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Por Sabrina Fidalgo (@sabrinafidalgoo)


Na Avenida, a escola de samba Imperatriz Leopoldinense, vencedora do Grupo Especial em 2023, com enredo sobre Lampião, no Desfile das Campeãs no Sambódromo da Marquês de Sapucaí — Foto: Fernando Frazão / Agência Brasil
Na Avenida, a escola de samba Imperatriz Leopoldinense, vencedora do Grupo Especial em 2023, com enredo sobre Lampião, no Desfile das Campeãs no Sambódromo da Marquês de Sapucaí — Foto: Fernando Frazão / Agência Brasil

Em 2023 bastou uma rápida olhadela atenta ao Sambódromo da Marquês de Sapucaí para perceber o óbvio: cada vez mais as comunidades (leia-se pobres, pretos e não brancos) perdem seus lugares em todos os postos da cadeia evolutiva de absolutamente tudo o que envolve o desfile das escolas de samba no Rio de Janeiro. E para começar vamos apontar o problemático nome do Sambódromo carioca, projetado pelo arquiteto Oscar Niemeyer (1907 - 2012) e inaugurado em 1984.

Marquês de Sapucaí. Nunca entendi essa homenagem (?). Juro. Até aquele longínquo ano de 1984 os desfiles das escolas de samba do Rio de Janeiro eram gratuitos e aconteciam na Avenida Presidente Vargas, região central, que fica logo atrás do atual Sambódromo. Fato é que, nunca fez e continua não fazendo o menor sentido que a maior manifestação do samba, ritmo que define o Brasil mundialmente, criado pela resistência africana e música de preto no país, aconteça num espaço cujo nome glorifica um aristocrata colonial branco do século 18.

Não dá para o maior espetáculo da Terra, inventado e idealizado pelo povo brasileiro, continue acontecendo num lugar que homenageia esse tipo de figura com um passado escravocrata, certo? O sambódromo no Rio de Janeiro deveria se chamar Angenor de Oliveira, o vulgo Cartola (1908-1980), simplesmente o maior de todos os sambistas e co-criador da Estação Primeira de Mangueira. Aí, sim! Imaginem os comentários: “Nossa, a escola de samba tal arrasou ontem no Angenor de Oliveira!” ou “O samba colocou o Cartola abaixo!”. Pode soar estranho à princípio? Pode. Mas nada que o tempo não resolva, porque certamente há 39 anos atrás muitas pessoas devem ter também estranhado usar o nome Marquês de Sapucaí como adjetivo no samba, mas acabaram normalizando no decorrer dos anos. Nada como o tempo em se tratando da decolonização da Passarela do Samba.

Dito isso, vamos aos desfiles. Assistir aos desfiles das escolas de samba no Rio de Janeiro virou questão de privilégio. Se antes, as comunidades e os trabalhadores desciam até a Presidente Vargas para assisti-los sem maiores desafios, hoje, no mínimo, é preciso ter grana. Muita grana. Os acessos aos melhores lugares na arquibancada do Sambódromo são vendidos a partir de R$ 400. E para frequentar os nababescos camarotes patrocinados por grandes marcas é preciso:

  • ser uma celebridade convidada
  • ou desembolsar algo em torno de R$ 5 mil no abadá por cada desfile

Mas qual a razão de tudo isso?

A atriz, escritora e poetisa Elisa Lucinda, atualmente no ar como a Marlene da novela Vai na Fé da Rede Globo, escreveu em suas redes sociais:

“O carnaval virou um grande sintoma neste sentido, pois a festa é tomada por brancos nos melhores cargos e posições nos desfiles em detrimento de muitas pessoas para as quais o Carnaval é cultura e tradição familiar. Pretos empurram em sua maioria carros com destaques brancos, não são em sua maioria os carnavalescos, e assistem do pior lugar, da mais distante a visão da festa na Sapucaí que seus antepassados começaram a construir, enquanto brancos tomam os melhores espaços nas arquibancadas e dominam em presença os camarotes onde muitos ficam vestidos com seus abadás, de costas para o maior espetáculo da Terra rolando na avenida. Estão distraídos com a boca livre e shows que acontecem dentro de muitos camarotes na mesma hora do desfile. Estive no camarote Meu Nome é Favela, a convite de meus queridos André Nicolitt e Adriana Nicolitt, e neste, os shows eram só nos intervalos das escolas. Achei perfeito. Mas não posso afirmar se este ano o mesmo aconteceu nos outros ou não. Mas de todo modo a situação pede atenção.”

Já o autor e jornalista Anderson França, do Blog Anderson França, chamou atenção para o cachê milionário recebido pela modelo gaúcha Gisele Bündchen para posar durante dez minutos no camarote de uma famosa cervejaria:

“O que me impressiona nos 10 milhões de reais que Gisele Bündchen faturou para ficar pouco mais de uma hora num camarote da Brahma, não é o fato do Carnaval não precisar da presença dela, porque o Carnaval não precisa, não é o fato dela não ter bebido a cerveja, mas é se gastar TANTO DINHEIRO pra algo tão inútil, quando se poderia apoiar tanto projeto de música, arte, moda e educação na periferia, lotando o camarote de gente maravilhosa, vinda do morro, criativa e potente”, escreveu o autor em duas redes.

Postos de poder também são ocupados majoritariamente por pessoas brancas quando se fala em escolas de samba. Apesar de ter sido uma manifestação cultural inventada pela resistência afro-brasileira no Rio de Janeiro do início do século 19, as escolas de samba, em sua grande maioria, possuem presidentes, diretores e carnavalescos brancos. Foram raras as vezes que o público se deparou com pessoas negras ocupando esses espaço de poder. Pior ainda quando pensamos na composição do corpo de jurados que avaliam as campeãs do Carnaval.

Entra ano e sai ano e o que se vê é um desfile de acadêmicos, catedráticos, teóricos e toda a sorte de profissionais da elite intelectual, quase todos brancos, julgando a maior festa popular do mundo. As injustiças, obviamente, não passam despercebidas como, nesse ano, a mais gritante delas foi o rebaixamento da lendária escola de samba carioca Império Serrano, que fez um desfile impecável tendo o sambista Arlindo Cruz como homenageado.

Várias personalidades criticaram nas redes sociais o rebaixamento da icônica escola que havia acabado de subir de volta para o grupo especial, entre eles, a cantora Anitta, Arlindinho Cruz, o ator Marcelo Adnet e o comediante Hélio de La Peña. Será que se, ao invés de acadêmicos e teóricos, a LIESA (Liga Independente das Escolas de Samba do Rio de Janeiro) convidasse profissionais do samba das comunidades como costureiras, artistas dos barracões e sambistas esse resultado seria possível? Acredito que não….

Todavia, a coisa se complica ainda mais quando assistimos os desfiles das escolas de samba e constatamos, mais uma vez, que a maioria dos destaques nos carros e no chão pertencem a pessoas de fora da comunidade. As famosas rainhas de baterias, posto originário de passistas das comunidades, com raras exceções, não são modelos ou atrizes brancas sem samba no pé.

Para brincar com esse fato a conta do Instagram Samba Abstrato faz uma seleção do pior (ou melhor) da falta de gingado na Avenida. Brincadeiras à parte, os postos de rainha da bateria fazem parte da tradição do samba, trazendo luz e notoriedade para as artistas do samba, crias das comunidades. Coisa que, infelizmente, nas últimas décadas, tem deixado de acontecer em detrimento da indústria das celebridades, para a qual as escolas de samba sucumbiram.

Um exemplo disso foram os vídeos que viralizaram poucos dias antes do início dos desfiles do grupo de acesso no Rio de Janeiro, onde passistas da tradicional escola Estácio de Sá, uma das mais antigas do país, reclamavam do atraso da entrega de suas fantasias, quando “gringas” de fora da comunidade já haviam recebido as mesmas. O resultado? As fantasias da ala das passistas da Estácio de Sá, de fato, não ficaram prontas a tempo para o desfile da escola na Sapucaí, na madrugada do dia 18.02, gerando muita confusão, lágrimas e revolta.

Na Avenida, o público assistia, atônito, as integrantes da ala com partes da de suas fantasias faltando. Em alguns casos, alguns componentes tinham apenas o chapéu. O clima era de tristeza e comoção minutos antes do desfile, sobre São Luís do Maranhão. Algumas passistas pensaram em desistir do desfile, mas foram convencidas a cruzar a Avenida mesmo com a roupa incompleta. Algumas delas desfilaram somente de biquíni vermelho.

Num gesto de apoio, o público aplaudiu as passistas enquanto passavam pelo setor 1. No desfile das campeãs, no sábado, 25.02, a Vila Isabel, num gesto de nobreza e solidariedade, convidou as passistas da Estácio para brilharem na volta à Avenida.

Agora tentem imaginar a cor e a origem dessas passistas...Conseguiram? “Somos os que movimentam o circo, a roda, o show da vida…e nunca somos lembrados ou avisados! Já alguns brasileiros brancos e ricos, que as passistas se referem como “gringos” sempre saem na boa. Para eles sempre têm uma fantasia extra, um ticket sobrando, um convite guardado, uma publi, um budget…” escreveu sobre o caso o influenciador e head de marketing do canal Trace Brazuca, Ad Junior.

Apesar do cenário pessimista ainda há luz no fim do túnel como aponta Elisa Lucinda: “A boa novidade é que reparamos, comentamos e denunciamos o processo e isso está sendo notado. O primeiro passo para nos curarmos de uma doença é diagnosticá-la, reconhecê-la e correr atrás de TODAS as possibilidades de cura. Senhora e senhores, o Brasil é doente de racismo.”

Nota: Este texto não reflete, necessariamente, a opinião da Vogue Brasil.

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