Moda

Por Vívian Sotocórno


Look da coleção de alta-costura verão 2021 da Schiaparelli (Foto: Branislav Simoncik) — Foto: Vogue
Look da coleção de alta-costura verão 2021 da Schiaparelli (Foto: Branislav Simoncik) — Foto: Vogue

Em janeiro passado, como é tradição, a Schiaparelli abriu com seu desfile a semana de alta-costura, que mais uma vez acontecia de maneira digital por causa da pandemia. Em um vídeo captado no próprio ateliê da grife, uma saia com um enorme laço rosa-choque vinha acompanhada de um top no formato de um musculoso tanquinho executado em couro; enquanto um little black dress tinha o decote envolvido por grandes bordados de pérolas no formato de dentes (na foto acima). As criações eram parte da terceira coleção couture do diretor artístico americano Daniel Roseberry, que assumiu a casa em 2019 e já vinha dando sinais de que seria um herdeiro bem mais à altura do legado da fundadora Elsa Schiaparelli do que os dois antecessores que passaram pelo cargo desde que a grife foi reativada, em 2012. Eram 6h da manhã do feriado de aniversário da cidade de São Paulo, mas me senti imediatamente desperta, tomada por aquela sensação eletrizante de que você está diante de algo especial, histórico, único. “Daniel está reinventando não apenas a Schiaparelli, mas a própria alta-costura”, bem definiu mais tarde Costanza Pascolato, que dividia a mesma empolgação diante da apresentação.

Com suas criações arrojadas e audaciosas, Daniel passa longe do imaginário popular da couture (leia-se bordados delicados, metros infinitos de seda, algo que pareça saído de conto de fadas) e se propõe a encará-la como um laboratório de técnicas e ideias, repensando o papel do segmento nos dias de hoje. Talento para o fantástico que o texano leva também para as coleções de prêt-à-porter, nas quais um blazer impecavelmente bem cortado de tweed ganha uma aplicação de couro dourado no formato de um seio e os botões de uma jaqueta jeans são minimamilos, com direito a piercings.

Como acontece com muitas grifes que marcaram o passado da moda, mas tiveram sua história interrompida após a morte ou aposentadoria do fundador, não é lá muito fácil estabelecer a mesma relevância em uma “ressuscitação” décadas mais tarde, não importa o quanto a marca seja querida mundo afora. A maison Schiaparelli estava suspensa desde 1954, quando a própria Elsa decidiu encerrar as atividades da casa em um período de mudanças pós-guerra (ela viria a morrer 19 anos depois, em 1973), que foi adquirida em 2006 pelo empresário italiano Diego Della Valle, também proprietário do Grupo Tod’s (do qual fazem parte marcas como Tod’s e Roger Vivier).

Diferentemente de seus antecessores na maison, Marco Zanini (2013-2014) e Bertrand Guyon (2015-2019), parte do segredo de Daniel é justamente não levar ao pé da letra o passado tão rico da grife, marcado principalmente pela teatralidade surrealista. Amiga de vários artistas de sua época, Elsa se uniu a nomes como Salvador Dalí, Jean Cocteau, Man Ray e Alberto Giacometti em criações inesquecíveis e dignas de museu, como o vestido estampado com uma lagosta e o chapéu no formato de um sapato. “Há uma compreensão e apreciação pelo legado, mas, ao mesmo tempo, tento não referenciar demais os arquivos, pois acho que pode ser uma armadilha. Ao olhar para marcas que não foram bem-sucedidas em seus revivals, vejo que muitas vezes o problema é que tentam recriar exatamente o que aconteceu no passado”, me conta por videoconferência do ateliê da grife, em Paris. “Para mim, é mais sobre capturar o espírito e a bravura de Elsa, incorporar o ethos da marca. Seu maior legado foi viver em seu próprio planeta – ela pensava fora do sistema tradicional da moda.”

Ao ser nomeado para o cargo, dois anos atrás, Daniel escreveu em um comunicado: “Schiaparelli era uma mestra do moderno; seu trabalho refletia o caos e a esperança da época turbulenta em que viveu”. Mal sabia ele que tempos turbulentos também o aguardavam. Se partir para o “correto” e o “seguro” foi a receita de várias marcas para esse último ano de incertezas decorrentes da pandemia do coronavírus, esse não é o caso do texano – que, assim como Elsa, é da opinião que momentos complicados devem ser rebatidos com um pouco de fantasia. “Eu entendo por que muitos designers acham que é hora de apostar em looks mais ‘eternos’: nossas vidas foram viradas de cabeça para baixo, e muitas das coisas que estávamos vestindo não parecem mais interessantes ou relevantes”, diz. “Já eu, estou com mais vontade de fantasiar. Mas é um tipo específico de fantasia, algo novo que sinto que ainda estamos descobrindo. É menos sobre bordados e estampas, e sim sobre peças simples que, de alguma forma, são fantásticas.”

O estilista Daniel Roseberry (Foto: Divulgação) — Foto: Vogue
O estilista Daniel Roseberry (Foto: Divulgação) — Foto: Vogue

“Simples e fantástico” é por exemplo a melhor maneira de descrever o look Schiaparelli eleito por Lady Gaga para a cerimônia de posse do presidente americano Joe Biden, em janeiro. O momento, um dos mais importantes da carreira da cantora e atriz, eternizou Roseberry na história da moda e conferiu novo prestígio à grife. Composto por uma jaqueta justa de cashmere azul-marinho com comprimento até a altura do quadril, cuja sisudez se contrapunha a uma volumosa saia vermelha com quatro metros de largura e um grande broche dourado em formato de pomba, o look foi eleito entre opções criadas especialmente para o dia por diversas marcas ao redor do mundo. Apenas Daniel chegou a enviar 11 croquis à Gaga, e ele só teve certeza absoluta de que Schiaparelli era a escolha da cantora ao vê-la entoar o hino nacional americano pela televisão. “A Schiaparelli é uma casa tão lendária, e sinto que consegui adicionar um novo momento à sua história”, comemora ele, que tem entre suas clientes de Beyoncé a Kim Kardashian.

O DNA surrealista, no entanto, tem vazão total nas bijoux que acompanham as criações de Daniel. Brincos no formato de orelhas, máscaras moldadas como a parte inferior do rosto e bijoux em forma de dedos para serem encaixadas nos pés evocam o biomorfismo da arte surrealista. “Senti que a joalheria era o lugar mais moderno para explorar o movimento artístico. Experimentamos antes com bordados; eram bonitos e diferentes, mas não pareciam tão novos, sabe? Quando chegaram os primeiros testes das bijoux moldadas no corpo humano, é que realmente começou a parecer mágico. As silhuetas simples e severas, combinadas a joias extravagantes, soaram como uma maneira muito nova de falar sobre glamour e alta-costura.”

Feita de latão banhado a ouro, com valores que começam em € 200 no e-commerce da grife (club-schiap.schiaparelli.com), a linha de bijoux é um dos maiores best-sellers atuais da marca e compreende também itens mais “simples”, como broches dos signos dos zodíacos e brincos com olhos à la René Magritte. “Em se tratando do prêt-à-porter, da alta-costura ou dos acessórios, as peças de personalidade mais intensa são as que acabam vendidas mais rapidamente. Acho que, quando nossos clientes vêm até nós, estão procurando algo que não vão encontrar em nenhuma outra casa de luxo.”

Primeira estilista mulher a ser capa da revista Time, em 1934, a italiana Elsa Schiaparelli nasceu em 1890 em uma família de aristocratas e intelectuais, estudou filosofia e chocou seus pais logo aos 21 anos ao publicar uma coleção de poemas abertamente sensuais, motivo pelo qual acabou enviada para um convento na Suíça. Foi após se divorciar do marido (que vivia em clima de pura boemia com o dote recebido da família de Elsa) e mudar para Paris com a filha Gogo (mãe da modelo Marisa Berenson), que ela começou a própria marca, em 1927. A grife nasceu com um suéter de tricô que trazia um grande laço em trompe-l’oeil e, durante as décadas seguintes, ofereceu tanto roupas esportivas quanto ternos inspirados no guarda-roupa masculino e vestidos de noite – sempre com espírito revolucionário, arrojado, excêntrico. “Para mim, desenhar roupas não é uma profissão, mas uma arte”, costumava dizer Elsa.

A década de 30 marcou não apenas suas colaborações artísticas mais famosas, mas a criação do tom intenso de rosa que ela batizou de “shocking”. Com clientes como a duquesa de Windsor Wallis Simpson (cujo enxoval foi todo assinado pela marca), Mae West, Marlene Dietrich, Katharine Hepburn e Greta Garbo, a estilista chegou a reunir mais de 700 funcionários em seu ateliê de cinco andares na Place Vendôme e produzir 10 mil peças ao ano antes da eclosão da Segunda Guerra Mundial.

Figura dos bastidores da indústria até assumir a Schiaparelli, Daniel nasceu em Dallas, estudou moda na faculdade nova-iorquina Fashion Institute of Technology e passou os 11 anos seguintes na grife americana Thom Browne, onde foi diretor de design das coleções femininas e masculinas. Quando surgiu a seletiva para a Schiaparelli, ele estava desempregado e, a conselho de sua mãe, havia gastado os últimos seis meses mergulhado em lapidar sua própria visão do que imaginava para a moda. “E então Diego Della Valle me pediu para montar um pequeno dossiê do que eu idealizava para a Schiaparelli. Reuni quase cem páginas. Eu simplesmente me perdi naquele universo, era algo que eu realmente queria, e parecia tão certo”, conta ele, que em duas semanas se mudou para Paris, assumiu a casa com foco e confiança e teve dois meses para apresentar sua estreia na alta-costura, a primeira coleção do tipo que ele criou em toda a vida.

Parte de uma família supertradicional e religiosa (seu pai e um de seus irmãos eram sacerdotes), Daniel é obcecado por roupas e glamour desde que se lembra e aprendeu a desenhar com a mãe, uma grande incentivadora da sua carreira. “Acredito que crescer em Dallas, dentro da igreja, teve um grande impacto sobre esse meu desejo e necessidade de fantasia. Eu estava constantemente sonhando acordado com Nova York e com a moda; acho que, se eu tivesse crescido com mais acesso, não teria desejado tudo isso tão intensamente. E, então, quando eu tinha 20 anos, meu terapeuta me disse: ‘Daniel, é melhor você ficar na realidade, você está gastando muito tempo em sua vida de fantasia’.”, relembra ele. “No fim, aquilo foi um turning point. Percebi que o que eu precisava, na verdade, era trabalhar ao máximo para fazer da minha fantasia a realidade.”

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