Você já deve ter ouvido a história: jovens e novatos em mercado de capitais, investidores acumulam fortunas em pouquíssimo tempo negociando criptomoedas, as moedas digitais. Essa é uma fábula contemporânea no mundo dos investimentos que ganhou força com a imensa valorização recente do Bitcoin, a pioneira e mais famosa das criptomoedas.
Mas o que são criptomoedas?
Segundo Alan De Genaro, professor da FGV, “São unidades monetárias de base criptografada utilizadas para fazer pagamentos e transferências de forma digital e operadas por usuários”.
E com um tempero de anarquia: ao contrário de moedas convencionais, como o real ou o dólar, as digitais prescindem de intermediação, autorização ou controle por autoridades ou governos.
“A rigor, criptomoedas não têm muito a ver com moedas além do nome”, explica Ricardo Rochman, coordenador de um programa de mestrado sobre o tema na FGV.
Segundo ele, uma criptomoeda é um ativo que traz consigo um bem virtual “que não existe fisicamente, só em um registro de computador”, e cujos dados são protegidos por intensa criptografia com o intento de evitar fraudes – daí o “cripto” em “criptomoedas”.
"Hoje, uma criptomoeda não é vista como uma moeda porque a alta volatilidade impede que sirva como reserva de valor”, detalha Genaro. Esse é um universo em expansão. Além do popstar Bitcoin, há diversas outras moedas, como Ethereum, XRP, Litecoin, EOS, Binance Coin...
Elas são todas listadas em sites como o CoinMarketCap, que mapeia valor de mercado, lucros e perdas e volume de transações. Alguns números ilustram a dimensão do negócio: hoje, há 2.147 moedas virtuais negociadas em 17.275 mercados.
Juntas, elas valem centenas de bilhões de dólares – no início de abril, a cesta somava US$ 183,1 bilhões em capitalização e US$ 100 bilhões em transações diárias. Isso mesmo, bilhões de dólares.
Moedas digitais podem parecer por demais arrojadas, e de fato implicam riscos pouco convencionais, mas são cada vez mais aceitas como meio de pagamento, atraindo novos investidores.
Gigantes de tecnologia, como Microsoft e IBM, pagam e recebem em moedas digitais, e países como Japão, Singapura e Tailândia reconhecem-nas como ativos digitais passíveis de circulação. Pioneiro, o governo japonês já recebe impostos em criptomoedas.
No Brasil, embora a lei ainda ensaie uma formalização ampla, já há negócios, de universidades a restaurantes, que aceitam pagamento em criptomoedas, e elas devem ser informadas na declaração de imposto de renda.
Os ganhos da inclusão dessas moedas como forma de pagamento são variados.
Para empresas, aceitar moedas digitais significa ampliar mercados e potencializar a liquidez. Vendedores e compradores podem fazer transações cortando intermediários, como cartões de crédito ou o Paypal. Governos lucram com a redução da informalidade e a eliminação de intermediários, e, para viajantes, caem os custos em transações de câmbio.
As criptomoedas servem ainda a países afetados por fatores políticos ou econômicos, como ditaduras ou recessões, que acabam obstando a negociação de dólares ou euros. “São casos como o da Venezuela, cujo governo criou uma moeda digital porque a convencional ninguém mais aceita”, cita Genaro, da FGV.
Quais as diferenças?
Antes de investir em criptomoedas, contudo, é preciso entender certas diferenças delas com relação às moedas convencionais.
Primeiro, é distinto o processo de emissão. Ao contrário do que ocorre com o dólar ou o real, criar novas unidades não depende de uma casa da moeda ou um Banco Central. No caso das criptomoedas, essa emissão se chama “mineração”, está conectada ao sistema de validação de transações e segue regras e procedimentos pré-determinados.
Cada compra ou venda de Bitcoins, por exemplo, deve ser validada por operadores autônomos. No processo, eles resolvem uma equação e, em troca, ganham unidades da moeda. “Se compro um Bitcoin de alguém, para essa transação ser validada e registrada, é preciso que uma série de mineradores façam a checagem; quem resolve primeiro é recompensado”, explica Rochman.
Como outros fatores, a frequência e a quantidade de novas emissões impactam preço e liquidez das criptomoedas, e os limites dessa emissão variam de título para título. No Bitcoin, por exemplo, só poderão ser criados cerca de 21 milhões de unidades – hoje já circulam cerca de 17 milhões. O teto sobe para 84 milhões no caso da LiteCoin, enquanto outras criptomoedas não têm um limite.
As regras de circulação também são outras. Criptomoedas são transferidas sem passar por intermediários. Cotação, custódia, compras e vendas acontecem anonimamente e pela internet. Os próprios usuários gerenciam o sistema por meio de um histórico de transações operado em rede e do qual todos possuem cópia. É o blockchain, ou “protocolo da confiança”, espécie de livro-razão compartilhado que permite que todos verifiquem a validade de cada transação.
A ausência de mediação é um pressuposto ideológico e cria um senso de confiança entre as partes, reforçado pelo uso de tecnologias de criptografia, ao contrário dos dispositivos de segurança nas moedas convencionais, como números de série e marcas d’água.
“O blockchain não é centralizado, não existe alguém com autoridade para dizer que é legítima a movimentação de fulano para ciclano”, explica o professor Genaro.
Na ausência de fiscalização e gestão, o equilíbrio financeiro é fruto da atuação dos próprios operadores e de sistemas de autocontrole. “O protocolo é flexível; se houver mais pessoas minerando, a complexidade da verificação aumenta, de maneira que o ritmo de geração de novas moedas se mantenha”, diz Genaro.
Muda também a dinâmica de criação de novas criptomoedas, conhecido por Oferta Inicial de Moeda, do inglês Initial Coin Offering (ICO). A nomenclatura é emprestada dos IPOs, as ofertas públicas de ações quando uma companhia pela primeira vez vende papéis de forma ampla a investidores.
No ICO, porém, não se vende um valor mobiliário que dá direito a participar dos resultados de uma empresa, mas reúne-se recursos de interessados que, em troca, recebem ativos digitais – as moedas – sem qualquer vínculo com ganhos ou perdas futuros.