Essa semana ganhei um exemplar do livro “30 Anos do Real” de Gustavo Franco, Pedro Malan e Edmar Bacha, com direito a autógrafo de dois deles. Esses três economistas foram personagens de peso na concepção do que vivemos hoje no Brasil.
Ouvi-los contar um pouco do que foi aquele período de 1993 e 1994 me fez lembrar de dois fatos marcantes na minha carreira. O primeiro é que me dei conta que entrei no mercado financeiro dias depois do Plano Real ser implantado. O segundo foi que, poucos anos depois, eu teria o meu primeiro contato com a contraditória visão de racionalidade que se espera ter no mundo das finanças. O ano era 1999. Para ser mais precisa, dia 14 de janeiro daquele ano. Somente hoje, passados tantos anos, consigo me dar conta do que aquilo significou na minha vida profissional.
Esse era o dia seguinte ao Banco Central decidir por abandonar o regime de bandas cambiais e a nossa moeda passara a flutuar livremente. Essa decisão fez com que ficássemos diante de uma das maiores e mais abruptas desvalorizações que a nossa moeda já sofreu.
Naquela época eu era da área comercial de uma instituição financeira e meu telefone não parou de tocar. Quase todos os meus 202 clientes queriam saber o que tinha acontecido com o dinheiro deles, dado que a maioria das carteiras dos fundos do mercado tinha posições desfavoráveis aquele cenário. Entre tantas, duas ligações me chamaram atenção e delas me lembro como se fosse hoje.
A primeira foi da dona Zilda. Com seu jeito doce, ela me perguntou preocupada: “Filha, queria muito saber como está meu dinheirinho aí com vocês. Por que você sabe, né? Essa é minha aposentadoria, e como está todo mundo falando cada coisa, a gente assunta.” Tranquilizei Dona Zilda. Havíamos zerado as posições das carteiras poucos meses antes e nossos fundos, ao contrário da maioria, estavam se favorecendo da situação. Expliquei os detalhes de forma bem didática como sempre fazia e, em seguida, envie-lhe um fax com seu extrato para registrar as informações que havia lhe adiantado por telefone.
Em seguida, atendi o senhor Roberto. Ele estava com a mesma aflição de Dona Zilda. Com a voz trêmula e desesperada ele me disse: “Ana, por favor, me diga como está a minha posição. Eu acabo de perder o dinheiro de uma vida inteira de trabalho e o que tenho aí, possivelmente é tudo que restou das minhas reservas”. Com ele a conversa foi um pouco mais técnica, como fazíamos habitualmente. Discutimos o assunto com um pouco mais de profundidade e da mesma forma, encontrei argumentos objetivos para tranquilizá-lo. Em seguida, também lhe enviei um fax para evidenciar os detalhes.
Dona Zilda era uma viúva, aposentada, na casa de seus 75 anos. Havia herdado o patrimônio do falecido marido e tinha uma boa quantia investida conosco. Eu supunha que o que tinha conosco devia representar uns 80% da totalidade de seus recursos. Ela conhecia muito pouco sobre o universo dos investimentos, apesar de ter muito dinheiro. Já o perfil do senhor Roberto era outro. Era um executivo experiente do mercado de capitais na casa dos seus 60 anos. Tinha um patrimônio considerável e bastante diversificado. Ele era um cara raiz de mercado. Para se ter uma ideia, o tempo que ele tinha de mercado era maior do eu tinha de vida na época. Com ele o papo era outro. Profundo. Me lembro de ter um preparo extra toda vez que nos falávamos.
Dona Zilda e seu Roberto, apesar de serem pessoas completamente diferentes, diante daquele contexto, estavam iguais. Comungavam da mesma aflição. Estavam aterrorizados com a possibilidade de ver parte do que construíram ruir.
Considero esse episódio como sendo a minha primeira experiência com a irracionalidade que impera quando o assunto é o próprio bolso. Dona Zilda e Sr. Roberto me ensinaram sobre comportamento financeiro bem antes de eu ter acesso aos experimentos e teorias de Kahneman, Ariely e Thaler. Me ensinaram que ter a rentabilidade negativa em uma carteira não é perder apenas dinheiro. É perder a chance de viajar com a família, uns anos a mais de aposentadoria tranquila, a chance de presentear o neto e, o mais importante, de não depender dos filhos no futuro. Me ensinaram também que receber uma palavra de consolo que possa minimizar as dores de uma perda financeira é a verdadeira racionalidade que impera no bolso.