• Jaquelini Cornachioni
  • Redação Marie Claire
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Duda Reis diz que criação de Instituto representa sua própria cura (Foto: Arquivo Pessoal)

Duda Reis diz que criação de Instituto representa sua própria cura (Foto: Arquivo Pessoal)

Em abril de 2021, Duda Reis concedeu uma entrevista à Marie Claire sobre o seu processo de cura após denunciar o abuso e violência que sofreu em seu relacionamento com o cantor Nego do Borel. Na época, a atriz e influenciadora digital, aos 19 anos, já usava a sua voz nas redes sociais para ajudar outras mulheres.Vontade que permaneceu em seu coração.

Um ano depois, em abril de 2022, Duda volta a falar, mas, dessa vez, sobre o Instituto Survivor, projeto que criou com a advogada Izabella Borges. Hoje, a artista revelou que tomou a causa como sua missão na vida.

“É muito libertador para mim e é uma certeza muito plena. É tão plena que pode até beirar uma certeza espiritual de que eu estou seguindo o meu propósito, que eu estou no caminho certo, ainda mais ao lado de mulheres fortes, potentes e que eu admiro e me inspiram muito. Eu estou muito honrada nesse momento da minha vida e me sinto livre”, diz Duda.


A ideia de criar o Instituto, ainda em fase inicial, surgiu durante uma viagem de Duda e Iza para a Chapada dos Veadeiros. Durante uma conversa sobre violência e traumas deixados pelos abusos, a ideia de ajudar outras mulheres que já passaram ou estão passando pelo mesmo fez com que a influenciadora começasse a se curar.

“Depois que você denuncia uma violência, é muito difícil, né? O sistema relativiza muito a mulher e ela tem que ficar lidando com aquele trauma várias vezes, enquanto o abusador não passa por nada disso, nenhuma perícia. É muito cansativo. E reviver tantas vezes aquele momento horrível dá gatilhos, é muito ruim”, desabafa ela.

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“Até então, nenhuma mulher tinha me incentivado tanto a me conhecer para que eu finalmente parasse de repetir certos padrões. Foi assim que comecei a entrar no meu processo de cura, fiz psicanálise. E nessa viagem estávamos muito conectadas, algo bem espiritual", conta a atriz.

"Em certa hora, eu disse para ela que ainda tinha gatilhos e a Iza, muito cirúrgica, respondeu: ‘Por que não criamos um Instituto?’. E isso foi perfeito, porque quando você consegue curar outras pessoas onde você foi mais ferido, é quando você entende seu propósito e se cura ao mesmo tempo. O Instituto veio dessa forma, para ajudar as mulheres a ressignificarem sua dor.".

Ajuda emocional e jurídica


O Instituto Survivor se baseia em dois pilares: ajuda emocional e suporte jurídico. Para isso, Izabella explica que as duas criaram um ambiente virtual com profissionais capacitados, como a rede de apoio do Projeto Justiceiras, da promotora Gabriela Manssur.

“A ideia é poder já reunir essas mulheres para que elas desabafem e entendam mais sobre violência doméstica. Por enquanto, pensamos tudo em um ambiente virtual, mas não significa que alguns encontros não possam acontecer pessoalmente em algum momento (....)", antecipa.

"A mulher vai passar por acompanhamento a médio prazo, via de regra. Pelo menos, será assim no começo. Ainda estamos formando nossa rede de profissionais especializados para atender à medida que essa rede for crescendo. A ideia é ter uma disponibilidade maior, além de tratamentos disponíveis por prazos maiores”, conta a advogada.

Duda Reis e a advogada Izabella Borges lançaram juntas o 'Instituto Survivor' (Foto: Reprodução / Arquivo Pessoal)

Duda Reis e a advogada Izabella Borges lançaram juntas o 'Instituto Survivor' (Foto: Arquivo Pessoal)

Rede de apoio é essencial

De acordo com a pesquisa “Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher — 2021”, realizada pelo Instituto DataSenado em parceria com o Observatório da Mulher contra a Violência, cerca de 86% as mulheres brasileiras percebem um aumento na violência cometida contra pessoas do sexo feminino durante o último ano.

Para 71% das entrevistadas, o Brasil é um país muito machista e 68% das brasileiras conhecem uma ou mais mulheres vítimas de violência doméstica ou familiar.  Ao mesmo tempo, 27% declaram já ter sofrido algum tipo de agressão por um homem. Ainda segundo o estudo, feito a cada dois anos desde 2005, 18% das mulheres agredidas por homens convivem com o agressor. Já 75% não denunciam por medo.


Por esse motivo, uma boa rede de apoio é essencial. O Instituto tem como prioridade fazer com que essas mulheres ressignifiquem todo o trauma e dor e consigam seguir em frente. Duda Reis relembra como o apoio de amigos e familiares fez com que ela conseguisse superar tudo o que viveu.

“Eu acho que toda mulher que passa por isso fica com uma ferida. A violência deixa cicatriz e ela está ali. Sempre que você olhar para ela, você vai lembrar tudo o que viveu, é inevitável, você nunca vai esquecer por completo. Os abusadores deixam marcas na nossa alma mesmo", afirma ela.

"A gente não esquece, mas aprende a lidar com a dor, aprende a ressignificar e assim começa a entender que existe vida após violência e que toda mulher é digna e deve viver essa vida da melhor forma. Hoje eu me sinto bem, consigo entrar em contato comigo mesma. Além disso, eu tive muito apoio também e essa questão espiritual, de conexão com o meu feminino, foi crucial nessa minha virada”, continua a atriz.

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Apesar de ter sido lançado oficialmente em março, no Mês da Mulher, o Instituto iniciou oficialmente suas atividades no dia 8 de abril. “Nós liberamos um canal de WhatsApp e também um formulário online, onde a mulher pode se cadastrar. A partir disso, vamos entrar em contato para fazer os encaminhamentos", explica Izabella.

"Nós vamos ter alguns encontros mensais, ou quinzenais, com algumas líderes reflexivas, mulheres inspiradoras e que vão auxiliar outras mulheres a refletirem sobre o que estão vivendo, as mudanças que querem em suas vidas. Estamos ainda nessa fase de organização”, conta ela.

O Instituto também está planejando a metodologia Survivor, que zela pelo acolhimento dessas mulheres. “A nossa rede de apoio vai passar por esse treinamento, a partir da nossa metodologia, que é bem específica, baseada em algumas teóricas internacionais, que tratam do trauma. Esse vai ser um trabalho lindo”, segue a advogada.

A adovaga Izabella Borges, que cuida de casos de violência doméstica (Foto: Reprodução / Divulgação)

A adovaga Izabella Borges, que cuida de casos de violência doméstica (Foto: Divulgação)

Mulheres precisam ser escutadas

Desde que teve a coragem de denunciar os abusos que sofreu em seu relacionamento, Duda Reis recebe mensagens de mulheres contando a própria história. “Não tem um dia que isso não aconteça: mensagens e relatos de mulheres que me dizem que a minha coragem as inspirou e as ajudou a sair de um relacionamento abusivo. Eu me sinto muito honrada, de verdade. Que grande esse propósito que foi me concebido, né?”, comenta Duda.

No Brasil, mesmo com a Lei Maria da Penha em vigor há mais de 15 anos, muitas mulheres se sentem desamparadas, seja financeiramente, ou de forma emocional. Além disso, não é sempre que elas encontram alguém para compartilhar o que vivem.

“A mulher, às vezes, só quer ser ouvida, só precisa conversar. Dessa forma, ela começa ter forças para sair daquela realidade", argumenta Izabella. "E esse é um papel que a Duda faz muito bem. Como influenciadora, ela consegue falar com muitas mulheres e principalmente jovens e adolescentes, que são o futuro do nosso país e que precisam estar conscientes e atentas."


“Eu enxergo o nosso Instituto a partir de três palavras: ressignificação, coragem e responsabilidade, porque a ideia é potencializar essas informações para que mais mulheres e mais pessoas possam compreender essa questão tão complexa que é a violência contra a mulher, que precisa ser debatida”, finaliza a advogada.

Ato revolucionário


Atualmente, Duda Reis conta com 10 milhões de seguidores no Instagram. Um número que nem a própria influenciadora tem dimensão. Até hoje, a atriz ainda lida com comentários machistas.

“Eu passei por essa situação na pele, que é infelizmente comum com todas as mulheres do mundo, do Brasil, mas eu passei de uma maneira muito pública. Então eu vivi muita coisa e ainda leio comentários extremamente machistas, de pessoas que invalidam a minha verdade o tempo todo, que não estão dispostas a falar sobre isso e nem ouvir", lamenta a atriz.

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"Quando você decide quebrar algum padrão que já vem de anos, de séculos, é um ato revolucionário. Eu acho que o Instituto, para mim, está sendo um ato revolucionário porque a gente se coloca à disposição para falar sobre um assunto que a maior parte da sociedade não quer falar e que é necessário. Não estou falando que o fato de criar o Instituto é revolucionário por si só, mas sim sair desse padrão”, diz.

Ao ser questionada sobre como se enxerga hoje, Duda Reis não pensa duas vezes: "A Duda, mais do que nunca, é uma mulher autêntica, irreverente e destemida. Muito destemida mesmo, eu me coloco independente da situação. Essa sou eu".

Em conversa com a Marie Claire, Duda Reis fala sobre violência doméstica que sofreu: 'Eu passei por essa situação na pele' (Foto: Reprodução / Catarino)

Em conversa com a Marie Claire, Duda Reis fala sobre violência doméstica que sofreu: 'Eu passei por essa situação na pele' (Foto: Catarino / Divulgação)