Faz sol lá fora. A luz natural delineia os móveis e objetos decorativos da sala de estar da casa de Leonard Bernstein, premiado compositor e maestro norte-americano famoso pela direção da Filarmônica de Nova York e pelas músicas de West Side Story, Candide e On the Town. Ali, entre cortinas estampadas e móveis de madeira, ele toca suavemente seu piano preto, diante de câmeras, luzes e repórteres. Já mais velho, cita o quanto sente falta de sua companheira de anos e mãe dos seus filhos, Felicia Montealegre. A partir daí, somos conduzidos para as suas memórias, em flashback, de como tudo começou.
Os primeiros minutos de Maestro, destaque entre os concorrentes das premiações deste ano, já mostram o quanto o co-roteirista, diretor e ator Bradley Cooper gosta de trabalhar as suas histórias. Meticuloso com cada detalhe em cena, das palavras corretas aos movimentos de câmera, ele nos convida a entrar na vida de alguém com uma riqueza de detalhes que pode ser também uma armadilha. É tudo tão perfeitamente construído que não há espaço para aprofundar certas questões.
O recorte narrativo desta cinebiografia faz todo sentido com a trajetória de seu protagonista. A carreira de compositor para musicais coloca ele e Felicia, uma atriz em começo de carreira, no mesmo ambiente, durante uma festa de conhecidos em comum. Ambos em pontos de ascensão profissional encontram um no outro mais do que um interesse físico, eles viram confidentes, amigos, companheiros, amantes, criativos. Daqueles que sempre ajudam um ao outro quando necessário e também celebram as conquistas, mesmo as pequenas. Juntos, pareciam dominar a cena cultural de Nova York a partir da década de 1950, inclusive com suas famosas festas em casa.
Eles se casaram, tiveram três filhos e cultivaram um aparente conto de fadas da cultura norte-americana. Não fosse a questão iminente que consumia ambos na vida privada: Bernstein tinha casos extraconjugais e a sua sexualidade era uma pauta nos bastidores dos teatros e orquestras. Algo que corrói os acordos do casamento a longo prazo, coisa que eles não previram no calor da paixão e conexão inicial.
No filme de Cooper, que tem pouco mais de duas horas, há tempo de sobra para aprofundar nas minúcias dessas relações, da carreira, da família, dos amigos, dos amores, dos amantes, mas existe algo maior na preocupação do ator-diretor. Uma exigência de fazer algo correto que engessa a narrativa. Existem cenas belíssimas, mas não emocionantes o suficiente para gerar alguma conexão com a audiência, parece que estamos sempre na superfície dessa figura cheia de complexidades. Tanto Leonard Bernstein quanto Felicia Montealegre, que, inclusive, foi uma figura importante no ativismo dos direitos humanos na década de 1960, mas nada disso aparece em Maestro. Um recorte de datas que propositalmente deixa de fora aquilo que tornaria esses personagens mais humanos em tela.
Apesar da fotografia em preto e branco e, depois em cores, dos ótimos figurinos, de um cuidado excepcional da direção de arte, não há espaço textual para Carey Mulligan e Bradley Cooper abraçarem com profundidade essas personas tão fascinantes (e importantes) para a cultura dos Estados Unidos. Um filme que começa com uma frase emblemática do maestro, "Uma obra de arte não responde a perguntas, ela as provoca; e seu significado essencial está na tensão entre as respostas contraditórias", termina sem nos mostrar o que são essas contradições que tornam seus personagens tão humanos.
Maestro já está disponível na Netflix.