Em O anel de Eva, filme brasileiro que estreia nesta quinta-feira (13) nos cinemas, Eva Vogler (Suzana Pires) ganha um relicário com um anel após a morte de seu pai adotivo. A joia, que traz a inscrição ‘Eva 1945’, motiva a protagonista a investigar o passado, na tentativa de descobrir a história de sua família. Todas as pistas levam à fazenda Alpendre, no Mato Grosso, onde vive o alemão Martin Hirsch (Odilon Wagner) – local que, no drama, foi também palco de um capítulo nefasto do programa de eugenia nazista.
Mas e se isso tivesse mesmo acontecido? “Havia [na região] uma tese, inclusive estudada [por uma pesquisadora] na Universidade do Mato Grosso, de que Hitler possivelmente teria passado pelo estado”, explicou um dos roteiristas do filme, Pedro Reinato, em entrevista exclusiva à GALILEU. A teoria em questão nunca foi comprovada, sendo, inclusive, questionada por pesquisadores à época. Mas serviu de inspiração para o roteiro do filme. “Fomos pesquisar sobre a possibilidade da construção de um Lebensborn [no Brasil]”, disse Reinato.
Lebensborn – ou “fonte da vida”, em tradução do alemão – era o nome do programa eugenista criado durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945) pela SS, o braço armado do partido nazista. O projeto defendia a supremacia da raça branca (ariana), que, segundo os ideais nazis, representava uma “raça superior”.
O objetivo principal era aumentar a taxa de natalidade de crianças arianas. A partir do discurso eugenista, bebês brancos, loiros, de olhos azuis eram selecionados e isolados. Então, quando chegassem à maturidade sexual, poderiam se reproduzir com pessoas de aparência semelhante.
Muitas crianças com as características consideradas ideais, foram roubadas de países como Polônia, Noruega e Iugoslávia. A história de uma dessas vítimas sequestradas de seus pais, Ingrid von Oelhafen, inclusive, virou o livro As crianças perdidas de Hitler.
Nazismo à brasileira?
O diretor do longa, Duflair Barradas, ressalta que a ideia do filme não é discutir se o líder nazista realmente esteve ou não no Brasil. “Nunca foi nossa intenção discutir se ele [Hitler] esteve ou não no Mato Grosso. A gente, na verdade, acha uma possibilidade completamente fora da realidade”, explica.
“Existem, no entanto, oficiais que fugiram da Segunda Guerra e se esconderam pelo mundo todo, inclusive no Brasil, na Argentina e no Chile", diz. Um dos exemplos é o do ex-oficial da SS Gustav Franz Vagner, conhecido como “Besta de Sobibor”, que viveu 45 anos no Brasil e se suicidou em um sítio em Atibaia (SP). “Partimos de uma premissa de que o nazismo está nos interiores, escondido nas fronteiras, nas fazendas”, completa Barradas.
Escolha do elenco
O diretor conta que, após conversar com Suzana Pires pela primeira vez, sentiu que a atriz se encaixava perfeitamente no papel de Eva. A escolha de Odilon Wagner, outro grande nome da TV brasileira, se amparou também em experiências anteriores do ator. Ele fez parte do elenco de outros filmes com a temática nazista, como “Josef Mengele - My Father, Rua Alguém 5555”, de 2003.
Odilon Wagner já tinha dito que não interpretaria mais personagens nazistas. O diretor, no entanto, disse que o ator entendeu que esse tipo de personagem precisa de bons atores para interpretá-los.
“Uma preocupação minha enquanto diretor é que confundam o discurso do ator com o discurso do personagem. Basicamente, não pode existir espaço para que se acredite que aquilo é uma apologia a um regime como o nazismo”, acrescenta. “Eles [a dupla de atores] foram escolhidos a dedo, mas também escolheram o filme”, relata Barradas.
Os desafios de fazer um filme histórico “fora do eixo”
O comprometimento com o projeto fez com que Odilon se envolvesse até mesmo com a caracterização. Barradas lembra que o ator foi comprar pessoalmente o chapéu que ele usa no filme “porque ele queria dar um toque no personagem que estava criando”.
“Do ponto de vista mais técnico, recriar esse universo nazista não é muito fácil, principalmente no Brasil. Por exemplo, tem algumas peças dos figurinos que são originais da época da guerra. Tem objetos de cena, como armas da Segunda Guerra, que foram pesquisadas e escolhidas a dedo”, relata Barradas.
O partido nazista usava anéis correspondentes a diferentes frentes da organização. Por isso, esses elementos também deveriam aparecer na narrativa. “A gente achou um anel original que era do Lebensborn, nós conseguimos as imagens dele. Mandamos para uma empresa especializada, que produz aneis especiais, e eles fizeram todo o desenho”, diz o diretor.
A logística das filmagens também foi um ponto importante: algumas cenas em estúdio aconteceram na capital paulistana. Mas boa parte das paisagens são do centro-oeste brasileiro. “Estávamos filmando em São Paulo e tinha uma facilidade para os atores estarem ali. Mas eles tiveram que ir para Cuiabá, região do Pantanal, por 30 a 40 dias direto, fazendo preparação para aprender a montar [em cavalo], a atirar e fazer coisas da fazenda”, conta Barradas.
Além da abordagem histórica, o filme também abre espaço para a problemática da homofobia. “A gente está trabalhando no universo das fazendas do interior do Brasil, que é um universo extremamente conservador, homofóbico e preconceituoso”, diz o diretor. “Se o viés do nazismo é essa questão racial, dentro das fazendas a questão de gênero também é um problema enorme, que a gente vai ter que lidar uma hora. Não tem mais como [tudo] ficar como era antes, escondido e reprimido”.
Barradas argumenta que a produção foi feita para ser assistida no cinema – que garante que o público consiga emergir na trilha sonora e no visual da obra. “A gente não tem um filme que é tão cabeçudo ao ponto de ser chato e não é tão comercial ao ponto de não ter nenhuma mensagem”, ressalta o diretor.
“A extrema direita está ocupando um espaço e claramente expondo suas diretrizes para o mundo. Então, eu acho que, para além do entretenimento, do cinema e do filme, também fica essa mensagem sobre as consequências que isso tem para a sociedade, finaliza Barradas.
O anel de Eva estreia nos cinemas do Brasil nesta quinta-feira (13).