Cultura

Por Por Paula Jacob, de Paraty

Uma das escritoras mais esperadas e aplaudidas no auditório principal da edição de 2023 da Flip – Festa Literária Internacional de Paraty era Natalia Timerman. Apesar de já ter publicado outros livros antes do sucesso inegável de Copo Vazio (Todavia), ela ganhou uma legião de leitores com um romance sobre a ausência afetiva dentro de um contexto de ghosting e o sentimento humano de pertencimento e afeto. Agora, divulgando As Pequenas Chances (Todavia), um misto de literatura autobiográfica com ficção, ela retorna com a sua sensibilidade para falar sobre outro tipo de falta: a morte do pai.

"A escrita transforma quem escreve, e não necessariamente para o melhor. Às vezes, é muito perturbador escrever", disse ela em entrevista à Vogue, do hotel onde estava hospedada em Paraty. Durante o nosso encontro, em meio às oscilações de temperatura da cidade, a escritora discorreu sobre o processo criativo e as contradições diante das certezas que o público forma da sua imagem.

Nascida em São Paulo, a médica psiquiátrica formada pela Unifesp, mestre em psicologia e doutoranda em literatura pela USP, mostra o quanto há de responsabilidade em conseguir conciliar as profissões com encontros e respectivas subjetividades. "Tem sido um grande desafio. Primeiro, é uma questão de tempo. Não conseguimos estar em dois lugares ao mesmo tempo. São duas profissões que me demandam de jeitos bastante diferentes, me pedem presença, concentração, entrega", comenta. "Digo que a minha vida é uma administração de culpas, porque eu sempre vou estar em falta. A vida é isso, lidar com a falta."

Vogue: Eu acho muito interessante como você consegue transitar tão bem entre todos os gêneros literários que você escreveu até hoje. E queria entender se em algum momento você se questiona sobre a sua escrita ou se cada livro se apresenta para você da forma que ele tem que ser escrito?
Natalia Timerman
: Eu sou mais fiel aos livros do que ao que seria a minha literatura. Ela vai se fazendo justamente a partir do que cada livro me pede e me pergunta. Penso que por isso cada livro acaba sendo muito diferente mesmo, porque cada um parte de um pressuposto e tem um papel [específico] para mim e no mundo.

Por exemplo, Desterros [editora Elefante] é um livro que tinha que ser de não-ficção. Ele não podia ser ficção. Porque estou contando a história de pessoas que existem, histórias que eu entendia que precisavam ser contadas. E até, acho que talvez o que age em comum nos meus livros seja que o livro vai se fazendo conforme ele vai se escrevendo. Ele vai se transformando ao longo da escrita.

Talvez só no Copo Vazio que não: ainda que eu tenha mexido muito nele, ele mudou ao longo do processo de feitura. Existem várias versões. Mas os outros… São livros que se transformam dentro deles próprios. Outro elemento que se repete é que quase tudo, não tudo, parte de algo da realidade. Mas é meio cara de pau falar que eu não invento depois de As Pequenas Chances, né? Que se assume com um livro de ficção.

Capa de 'Copo Vazio' — Foto: Divulgação
Capa de 'Copo Vazio' — Foto: Divulgação

E sobre a perturbação da escrita, quando você sabe que precisa contar essa história ou quando você sente que essa história é a história que vai virar um livro e não uma história que você vai só contar para as pessoas próximas?
Essa pergunta é boa, mas difícil de responder. Eu acho que cada vez é diferente. Alguns escritores falam, "ah, eu estava escrevendo um conto e vi que era um romance." Não, as coisas sempre surgem como romance, como conto, como poema. Acho que cada coisa já vem como é. E acho que, enfim, simplesmente sei.

Mesmo escrevendo as colunas [para o UOL], não sou tão fiel à realidade, porque, às vezes, o texto pede outra coisa. Sou mais fiel ao texto do que à realidade. Por exemplo, uma coisa que meu companheiro presenciou do meu filho, eu precisei escrever que era eu ali, não ele, porque o texto me pedia isso.

E eu sei que é um texto quando eu vejo a porta de entrada dele, como acessá-lo e por onde. O ritmo de escrever a coluna é muito bom, toda semana eu preciso de uma porta de entrada para um texto novo, sabe? Eu tenho a impressão de que com a porta de entrada é como se eu já tivesse ele inteiro, e aí o texto acontece durante a escrita.

Na mesa que você estava fazendo há pouco com a Tati Bernardi, você falou sobre a resposta do leitor diante dos seus livros. Fiquei pensando que muitos leitores olham os autores como um grande oráculo daquilo que eles leram. E eu sei que o livro também faz perguntas para o autor e nem sempre ele vai ter todas as respostas. Como você lida com a imagem que as pessoas fazem de você?
Eu tento não pensar muito nisso, porque não tem como controlar, na verdade. Lembro que quando o Desterros foi lançado, meu primeiro livro, eu ficava pedindo para o editor da Elefante a lista de quem tinha comprado. Eu queria controlar quem estava lendo (risos).

De repente, Copo Vazio vendeu 30 mil cópias. Não tenho mais como saber. E toda vez que eu lanço um livro, me vem uma super ressaca, mesmo que eu não tenha bebido. No lançamento do Desterros, eu estava grávida, mas no dia seguinte eu fiquei com essa sensação de ressaca, porque é muita exposição, mesmo que o livro não seja sobre mim.

Acredito que a escrita parte de uma intimidade que vai para o mundo, então é sempre uma exposição, mesmo que não seja sobre mim. Por exemplo, antes de subir na mesa da Flip e outras vezes, eu penso: "Porque eu não fiquei quieta no meu canto?" (risos), a vida seria mais fácil, mas é um negócio que é quase uma maldição. Eu preciso fazer.

Um exemplo disso é o próprio Copo Vazio, que ganhou um apelido de ser um livro sobre ghosting. As pessoas leem buscando respostas, me chamam para falar dele enquanto psiquiatra, mas, na verdade, é literatura. E a literatura não dá respostas, ela faz perguntas, sustenta complexidades, não simplifica.

Vindo de um sucesso como o de Copo Vazio, como foi lidar com as expectativas para o lançamento de agora?
Deu uma insegurança, óbvio, até por serem livros bem diferentes. Copo Vazio tem um tema específico e eu tinha receio de que me colocassem nessa escrita sobre relacionamentos amorosos ou questões contemporâneas. E o Copo Vazio, na verdade, não tem nada a ver com isso. Ao mesmo tempo, era um livro que eu confiava muito.

As Pequenas Chances foi um livro muito importante para mim poder escrever. É um dos livros da minha vida. É precioso, mas o receio existia junto com uma confiança. Essas coisas vêm juntas.

Capa de 'As Pequenas Chances' — Foto: Divulgação
Capa de 'As Pequenas Chances' — Foto: Divulgação

Sobre As Pequenas Chances, quando você pensou em escrevê-lo, considerando o formato?
Eu tinha ganho uma bolsa numa residência literária e estava com um projeto parecido com o Jogo da Amarelinha [de Julio Cortázar], mas sobre maternidade. Era uma mulher em uma sala de espera de uma clínica de aborto pensando se teria ou não aquele filho. E a história ia se desdobrando a partir disso, em várias situações com ela sendo mãe e não sendo.

Só que, após a morte do meu pai, eu não tinha como questionar a existência dos meus filhos nem na ficção. Eu precisava muito deles. Então, mudei totalmente o projeto. Acho que eles estão presentes no livro, de uma outra forma. É um livro que me chegou num bloco. Eu tinha vivido aquelas coisas, tinha um material autobiográfico que foi angustiante de viver, mas literariamente rico. Tinha que entender como iria sustentar esse conteúdo narrativamente. Precisei me servir da ficção para sustentá-lo. Por isso é uma combinação.

Existe algo nas autoras mulheres contemporâneas desse brincar com as fronteiras literárias. Não é só poesia, só ficção, só autobiografia. É poder ser tudo junto se quiser. Brincar com esses gêneros literários também é uma libertação?
É o exercício da liberdade. Ser fiel ao texto é precisar experimentar e entender o que o texto pede. Por ser um livro de origem autobiográfica, eu escrevi e deixei na gaveta. Não planejei isso, é assim que acontece [o processo da escrita]. As duas primeiras partes foram feitas quando eu estava muito próxima do luto da perda do meu pai.

Passaram-se três anos, olhei para isso e pude distinguir o que era do livro e o que era meu; o que era uma dor que extravasava o livro e não caberia aqui. Só com tempo e distanciamento consegui enxergar. E o trabalho com a editora ajudou também, claro. São muitas leituras, tantas vezes que a gente relê, relê, relê, relê, que passa a ser uma outra coisa que não era antes. E a gente lê com o corpo inteiro, sabe? Porque eu chorava, escrevendo e lendo várias vezes.

Pensando no tempo da escrita de As Pequenas Chances e nesses retornos ao próprio texto, você pensa que foi um processo que te ajudou a elaborar a questão, não só pela escrita em si, mas pelo seu sentimento em relação ao luto?
Eu tive que me perguntar o que é elaborar, porque mobilizou muita coisa de novo. Inclusive, lançar este livro me deu muita vontade de falar com meu pai e conversar com ele sobre isso. E o livro não trouxe ele de volta, e não vai trazer. [As Pequenas Chances] é escrito na falta. Talvez tudo o que eu escreva tenha a ver com falta. A linguagem nasce dela e a literatura também.

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