando a maioria da sociedade brasileira é composta de mulheres. Essa assimetria é tão sintomática a ponto de gerar projetos que pretendem controlar e colocar em risco a vida de mulheres. Na prática, homens (em sua maioria ricos, brancos e cisgêneros) estão legislando sobre demandas e políticas as quais eles desconhecem ou se conhecem, fazem para beneficiá-los.
E perguntamos ao presidente do Congresso, quais projetos de lei urgem para serem debatidos com o protocolo de aprovação de urgência? Se há o mínimo de decência e respeito à nossa ainda frágil democracia, a reposta seria pela paridade de gênero e racial no congresso nacional brasileiro.
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