Ciência

Por Marília Marasciulo

Em 2019, uma figura aparentemente borrada e com poucos elementos entrou para a história da física por ser a primeira imagem já feita de um buraco negro. Quatro anos depois, uma equipe liderada pela astrofísica brasileira Lia Medeiros, de 32 anos, apresentou uma nova versão do registro em mais detalhes. Aparentemente simplória para o olhar de um leigo, a imagem — e a técnica usada para melhorar a resolução dela — foi compartilhada em artigo publicado no periódico The Astrophysical Journal.

O registro vem ajudando a ciência a entender melhor as origens e o funcionamento do cosmos. “Quase tudo o que a gente sabe sobre o universo vem da luz. Grande parte da astronomia é entender como a luz pode informar. Sua pode falar a temperatura de um objeto, sua velocidade e do que ele é feito”, diz Medeiros, que atua como pesquisadora do Instituto de Estudos Avançados de Princeton (IAS, na sigla em inglês), nos Estados Unidos.

O buraco negro da foto é o M87*, batizado por cientistas do Havaí como Pōwehi, que significa “fonte escura e embelezada de criação sem fim”. Ele fica a cerca de 55 milhões de anos-luz da Terra, e sua imagem foi captada em 2017 pelo projeto de colaboração internacional Event Horizon Telescope (EHT).

Mas a tarefa de registrar a imagem de um objeto cósmico tão grande e distante não é tão simples como apontar uma câmera em direção ao espaço. “Para fazer a imagem desse jeito, com essa resolução de um celular, a gente teria que ter um telescópio literalmente do tamanho da Terra”, explica Medeiros. “O que a gente usa é uma técnica chamada interferometria, em que vários telescópios espalhados pelo planeta, que funcionam como um time de telescópios, olham para o buraco negro no mesmo momento e coletam dados.”

Telescópios não buscam apenas imagens visíveis — eles podem observar ondas eletromagnéticas variadas. E as características delas, como o comprimento, são algumas das informações coletadas pelos diversos equipamentos espalhados pela Terra. Sobrepostos, esses dados permitem que se monte um quebra-cabeça cujo resultado foi, nesse caso, a foto do M87* divulgada em 2019.

Buraco negro supermassivo M87* fotografado em 2019 (à esquerda); e nova imagem gerada pelo algoritmo PRIMO neste ano (à direita) — Foto: Medeiros et al. 2023)
Buraco negro supermassivo M87* fotografado em 2019 (à esquerda); e nova imagem gerada pelo algoritmo PRIMO neste ano (à direita) — Foto: Medeiros et al. 2023)

“Cada telescópio coleta um pouquinho de informação sobre a imagem. Mas não temos telescópios suficientes para entender tudo. Tem informação faltando. O limite de resolução do telescópio, e da técnica usada para preencher as informações que estão faltando, é que cria esse efeito borrado na imagem”, resume Medeiros. Por isso, a equipe buscou uma maneira de tornar a foto mais nítida — o que envolve muita programação.

O dia a dia de uma astrofísica

Embora tente desvendar os mistérios do universo, a rotina de uma cientista como Lia Medeiros tem mais telas de computador do que observação direta do espaço. “Grande parte do meu dia a dia é programação. Escrevo códigos em computadores gigantescos para simular buracos negros”, relata a brasileira.

Fora isso, o trabalho consiste em ler e escrever artigos científicos, como o que apresentou a nova resolução da imagem de M87*, fazer reuniões com colegas de trabalho e outros pesquisadores, além de ministrar e assistir a palestras. “Como em qualquer carreira, você tem que conviver com seus colegas. Porque a ciência é feita por humanos, e cada dia fica mais claro que você precisa de colaboração para fazer qualquer coisa. Tudo é um projeto de grupo. É raro ter alguém fazendo ciência completamente sozinho. Então, tem que fazer relacionamento, negociação, ter comprometimento”, resume.

A parte que envolve programação consiste em lógica e cálculo, ou seja, matemática. E essa sempre foi a paixão de Medeiros, que enxergou na disciplina uma linguagem universal. Nascida no Rio de Janeiro, ela viveu em diversas cidades brasileiras e diferentes países acompanhando o pai, professor de engenharia aeronáutica da Universidade de São Paulo (USP).

Vivendo a ciência dentro de casa, aproximou-se da astrofísica durante os últimos anos do ensino médio, nos Estados Unidos. “Foi quando percebi por que a matemática é universal. Para mim é inspirador pensar que nós, humanos, podemos usar matemática para entender o que está acontecendo no universo, para fazer previsões”, reflete.

“A ciência é feita por humanos, e cada dia fica mais claro que você precisa de colaboração para fazer qualquer coisa. Tudo é um projeto de grupo”
— Lia Medeiros, sobre a importância do trabalho em equipe entre cientistas

Depois do colégio, a brasileira ingressou na Universidade da Califórnia em Berkeley, onde se graduou em física e astrofísica em 2013. Emendou mestrado e doutorado na Universidade da Califórnia em Santa Bárbara, em 2016 e 2019, respectivamente. Então se mudou para a costa leste do país norte-americano, para ingressar no IAS. O objetivo era estudar as teorias de Albert Einstein, e a instituição escolhida não foi à toa: o físico alemão trabalhou no instituto de Princeton em seus últimos anos de carreira.

Einstein ainda está certo

A Teoria da Relatividade Geral proposta por Einstein basicamente descreve o efeito da força gravitacional no espaço. Publicada em 1915, quando ainda não existiam os sofisticados telescópios que temos hoje, ela já previa a existência de buracos negros. E não só isso: as equações possibilitam determinar as características desses objetos, como seu tamanho e formato.

Figura compara imagem simulada de um buraco negro no comprimento de onda de 1,3 mm (à esquerda) com reconstrução da imagem pelo algoritmo PRIMO (à direita), desenvolvido por Medeiros em 2022 — Foto:  Medeiros et al. 2022
Figura compara imagem simulada de um buraco negro no comprimento de onda de 1,3 mm (à esquerda) com reconstrução da imagem pelo algoritmo PRIMO (à direita), desenvolvido por Medeiros em 2022 — Foto: Medeiros et al. 2022

“Grande parte do que fiz nos últimos anos foi focado em usar as imagens para testar a teoria de Einstein”, explica Medeiros. “Por exemplo, a gente usa o tamanho do círculo para testar se o buraco negro no espaço é consistente com o buraco negro específico previsto pela teoria. Até agora está tudo certo, tudo consistente com o que foi previsto. Einstein ainda está certo.”

Afirmar isso com segurança só é possível diante de uma foto de buraco negro com maior resolução. Partindo da premissa de que os algoritmos usados para gerar imagens de dados interferométricos precisam preencher a informação que está faltando, e que os algoritmos usados para gerar a imagem original não foram baseados em expectativas teóricas, Medeiros e sua equipe desenvolveram um novo algoritmo que usa aprendizado de máquina.

Ele se baseia em teorias existentes para preencher esses dados e atingir a resolução máxima do telescópio. “Com esse novo algoritmo, a gente está preenchendo lugares na imagem onde não há informação. Especificamente, ele está aprendendo como regiões próximas umas das outras estão relacionadas. E faz isso a partir de simulações”, explica a pesquisadora.

Embora surpreendente, a façanha científica de Lia Medeiros e equipe não representa um ponto final nas dúvidas sobre o funcionamento do universo. Ao contrário: é o ponto de partida para continuar testando e colocando à prova as teorias da física. “Eu espero sempre aprender mais sobre buracos negros, sobre o que acontece com a matéria que está em volta deles, como eles crescem e como são afetados pela galáxia”, conta a brasileira. “Para mim, ciência tem que ser assim: cada resultado gera novas questões e novas direções para entender o que está acontecendo.”

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