Um Só Planeta

Por Arthur Almeida, com edição de Luiza Monteiro

O Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) lançou, nesta segunda-feira (20), o novo Relatório Síntese AR6, que encerra o sexto ciclo de avaliações sobre os impactos do aquecimento global. Disponível online, o documento sugere pontos a serem repensados pelos países na missão de reduzir as emissões de gases de efeito estufa (GEEs).

Em coletiva de imprensa, especialistas brasileiros alertaram que a necessidade de ação é “urgente” e envolve todos os setores da sociedade: governos, empresas e população. “As lacunas de implementação dos planos existentes estão nos levando a um futuro que pode ser perigoso”, advertiu Paulo Artaxo, coordenador do Programa Mudanças Climáticas da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).

A temperatura global da superfície terrestre aumentou mais rapidamente desde 1970 do que em qualquer outro período de 50 anos, durante os últimos dois milênios. Em 2019, as concentrações atmosféricas de dióxido de carbono (CO2) foram maiores do que em qualquer momento em, pelo menos, 2 milhões de anos. E as concentrações de metano e óxido nitroso foram maiores do que em qualquer período dos últimos 800 mil anos.

O estudo indica que alguns dos efeitos das mudanças climáticas no planeta já podem ser considerados irreversíveis, caso do derretimento de geleiras e da destruição de ecossistemas. “Por isso, o relatório tem foco no desenvolvimento resiliente ao clima e, assim, promover adaptações e a mitigação das emissões de maneira coordenada e conjunta”, explicou Artaxo.

Da forma como as políticas ambientais têm sido conduzidas, o planeta está em uma rota de aquecimento que prevê um aumento de mais de 2°C nas temperaturas médias da Terra, estima o relatório. O documento também revela que a crise tem gerado dificuldades para acessar os recursos hídricos e produzir alimentos, fatores que tendem a piorar com o tempo e escancarar ainda mais as desigualdades sociais.

“Comunidades mais vulneráveis que, historicamente, contribuíram menos com as mudanças climáticas, estão sendo afetadas de forma desproporcional. Cerca de 3,5 bilhões de pessoas estão vivendo em contextos altamente insustentáveis, como aqueles vividos pelos moradores do litoral norte paulista em meio às fortes chuvas do último mês. Essas populações têm 15 vezes maior probabilidade de morrer devido a enchentes, secas e tempestades”, explicou o especialista brasileiro sobre a chamada justiça climática.

Apesar disso, um cenário ainda mais grave pode ser evitado. A pesquisa avalia que as tecnologias já existentes são capazes de auxiliar na missão de reduzir o gás carbônico em 48% até 2030; em 65% até 2035; em 80% até 2040; e 99% até 2050.

Combate às mudanças climáticas exige ação urgente e coletiva, indica novo relatório do IPCC — Foto: Pexels
Combate às mudanças climáticas exige ação urgente e coletiva, indica novo relatório do IPCC — Foto: Pexels

Algumas dessas soluções são, por exemplo, investimentos em energias renováveis (sobretudo solar e eólica), sistemas urbanos eletrificados, infraestrutura verde urbana, melhoria da gestão de plantações e redução do desperdício e da perda de alimentos. Por esse caminho, os especialistas esperam cumprir a meta internacional do aumento mínimo de temperatura em 1,5 °C com nenhuma ou pouca ultrapassagem até a metade do século.

“É preciso aproveitar a estreita janela de oportunidade que nós temos até 2030 para uma rota de redução rápida e sustentável das emissões de gases de efeito estufa e, ao mesmo tempo, fechar as lacunas de adaptação", resumiu a bióloga Mercedes Bustamante, presidente da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), que colaborou na escrita do relatório. "Existem várias condições que são determinantes para que isso aconteça - integração dos setores, políticas de mudança e disponibilidade de tecnologias de inovação -, mas há também barreiras que precisam ser vencidas, como é o caso das desigualdades sociais e das limitações de recursos."

E o Brasil?

Segundo os especialistas, cada país tem sua forma de abordar e enfrentar as mudanças climáticas. “No caso do Brasil, nós temos alguns ‘trunfos’ que devem ser explorados”, destacou o engenheiro Moacyr Araújo, coordenador da Rede Clima.

Em relação à matriz de gases de efeito estufa brasileira, mais de 90% das emissões estão relacionadas a três fontes: mudança dos solos e das florestas (46%), agricultura (28%) e energia (18%). Dessa forma, as ações de mitigação poderiam se concentrar nessas áreas.

“Isso já foi feito antes na nossa história. Nós diminuímos em mais de 80% nossas emissões a partir da redução do desmatamento na Amazônia durante os governos Lula e Dilma. Então, é algo que podemos repetir”, lembrou Araújo. Para ele, o desafio do Brasil hoje é “recuperar o tempo perdido dos últimos seis anos”.

Com o apagão da agenda climática pelos governos Temer e Bolsonaro, o país voltou a apresentar altos níveis de devastação em suas vegetações nativas em prol do agronegócio. Isso fez com que perdesse sua credibilidade internacional, que, até então, possibilitava o repasse de recursos internacionais para a manutenção das florestas.

Além disso, vale destacar que o Brasil é um dos maiores produtores de grãos, e um dos países que mais investe na agricultura. Dos R$ 341 bilhões do Plano Safra 2022/23, por exemplo, apenas 1,8% dos recursos disponibilizados são vinculados a programas de agricultura de baixo carbono. Araújo vê na reorganização desse montante uma oportunidade para a mitigação sustentável das emissões de poluentes.

Outro diferencial brasileiro é no setor das energias renováveis. No Nordeste, diversas regiões tiveram sua vegetação nativa desmatada e, assim, podem receber corredores de painéis solares, sem a necessidade de uma nova destruição da Caatinga. Da mesma forma, a área contém a zona de convergência intertropical, onde os ventos que vêm da Europa e da África se encontram em uma intensidade forte o ano todo, tornando vantajosa a instalação de turbinas eólicas.

Todas essas reflexões fazem parte do relatório e foram levadas para o governo brasileiro. “Não estamos mais em um momento de saber quais são os problemas. Já sabemos, e muito bem, o tamanho da emergência climática que estamos vivendo", pontuou Ana Toni, responsável pela Secretaria Nacional de Mudanças do Clima. "Agora, precisamos olhar para as lacunas de implementação e, assim, entender como podemos acelerar o combate às mudanças do clima. Incorporar esse tema aos processos de governança política é absolutamente fundamental.”

Esse relatório deve ser a documentação completa do IPCC sobre os impactos climáticos até o final da década. Portanto, é com base nas informações dispostas nessa versão que as autoridades deverão agir de forma a criar políticas públicas para frear a crise do clima e cumprir as metas estabelecidas.

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