Como as mulheres maduras podem valorizar a própria beleza e se libertar das prisões e máscaras sociais?

Em sua coluna, a antropóloga Mirian Goldenberg discute sobre como a sociedade está evoluindo para que usar maquiagem, esmalte ou pintar os cabelos deixe de ser uma obrigação imposta às mulheres


Pamela Anderson @pamelaanderson
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Alguns meses antes do início da pandemia de Covid-19, participei do programa Encontro com Fátima Bernardes, na TV Globo. Nos bastidores, antes de começar, Fátima me mostrou as unhas: “Não tive nem tempo de fazer as unhas, olha como estão”. Mostrei as minhas: “Fátima, eu nunca pinto minhas unhas. Eu mesma corto e lixo”.

Contei para ela que nunca pintei minhas unhas de vermelho. No máximo, um rosa bem clarinho em festas e casamentos. Mas, na maior parte do tempo, minhas unhas sempre foram naturais, sem qualquer esmalte. Ela ficou surpresa, pois, naquele momento, não fazer as unhas era algo raro, especialmente no mundo em que eu vivo. Todas as minhas amigas e colegas de trabalho, sem exceção, pintam as unhas da mão e do pé — de preferência, de vermelho.

Agora, as unhas naturais estão na moda. Na cerimônia do Oscar 2024 e em outras premiações deste ano, atrizes como Emma Stone, Margot Robbie, Carey Mulligan, Zendaya e Issa Rae chamaram atenção ao adotar a tendência batizada de naked nails, que propõe unhas mais naturais, minimalistas e com aspecto saudável.

Também contei para a Fátima que nunca usava maquiagem. No máximo, um filtro solar e um batom da cor dos lábios. E que nunca, em toda a minha vida, usei batom vermelho. Só era maquiada para programas de televisão, porque era (quase) uma obrigação. Mas, sempre que me via com maquiagem, me sentia uma mulher bem diferente da que sou de verdade.

Ela compreendeu que essa era uma escolha de quem não quer gastar tempo em salões de beleza porque prioriza outras tarefas. Quero usar meu tempo para ler, estudar, pesquisar, dar aulas e palestras, escrever, curtir os meus amigos nonagenários, cuidar da casa, namorar meu marido, ver filmes e séries, caminhar na praia e tantas outras atividades que enriquecem a minha vida.

Devo confessar, no entanto, que sempre me senti um “peixe fora d’água”, fora de lugar, uma exceção. Eu, que era a única que não fazia as unhas nem me maquiava em meio às mulheres que me cercam, acabei descobrindo que me tornei uma tendência. Matérias recentes mostram que a estética minimalista vem ganhando força apostando na autenticidade, na simplicidade, na aparência natural e na beleza real. Por que algo que, até recentemente, era considerado simplicidade ou falta de vaidade se transformou em tendência?

Eu diria que, especialmente durante e após a pandemia, muitas mulheres (famosas ou não) resolveram se libertar das máscaras que mulheres de todas as idades são obrigadas a usar para esconder "defeitos", imperfeições, sinais e marcas naturais. Elas descobriram que o tempo é um bem precioso, especialmente na maturidade, e preferem investi-lo em outros interesses, sem a obrigação de seguir um determinado padrão de beleza.

Um exemplo recente é o de Pamela Anderson, de 56 anos. A atriz foi à premiação Fashion Awards, em Londres, e à semana de moda de Paris com a "cara lavada", sem maquiagem. Ela disse à revista People que não precisa fingir ser algo que não é. “Por que não na semana de moda de Paris? Tudo o que podemos fazer é abraçar quem somos no momento em que estamos e ficar bem com o lugar onde nossos pés estão agora", afirmou.

Ao New York Times, ela disse que seu desejo é ser “autêntica”: “Estou gostando do processo de envelhecimento. Estou achando graça no que vem acontecendo no meu rosto, a elasticidade desaparecendo. Me sinto mais sexy agora que tenho alguns segredos e algum mistério. Só aprendemos isso mais tarde em nossas vidas. É tudo uma questão de autoaceitação. Às vezes é um desafio, e você só precisa entender que é boa e bonita o suficiente. Agora eu me visto para mim, e não para os outros”.

Pamela Anderson — Foto: Getty Images

Grande parte dessas mulheres é fruto de uma geração libertária, que provocou importantes transformações nos comportamentos femininos. Nos anos 1960 e 1970, elas fizeram uma verdadeira revolução, principalmente no que diz respeito à liberdade sexual e à liberdade com o próprio corpo.

Não posso deixar de mencionar que, em 1971, Leila Diniz foi a primeira mulher a exibir a barriga grávida de biquíni. Depois dela, as mulheres passaram a exibir orgulhosamente a gravidez. O que era escondido, porque era considerado feio e vergonhoso, passou a ser considerado lindo e motivo de orgulho.

Já escrevi aqui na Vogue sobre a revolução dos cabelos grisalhos e a libertação de tantas mulheres que, durante a pandemia, resolveram parar de pintar os cabelos. Como disse na coluna, cada mulher é livre para escolher se quer deixar seus cabelos brancos, azuis, vermelhos, rosas ou com todas as cores do arco-íris. O mesmo vale para a maquiagem e para as unhas: usar (ou não) batom e esmalte vermelho deve ser uma escolha de cada mulher.

Acredito que o verdadeiro caminho da libertação feminina está na coragem de valorizar nossos próprios corpos, comportamentos e escolhas. A tendência é que, cada vez mais, as mulheres escolham livremente e prazerosamente como cuidar da própria saúde e beleza — e, assim, descobrir que cada beleza é única, e não algo imposto socialmente.

Apesar de o Brasil estar envelhecendo, como mostram dados recentes do IBGE, ainda vivemos em uma cultura que supervaloriza a juventude, a magreza e a perfeição estética. Será que a tendência de exibir orgulhosamente os nossos corpos, rostos, cabelos, unhas, rugas, estrias, celulites, marcas e sinais do tempo veio para ficar? Ou será apenas mais uma moda pós-pandemia?

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