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Como Alice, um menino cai em um buraco que transformará sua vida. Carlos, então com 10 anos, foge de uma surra do irmão mais velho pelas ruas do bairro e se esconde em uma janela na altura do chão. Cai sobre as caixas de papelão do depósito de uma livraria. Esse é o ponto de partida de "O Menino e o Livreiro", lançado no início deste ano, uma linda e envolvente história sobre a amizade. Abandonado pelos pais e às turras com o irmão, é nas trocas com Romeo, o dono do estabelecimento, que seu País das Maravilhas se desenrola. Com uma narrativa envolvente e cinematográfica, tanto pela qualidade das descrições como pelos ganchos entre capítulos, a autora Andrea Jundi nos emociona com frases bem construídas e com as reviravoltas que a vida do menino tem depois do abandono. Esperança, luto e muitas descobertas permeiam o livro de estreia da autora, brasileira radicada em Lisboa. A seguir, um bate papo com Andrea, que trabalhou 20 anos em sets de filmagem no Brasil e no exterior.

Vogue: O que te motivou a escrever "O Menino e o Livreiro"?

Andrea Jundi: Eu sempre fui muito apaixonada pelas diferentes formas de contar uma história. Trabalho com audiovisual há mais de 20 anos vendo elas serem criadas, personagens reais cheias de camadas ou ficcionais que imitam a vida. Além disso penso de forma muito imagética. Pequenas cenas se formam na minha cabeça, às vezes movidas por algum acontecimento do cotidiano, às vezes sem qualquer relação.

A história de "O Menino e o Livreiro" surgiu de uma cena desse menino franzino e ágil percorrendo aos pulos pelas barracas de uma feira, passando por baixo de bancadas e desviando de caixotes e baldes. Eu queria saber quem era esse menino de olhos brilhantes que não me saía da cabeça e porque ele corria tanto. No final a cena não ficou no livro, porque o personagem do menino, o Carlos, me apresentou outra forma de se expressar. Mas foi a história dele que me motivou a escrever e meu envolvimento com os personagens que foram surgindo e que o próprio Carlos me apresentou fizeram com quem eu quisesse mesmo que virasse um livro.

Vogue: Quais foram as suas principais inspirações para criar a trama e os personagens?

AJ: As relações humanas, o movimento que uma pessoa pode colocar na vida de outra e os encontros que se desenrolam na vida real, sempre me interessaram. Falar sobre essas relações e de como as pessoas precisam mesmo umas das outras pra viver é um tema que me inspira. Os sentimentos que elas trazem, e como cada uma lida com as belezas e durezas que a vida apresentou.

Além disso, minha profissão me levou a conhecer diversas realidades completamente diferentes da minha e que me inspiram todos os dias. Nosso país é enorme e a riqueza de culturas e diversidade tem uma força que me impulsiona. A realidade dos personagens de O

Menino e o Livreiro são um reflexo dessas vivências que tive como espectadora através de outros trabalhos.

Vogue: Como foi o seu processo de escrita? Quanto tempo levou? Como era sua rotina de trabalho?

AJ: O processo de escrita pra mim é uma completa imersão. Eu consigo escrever em média 4 horas por dia com foco total, depois disso o rendimento cai muito e já não vale o esforço. No dia seguinte eu releio o que escrevi no dia anterior antes de seguir adiante. Muitas vezes apago bastante e reescrevo. Outras sou menos dura comigo, deixo como está e sigo.

Tem um processo de entrega mesmo, mas para mim também, um trabalho constante de manter a voz impostora quieta e confiar que eu consigo. Muitas vezes quando não é um dia de muito disposição ou quando algo da vida me toma a cabeça, sei que vou render menos naquele dia, mas ainda assim procuro ter a disciplina de sentar e escrever, mesmo que apague tudo no dia seguinte. O trabalho de escrita exige muita disciplina.

Eu havia começado a escrever "O Menino e o Livreiro" há mais de dez anos. Na época eu trabalhava com cinema e emendava um projeto no outro. Por isso, acabei engavetando o livro, mas sabia que ia voltar para ele assim que conseguisse, em outra fase. Peguei nele de novo no final de 2022 e quando reli o que havia escrito, descartei tudo. Percebi que naquela altura, há dez anos, eu não estava mesmo pronta. Comecei do zero a escrita, mas parte da história já estava na minha cabeça há muitos anos, então fluiu bem na maior parte do tempo. Escrevendo sem parar, praticamente todos os dias, levei um pouco menos de 1 ano pra sentir que tinha terminado.

"O Menino e o Livreiro", de Andrea Jundi — Foto: Divulgação
"O Menino e o Livreiro", de Andrea Jundi — Foto: Divulgação

Vogue: A história de "O menino e o Livreiro" tem alguma relação com a sua vida? Foi inspirado em algum fato real?

AJ: "O Menino e o Livreiro", Carlos e Romeo, não foram inspirados em nenhuma pessoa específica, mas são muito reais, de uma humanidade crua mesmo. As histórias sempre acabam sendo inspiradas em fragmentos da vida e meus personagens tem pinceladas de vivências ou de histórias que ouvi e vivi, mas são apenas uma colagem de algumas passagens e muito mais da minha imaginação. Não há um fato real direto, mas acho absolutamente real nos tantos Brasis que temos em um só. Já a Benícia, mãe de Carlos, tem uma inspiração mais real de uma amiga que passou por coisas parecidas, mas com Benícia fui mais a fundo. Achava importante representar ali tantas mulheres com histórias semelhantes a dela. E diferente de Benícia, minha amiga continua com a mente forte, apesar de às vezes eu me perguntar como ela consegue. O mistério da força dessas mulheres me assombra muitas vezes.

Vogue: "O Menino e o Livreiro" é majoritariamente um livro de personagens masculinos e suas emoções. Essa escolha foi consciente?

AJ: No início essa escolha não foi totalmente consciente. Como o menino surgiu de uma cena em minha cabeça e me deixou curiosa, eu me deixei levar por esse personagem. O livro fala de pessoas e suas relações, independente de serem homens ou mulheres. O Carlos e o Romeo trabalham seus sentimentos de uma forma muito autêntica, aberta. Eles se permitem sentir. São homens que sabem cuidar.

Tenho um filho menino que tem uma sensibilidade linda de ver, uma percepção do outro também que muitas vezes desconcerta. Por causa dos meus filhos e sobrinhos, convivo muito com essa nova geração nascida entre 2010 e 2020 e já percebo uma mudança muito bonita na forma como eles se relacionam com os outros e como se permitem sentir de forma plena, sem serem podados ou enquadrados em caixas. Nunca vi sair de meus filhos frases prontas que diferenciam meninos e meninas, isso é um reflexo da educação consciente de liberdade que estamos dando.

Por outro lado, a força motriz do livro está nas mulheres. A mãe de Carlos que sofreu tudo que sofreu vítima de violências causadas por dois homens diferentes, é o que move a vida de Carlos e João. Joana, a amiga de Carlos, que representa uma geração que tenta mudar a história repetida tantas vezes mas se vê também vítima do sistema e as decisões dela mudam também a rota de Carlos. A madrasta de Carlos que faz com que o pai dele assuma as responsabilidades deixadas no passado. Elas tem papéis fundamentais no enredo e formam uma base e impulso para a história.

E também o assunto da sexualidade que aparece absorvido pelos personagens homens com a naturalidade que deve ter, porque não é o tema, é apenas mais uma parte da história. Uma parte linda que trata apenas do amor. Agora chega que já dei muito spoiler rsrs.

Os livros, mesmo de ficção, levam neles um tanto de quem os escreve. Enquanto eu escrevia não tive a percepção que hoje eu tenho de me ver um pouco em cada personagem, sendo eles homens ou mulheres.

Vogue: Você se mudou para Lisboa recentemente. Essa mudança impactou de alguma forma a sua escrita e a conclusão do livro?

AJ: Sim, impactou completamente. Quando me mudei para Lisboa em 2022, eu quis mudar o foco profissional também. Foi um momento importante que eu já planejava há muito tempo. Estar inserida em uma nova rotina absolutamente diferente da que eu tinha no Brasil, me permitiu essa mudança profissional. Trabalhar com audiovisual é um dos meus grandes prazeres, mas é um trabalho que consome todo seu tempo e energia. Demanda muito para dar conta de tudo, ainda mais com dois filhos pequenos. Com os filhos estudando em período integral e a vida mais calma daqui, eu me organizei para me dedicar integralmente ao livro e finalmente realizar esse projeto que dormia e acordava na minha cabeça há anos.

Vogue: Qual é o maior desafio do ofício da escrita pra você?

AJ: Ser escritora estreante é um baita desafio. Contei bastante com a orientação do Tiago Ferro, que é um dos sócios da editora de publicações independentes, e-galaxia, por onde saiu meu livro. Mas a autopublicação é um trabalho intenso e exige uma atenção ativa ao processo de divulgação. Contamos muito com o boca a boca e com as avaliações nas plataformas.

Por outro lado, de uns anos para cá cresceu a quantidade de influenciadores literários que tem feito um trabalho importante em divulgar não só livros de autores já conhecidos, mas também de novos autores. E tem cada vez mais clubes do livro que também são uma ótima forma de diversificar a leitura e dar chance para autores com grande potencial e pouca visibilidade. São muitos, mas o #poenaestante da Gabriela Mayer, o Amora que é um clube de livros escritos por mulheres, o clube do livro da Roberta Martinelli, são alguns exemplos de trabalhos muito legais que ajudam a dar visibilidade às escritoras e escritores.

Migrei também para o departamento de roteiros no audiovisual para que a escrita esteja em todas as áreas da minha vida e eu me cerque apenas de coisas que amo profundamente. Acho que o maior desafio do ofício da escrita é justamente viver apenas de escrita. Mas eu adoro um desafio e estou focada em conseguir rsrs.

Vogue: Você pode adiantar alguma coisa sobre o seu próximo livro?

AJ: Estou trabalhando intensamente ainda no lançamento de "O Menino e o Livreiro" e isso me toma bastante tempo. Mas já estou começando o próximo sim.

Alguns escritores criam toda a ideia primeiro, desenvolvem os personagens e sabem qual será o enredo até o fim. Morro de inveja!

Eu começo com uma cena e vou seguindo o fio da narrativa. Conforme desenvolvo, vão surgindo idéias para o meio e para o fim da história e eu anoto todas elas. Idéia de cenas desconexas que busco mais tarde enquanto escrevo. E depois tem que ter um desencadear das cenas que movem a história para a frente, uma estrutura que envolva e que mantém o movimento. Tudo isso existe e é necessário.

Mas a verdade é que a história em si se apresenta para mim enquanto a escrevo e muitas vezes até me surpreende. Nessas horas sinto um frio na barriga e sei que estou no caminho certo.

Meu próximo livro é sobre a história de uma mulher e será escrito em primeira pessoa. Um baita desafio que me coloquei, vamos ver se consigo rs.

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