Ciência

Por André Julião | Agência FAPESP

Um conjunto de fósseis resgatado no Rio Grande do Sul traz uma nova camada de complexidade ao estudo da história evolutiva dos silessaurídeos, uma linhagem de dinossauriformes (dinossauros e parentes próximos) que viveu entre 247 milhões e 208 milhões de anos atrás aproximadamente, no período Triássico.

Num estudo publicado no Journal of Vertebrate Paleontology, pesquisadores do Brasil e dos Estados Unidos mostram que, mesmo com o novo fóssil, ainda é difícil afirmar onde tais animais se encaixam na linha evolutiva dos dinossauros.

O fóssil foi encontrado em 2014 no sítio chamado Waldsanga, no Rio Grande do Sul, parte da Formação Santa Maria, um dos corpos rochosos mais ricos em fósseis do Brasil. Os ossos correspondem a mais de um indivíduo, o que gera alguma incerteza sobre terem pertencido a uma única espécie, embora as evidências indiquem que sim. O fóssil, antes de tudo, é um importante registro sobre os animais que viveram na localidade no período Triássico.

O animal é o quarto silessaurídeo encontrado no Brasil, o segundo da idade Carniana, entre 237 milhões e 227 milhões de anos atrás. É conhecido pela sigla UFSM 11579, uma vez que está depositado no Laboratório de Estratigrafia e Paleobiologia da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM).

“Ao inserirmos as características do espécime em diversas filogenias [histórias evolutivas] do grupo, manteve-se em aberto se os silessaurídeos eram dinossauros ou seus parentes próximos. De qualquer modo, as evidências anatômicas e filogenéticas validam os novos achados como pertencentes à linhagem dos silessaurídeos, ainda que não nomeados como uma nova espécie” conta Gabriel Mestriner, primeiro autor do estudo, realizado como parte de seu doutorado na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FFCLRP-USP) com bolsa da FAPESP.

“Por se tratar de um material desarticulado, e considerando o instável contexto evolutivo do grupo, concluímos que, nesse caso, o acréscimo de mais uma espécie apenas agravaria a problemática já existente, em vez de fornecer soluções”, completa.

Os silessaurídeos eram animais majoritariamente quadrúpedes, com algo entre um e três metros de comprimento. Tinham longas patas traseiras, enquanto as dianteiras eram delgadas. São registrados no que hoje são a América do Sul, América do Norte, África e Europa.

A primeira espécie, Silesaurus opolensis, foi descrita em 2003, a partir de fósseis desenterrados na Silésia, Polônia. Daí o nome da espécie que deu origem ao grupo. “Essa primeira espécie descrita é a que tem o esqueleto mais completo, além de serem vários indivíduos servindo de referência. Desde então, as outras cerca de dez espécies foram descritas a partir de material mais fragmentado”, relata Júlio Marsola, coautor do estudo, parte de seu pós-doutorado na FFCLRP-USP realizado com bolsa da FAPESP. Atualmente, Marsola é professor na Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR), em Dois Vizinhos.

O trabalho integra o projeto “Explorando a diversidade dos dinossauros do Cretáceo Sul-Americano e suas faunas associadas”, apoiado pela FAPESP e coordenado por Max Langer, professor da FFCLRP-USP que orientou o estudo publicado agora.

“Embora muitas espécies tenham sida descritas com base em poucos ossos, o problema maior desse grupo não é falta de material. Eram animais com anatomia ambígua, com partes do esqueleto semelhantes às dos dinossauros e outras nem tanto. Então é difícil definir seu parentesco”, explica Langer.

Dente diferente

Em outro estudo, publicado em 2021, os pesquisadores se aprofundaram na compreensão de uma característica que forneceu novas evidências sobre o parentesco dos silessaurídeos.

Ao analisar os dentes de quatro espécies, incluindo espécimes do fóssil descrito agora, o grupo observou que, em geral, a implantação dentária dos silessaurídeos era fusionada no osso. Não havia, portanto, uma camada de ligamento (um tecido mole) entre o osso alveolar e o dente, como ocorre nos dinossauros e nos crocodilos atuais.

“Porém, ao mesmo tempo, alguns dos dentes analisados apresentaram uma configuração mais próxima daquela dos dinossauros e crocodilos, como se os silessaurídeos estivessem evolutivamente indo nessa direção, representando um estágio intermediário entre a condição ancestral [dentes fusionados] e a condição derivada [dentes sustentados por ligamentos]”, explica Mestriner, que realizou o trabalho durante seu mestrado na FFCLRP-USP, com estágio na Virginia Tech (Estados Unidos) e na Universidade de Alberta (Canadá).

A nova configuração é vista nos dentes dos mamíferos, como os próprios humanos, e considerada uma importante vantagem evolutiva em relação aos nossos ancestrais não mamíferos, uma vez que o complexo de ligamentos funciona como um sistema de amortecimento que ajuda a reduzir o impacto mecânico causado ao morder um alimento duro, por exemplo.

A informação da implantação dentária, porém, não foi suficiente para diferenciar os silessaurídeos de outros dinossauriformes. No entanto, os afasta um pouco mais dos dinossauros, tornando mais provável que sejam uma linhagem de animais muito próxima, mas não integrante dos dinos.

Para Langer, que coordenou os estudos, mais importante do que continuar a nomear novas espécies é entender a história evolutiva dos grupos. Isso pode ser feito com base nos dados existentes, como fósseis depositados em museus.

“Precisamos de estudos filogenéticos com maior nível de detalhe. Pesquisadores que se debrucem sobre as coleções, estudem todos os fósseis daquele grupo e encontrem características que indiquem parentescos dentro do grupo ou entre grupos. Os bancos de dados que se tem hoje são elaborados a partir desses levantamentos, que têm faltado. É um trabalho duro, mas sem ele não temos como avançar”, encerra o pesquisador.

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