Quando comecei a trabalhar com sustentabilidade, há duas décadas, a sigla ESG raramente era usada. Na verdade, nem “sustentabilidade”. O termo mais adotado pelas empresas era “responsabilidade socioambiental”. O acrônimo ESG (ambiental, social e governança, em inglês) surgiu em 2004, na publicação do Banco Mundial e do Pacto Global da ONU denominada “Who Cares Wins”. Em entrevista há alguns anos, os autores explicaram o motivo: “Acabamos por juntar o “E”, o “S” e o “G” porque vimos todos eles como elementos importantes que não estavam sendo considerados, de forma eficiente, por analistas financeiros tradicionais”.
Notem, portanto, que na origem da sua criação já havia a intenção de aproximação com o setor financeiro. “ESG” começou a ser largamente usado principalmente por investidores internacionais, que questionavam suas investidas sobre “fatores ESG” na estratégia e gestão. Na pandemia, a sigla ganha notoriedade e sai dos nichos. Afinal, percebemos pela dor que o mundo é interconectado: uma questão de saúde/social, relacionada ao meio ambiente, colocou as economias em lockdown. ESG se tornou a “sigla mais famosa das galáxias”, como costumo brincar. Brincadeira séria. Quando algo da magnitude desse “boom” acontece, há consequências positivas e negativas, além do efeito pendular. Todo exagero ou excesso tende a arrefecer com o tempo.
O lado positivo do “boom” é que esta agenda ganhou visibilidade e atraiu a atenção dos líderes que ainda não tinham atentado para o assunto. Entrou nas rodas de conversa e salas dos CEOs e Conselhos. Virou tema de podcasts, cursos, matérias. E, com isso, foi possível disseminarmos mais amplamente os riscos e oportunidades em torno dessas questões.
Vários outros movimentos impulsionaram esse momento, como os efeitos devastadores das mudanças climáticas, novas regulações e autorregulações, barreiras e incentivos comerciais e pressão de diferentes públicos. No fim, “ESG” é sobre mudança de modelo de mundo. É sobre constatarmos que precisaremos alterar a matriz energética, que teremos que descarbonizar a economia, que será imperativo olhar para as desigualdades. Todos esses e os demais fatores correlatos estão interconectados. Porém... estamos apenas começando a construir essa nova realidade de forma estrutural. E como ficam, então, as forças tradicionais, ainda em voga? Ou se preparam para a transição ou reagem contra.
A segunda alternativa acima é a base do movimento americano do “AntiESG”, que, como o próprio nome diz, atua contra a agenda. Escrevi a respeito no artigo “AntiESG ou Pró-ESG? Não é essa a questão”, de outubro de 2022. Essa discussão seguiu ruidosa a ponto de, hoje, a sigla ter se tornado em algumas regiões “persona non grata”. O primeiro ator de destaque a deixar de usar o acrônimo foi a BlackRock, maior gestora global de recursos, com cerca de US$ 9 trilhões sob gestão. Em 2023, seu CEO global, Larry Fink, declarou que o termo se tornou “muito politizado” e a casa não o adotaria mais. Isso, no entanto, não mudou a política da BlackRock de utilizar esses critérios na sua alocação de recursos, produtos e serviços.
Outros dados: segundo a pesquisa “KPMG 2023 CEO Outlook”, 35% dos CEOs entrevistados afirmaram ter mudado a linguagem que utilizam para se referir a ESG, tanto interna como externamente, refletindo uma “mudança no diálogo sobre esse tema”. Em 9 de janeiro deste ano, o The Wall Street Journal publicou uma matéria de título forte: “The Latest Dirty Word in Corporate America: ESG”, algo como “A mais recente ‘palavra suja’ em empresas americanas: ESG”. Nela, afirma que “Muitos CEO sublinham que continuam a seguir os compromissos de sustentabilidade assumidos há anos – mesmo que já não falem sobre eles com a mesma frequência publicamente.”
Esse é o ponto. Me preocuparia muito se as empresas, investidores, gestores estivessem deixando de considerar questões ambientais, sociais e de governança. Seria uma temeridade e um retrocesso de proporções imprevisíveis. Mas não é disso que estamos falando, na grande maioria dos casos. E, vale destacar, esse é um fenômeno essencialmente norte-americano. Na Europa, é um não-tema. Mesmo assim, expoentes do velho mundo se envolvem porque, afinal, não podemos desprezar esse debate. O professor da London Business School, Alex Edmans, por exemplo, acaba de publicar um paper propondo o uso de “Rational Sustainability” ou Sustentabilidade Racional, em vez de ESG.
Me pergunto: precisamos de um novo termo? Na minha opinião, não. Precisamos, isso sim, de uma atuação socioambiental e de governança robusta, com metas, indicadores, ações estratégicas e visão de futuro. Não temos tempo a perder com modismos. Eu trabalho pelo fim da sigla ESG ou qualquer outra denominação porque chegará o dia em que tais fatores estarão tão inseridos nas legislações, práticas, políticas etc. que poderemos abrir mão de denominações específicas. Estamos caminhando para lá, mas ainda temos estrada pela frente.
Então, que nome dar a essa área/agenda? O que fizer mais sentido para a cultura da sua empresa. Defina sua linha com um racional consistente, o que lhe deixará seguro para defendê-lo, se for necessário. O relevante mesmo é entender profundamente esse contexto. Quando o termo ESG estava no auge, um profissional me disse: “Agora temos que criar uma área ‘de’ ESG”. Detalhe: eles já tinham uma estrutura de sustentabilidade bem consolidada... Sigamos!
Sonia Consiglio é SDG Pioneer pelo Pacto Global da ONU e especialista em Sustentabilidade.
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