Criptomoedas

Por Rafael Gregorio, Valor Investe — São Paulo

As criptomoedas, como o Bitcoin, viraram febre e chegaram a ter o dobro de investidores (1,4 milhão) que a bolsa de valores (700 mil) em março de 2018.

Ainda assim, não são reconhecidas como moedas pelo Banco Central (órgão fiscalizador dos bancos e dos mercados de câmbio e juros) nem pela Comissão de Valores Mobiliários (a CVM, que é o xerife do mercado de capitais).

Os órgãos têm debatido o tema, que tamb��m é alvo de projetos de lei pendentes no Congresso Nacional.

Mas a Secretaria da Receita Federal do Brasil (RFB) se adiantou à regulamentação e já exige que investidores declarem e recolham imposto sobre ganhos na venda de moedas digitais.

Atualmente, cerca de 1,3 milhão de pessoas são detentoras de criptoativos no país.

“É uma lógica ‘ainda que falte regulamentação, eu, Fisco, quero minha parte’”, pondera Adilson Silva, sócio da auditoria e consultoria empresarial Mazars.

A demanda começou em 2017, ano que marcou o boom do Bitcoin e de outras criptomoedas.

Mas em 2019 o assunto vem com mais força: pela primeira vez, o órgão inseriu instruções específicas sobre moedas digitais no manual da declaração do imposto de renda, o popular “Perguntão do IR”

“As moedas virtuais (bitcoins, por exemplo), embora não sejam consideradas como moeda nos termos do marco regulatório atual, devem ser declaradas na Ficha Bens e Direitos, uma vez que podem ser equiparadas a um ativo financeiro”, informa o manual da Receita na pergunta 447.

O contribuinte deverá utilizar o campo 99, de “outros bens e direitos”, na ficha correspondente aos ativos.

Imagem da ficha Bens e Direitos na declaração de ajuste do imposto de renda 2019 — Foto: Reprodução
Imagem da ficha Bens e Direitos na declaração de ajuste do imposto de renda 2019 — Foto: Reprodução

O valor informado deverá ser o de aquisição, não o de cotação no momento da declaração.

“Uma coisa muito importante é que o contribuinte não leve em conta atualizações de mercado”, explica Wagner Pagliato, coordenador do curso de graduação em ci��ncias contábeis da Universidade Cidade de São Paulo (Unicid).

Pagliato descreve um exemplo em que um indivíduo adquire uma moeda virtual ao valor de R$ 10 a unidade, e esse ativo encerra o ano valendo R$ 20. O contribuinte, diz, deve informar o primeiro valor, do custo, “pois a realização [do lucro ou do prejuízo] só acontecerá no momento da venda”.

E como pagar o imposto sobre ganhos na venda de moedas digitais?

Nas vendas de criptomoedas, os especialistas alertam para as obrigações de informar os ganhos de capital e de pagar o imposto sobre os lucros.

Imagem do programa Gcap, usado para apurar ganhos de capital — Foto: Reprodução
Imagem do programa Gcap, usado para apurar ganhos de capital — Foto: Reprodução

Valem as regras aplicáveis a bens móveis. Primeiro, o contribuinte deve apurar o ganho nas transações; é a diferença entre os valores de venda e de compra.

Depois, deve avaliar se a soma dos valores das vendas em um mês superou o piso legal de isenção de R$ 35 mil. Nesse caso, haverá tributação.

O contribuinte deve informar no programa de Ganho de Capital da Receita Federal, no código 4600, explica Tatiana Revoredo, especialista em blockchain pela Universidade de Oxford e pelo MIT.

Quando há imposto a pagar, o prazo para recolhimento – via Darf – vai até o último dia do mês seguinte, e as alíquotas variam conforme o ganho, segundo a tabela:

  • 15% sobre ganhos até R$ 5 milhões;
  • 17,5% sobre ganhos acima de R$ 5 milhões e até R$ 10 milhões;
  • 20% sobre ganhos acima de R$ 10 milhões e até R$ 30 milhões;
  • 22,5% sobre ganhos acima de R$ 30 milhões.

Servem de exemplo três investidores que transacionaram criptomoedas em novembro. O primeiro vendeu a R$ 10 mil cada um dois Bitcoins que havia comprado por R$ 15 mil cada um. Como teve perda (de R$ 5 mil em cada operação), não precisará informar nada à Receita nem pagar imposto.

O segundo vendeu a R$ 10 mil cada um dois Bitcoins que havia comprado a R$ 5 mil cada um. Como teve ganho (R$ 5 mil em cada operação), deverá informa-lo à Receita. Mas não terá de recolher imposto, pois o valor das vendas foi de R$ 20 mil, abaixo do piso de isenção (R$ 35 mil).

Já o terceiro investidor vendeu a R$ 10 mil cada um quatro Bitcoins comprados por R$ 5 mil cada um. Como teve ganho (de R$ 20 mil, R$ 5 mil em cada operação), precisará informar à Receita. E, como o total das vendas (R$ 40 mil) superou o piso de isenção (R$ 35 mil), terá de recolher imposto.

Detalhes: nas criptomoedas, ao contrário das ações, não é possível compensar ganhos e perdas. E, para determinar a base de cálculo, leva-se em conta todos os bens móveis vendidos no mês, ainda que de naturezas distintas – por exemplo, um Bitcoin, um carro e uma coleção de itens raros vendidos pelo mesmo contribuinte no mesmo mês.

“Depois, quando chegar a declaração de ajuste, deve-se informar os ganhos de capital, mesmo que isentos, e o imposto já recolhido”, diz Pagliato. Para tanto, há um recurso de “importação do GCap” no programa da declaração.

Caso o contribuinte não tenha recolhido o imposto à época da venda, deverá fazê-lo agora, antes de preparar sua declaração de imposto de renda, ou terá de retificar a declaração depois.

O caminho é usar o GCap e, para gerar o Darf, utilizar o Sicalc, programa para geração de guias e atualização de valores, para somar ao imposto devido à multa de 0,33% ao dia, limitada a 20%, e juros no valor da Selic.

Moedas digitais ‘mineradas’ são ganhos ou novos bens?

Em caso de mineração de criptomoedas, processo por meio do qual indivíduos obtêm moedas digitais após validarem outras transações envolvendo criptomoedas, essas novas unidades devem ser declaradas como itens autônomos.

Segundo Pagliato, ainda é comum entre investidores o engano de somar moedas mineradas ao valor ou ao saldo informados em declarações anteriores.

O tema não foi contemplado no “Perguntão do IR” 2019. O correto, diz o especialista, é inserir um novo registro.

“Nos casos de mineração, são itens autônomos e a única coisa a fazer é incluir um novo ativo; caso contrário, o contribuinte vai sinalizar à Receita um ganho de capital que não teve”.

E há imposto na doação de criptomoedas?

Também é preciso pagar imposto nos casos de doação de criptomoedas ou de transmissão por herança, como em quaisquer outras doações ou transmissões de bens e direitos.

Essa é uma tributação de competência estadual. Em São Paulo, chama-se Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação de Quaisquer Bens ou Direitos (ITCMD) e tem alíquota de 4% sobre o valor que exceda, no período de um ano, o teto legal – R$ 26.530 em caso de morte e R$ 66.325 nas doações.

No caso das doações ou transmissões por herança, a base de cálculo é o valor de mercado da moeda digital, não o preço de custo. Atenção para isso!

Capacidade de fiscalização da Receita ainda é limitada, mas cresceu

Os especialistas alertam para um crescimento da capacidade de cruzamento de dados pela Receita Federal no que diz respeito às moedas digitais, a despeito da natureza descentralizada da tecnologia dos criptoativos.

"Conquanto todas as transações sejam transparentes e qualquer pessoa possa visualizá-las em tempo real, descobrir quem está por trás de uma carteira pode ser tarefa difícil e, há até quem diga, impossível", diz Revoredo. Por outro lado, ela pontua, "a Receita tem sinalizado que vai aumentar a fiscalização, pressionando as 'exchanges'".

As operações intermediadas por corretoras ficaram mais rastreáveis após 2017, quando o órgão passou a exigir informações dessas empresas.

“Ao fim de cada ano, a corretora informa à Receita a posição: tal cliente negociou tantos Bitcoins, a tal preço. Disso surge uma possibilidade de cruzamento de informações”, explica Pagliato.

A limitação que resta é a de cruzar CPFs no caso de criptomoedas adquiridas via empresas que não são reconhecidas como corretoras e, portanto, não são obrigadas a informar os envolvidos.

Alguns creem que essa verificação nunca será possível, pois um certo nível de anonimato é inerente ao blockchain, sistemática que rege o universo das moedas digitais, baseada em tecnologias avançadas de criptografia e confidencialidade.

Por outro lado, a especialista Revoredo lembra que o Fisco tem cada vez mais fontes para cruzar informações, como a Declaração de Informações sobre Movimentação Financeira e a e-financeira.

"E há as informações que as operadoras de cartões de crédito prestam. Se detectada inconsistência, como aquisição de bens sem lastro financeiro, o contribuinte será chamado a esclarecer", ela explica.

Quem deixar de declarar está sujeito a multa de ao menos R$ 165,74, além de eventual imposto acrescido de multa diária de 0,33% ao dia, limitada a 20% do IR devido, e juros calculados pela Selic.

Já as operações entre pessoas físicas, quando um investidor vende moedas digitais diretamente a outro, sem intermediadores, são ainda mais vulneráveis à fiscalização.

“Para comprar uma carteira de moeda digital, a pessoa física tem de executar uma transação financeira, tirar da conta corrente ou do cartão de crédito, e tudo isso deve ser declarado”, diz Silva.

Por outro lado, ele pondera, boa parte das pessoas físicas é desobrigada a declarar por não ter obtido ganhos superiores a R$ 28.559,70 em 2018; “tem uma grande parcela que acaba ficando no escuro”, diz Silva.

Que documentação devo guardar para caso caia na malha-fina?

O “Perguntão do IR” de 2019 determina ainda que “o contribuinte deverá guardar documentação que comprove a autenticidade desses valores”.

Pagliato alerta para a necessidade de guardar essa documentação por ao menos seis anos, ao encontro do prazo legal para a fiscalização – são cinco anos, mais um ano para exercícios em andamento.

Mas que documentação é essa?

“O fato de essas moedas ainda não serem regulamentadas desobriga as corretoras a emitir informes de rendimentos; é algo que ainda está se discutindo”, pondera Silva, da Mazars.

Na dúvida, servem recibos e comprovantes de operações de compra e venda.

O especialista ainda orienta contribuintes com investimentos em criptomoedas a descrever, no espaço do campo 99 reservado ao detalhamento, a data da compra, o saldo de moedas, o valor pago e, ainda que prevaleça o valor de custo, também a cotação delas em 31/12.

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Como informar e tributar criptomoedas em cinco passos

  1. Moedas digitais devem ser declaradas na ficha Bens e Direitos, no campo 99: “outros bens e direitos”
  2. Devem ser declaradas ao preço de custo (por quanto foram compradas), não ao valor de mercado
  3. Se o investidor tiver lucro em transações de moedas virtuais. Deve recolher o imposto na época da venda, utilizando o programa GCap; o prazo vai até o último dia do mês seguinte ao da venda
  4. Venda e imposto recolhido devem ser informados na declaração de ajuste utilizando a “importação do GCap” na ficha “Ganhos de Capital”, no campo “Direitos/Bens Móveis”
  5. Se o investidor teve ganho de capital, mas não recolheu o imposto, deve fazê-lo agora. Após gerar o Darf com base no valor informado pelo GCap. Deve usar o programa Sicalc para atualizar o valor com multa e juros. Se essa regularização não acontecer até 30/4, a declaração de ajuste deverá ser retificada depois

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