O surfista Ian Cosenza (@iancosenza) voltava do Espírito Santo quando recebeu um chamado pra ir pro Sul do país — mas não em busca de ondas gigantes e, sim, enfrentar correntezas para ajudar a resgatar vítimas da maior tragédia climática do Rio Grande do Sul. "O Pedro Scooby ligou para o Lucas Chumbo, dizendo que estava a fim de ir para lá. Nisso, a gente já montou nossa equipe e disse: 'Bora, vamos lá ajudar, independemente do que a gente encontrar pela frente. A nossa experiência em águas rápidas e o nosso equipamento com certeza serão úteis'", conta.
"A equipe se preparou como se estivesse indo para um cenário de águas rápidas após um tsunami", lembra. Eles levaram os próprios equipamentos de treino e ficaram alojados na casa de uma família gaúcha. Foi uma semana intensa atuando no resgate do máximo de pessoas possível, incluindo crianças. "Elas se divertiram com a gente e, por uns instantes, saíram daquele ambiente pesado", disse. "E nós tivemos uma experiência de vida marcante e gratificante por termos conseguido ajudar tantas pessoas", completou. Em entrevista à CRESCER, ele contou em detalhes como foi essa experiência.
CRESCER: Por que vocês decidiram ajudar as vítimas da enchente? Qual foi a maior motivação?
Ian Cosenza: Quando a enchente começou, estávamos no Espírito Santo, na praia de Regência, pegando um swell. E quando estávamos na estrada, indo para o Rio de Janeiro, o Scooby ligou para o Lucas Chumbo, dizendo que estava a fim de ir para lá. Nisso, a gente já montou nossa equipe e disse: 'Bora, vamos lá ajudar, independemente do que a gente encontrar pela frente. A nossa experiência em águas rápidas e o nosso equipamento, com certeza, serão úteis'. E a todo momento, a nossa maior motivação era ajudar as equipes de resgate. A galera do big surf do Rio Grande do Sul também já tinha se prontificado e estava lá.
CRESCER: Vocês estavam preparados o cenário que encontraram?
Ian Cosenza: A gente foi preparado para o pior! Já estávamos colhendo algumas informações, então, a equipe se preparou como se tivesse indo encontrar um cenário de águas rápidas após um tsunami. É um cenário que, claro, não estamos acostumados, mas se a gente for trazer para o nosso dia a dia do surf, conseguimos ver muitas familiaridades, então, acho que a galera se sentiu, de certa forma, à vontade de trabalhar naquele ambiente.
CRESCER: Onde vocês ficaram alojados?
Ian Cosenza: Ficamos alojados na casa de uma família gaúcha, em uma localidade próxima, que fica no alto — com luz e água próprias e uma estrutura de alimentação orgânica muito boa. Então, a gente pode ficar por tempo indeterminado e com a certeza de que teríamos todos os recursos básicos por todo o período necessário.
CRESCER: As motos aquáticas usadas nos resgates eram de vocês?
Ian Cosenza: Sim, são as nossas, as mesmas que usamos no dia a dia para exercer nossa profissão, que é pegar ondas grandes. Então, foi o nosso equipamento de treino e de competição, que colocamos à serviço da população do Rio Grande do Sul.
CRESCER: Vocês têm ideia de quantas pessoas conseguiram ajudar?
Ian Cosenza: Eu acho que passou facilmente de 2 mil pessoas, fazendo um cálculo simples. Nós esvaziamos três escolas, que estavam em um estado bem crítico, e cada uma tinha de 200 a 300 pessoas. E ao longo da semana que ficamos ajudando, nossa conta estava entre 1 mil e 2 mil pessoas — só a nossa turma do jet, fora toda a galera, de civis e voluntários. Foi gratificante! As crianças se divertiram com a gente e, por uns instantes, saíram daquele ambiente pesado.
CRESCER: Alguns integrantes da equipe ficaram doentes. Como foi isso?
Ian Cosenza: Nós passamos sete dias nessa missão. A gente saiu do Rio de Janeiro em um domingo e voltamos no outro. Levamos 24h pra ir e mais 24h pra voltar, e cinco dias de resgate bem intensos. E pelo fato de estarmos imersos em um ambiente sem os devidos anticorpos, parte da equipe ficou doente — eu, inclusive. Mas não passou de um resfriado forte. Tivemos o acompanhamento de médicos conhecidos, que estavam com a equipe, não deixando nenhum caso se agravar. Mas apesar de sermos fortes e muito bem adpatados às condições extremas, todos acabaram adoencendo, sim.
CRESCER: Como ficou o emocional depois de todos esses dias convivendo com as vítimas da enchente?
Ian Cosenza: Acho que, emocionalmente, todos ficaram bem apegados a esse acontecimento e ainda não conseguimos 'desgrudar' 100%. Também por isso, continuamos numa corrente solidária muito grande — sabemos que essa tragédia não vai passar do dia para a noite, as pessoas vão demorar para restabelecer a normalidade, estabilizar suas vidas, então, continuamos tentando ajudar daqui. Durante os resgates, tentamos levar tudo com bastante leveza e isso, aliado ao comprometimento, se assemelha muito ao nosso esporte. Com isso, ninguém saiu traumatizado, mas, sim, fortalecido. Tivemos uma experiência de vida marcante e gratificante por termos conseguido ajudar tantas pessoas.
CRESCER: Como foi a decisão de voltar para casa?
Ian Cosenza: A nossa partida foi bem estratégica. Não decidimos simplesmente ir embora. A gente estava sendo assessorado de perto pelas forças de segurança, então, recebíamos informações privilegiadas sobre o que fazer, como ajudar e onde atuar, e até por isso nossa equipe foi tão eficiente. Tínhamos um comando muito bom, que estava unido com os órgãos públicos e com a delegações civis. Além do apoio da galera local, que tinha todos os comando mapeados, contamos com a parceria da Polícia Civil, Polícia Federal e as forças de segurança. E quando fomos embora, foi por orientação deles, porque aquela primeira fase estava chegando ao fim e eles poderiam assumir os postos, claro, com a promessa de que voltaríamos, caso fosse necessário.
CRESCER: Mesmo de longe, vocês continuam ajudando de alguma maneira?
Ian Cosenza: Sim, a gente continua ajudando de várias maneiras — arrecadandos doações, arrecadando fundos para insituições, para ideias e alternativas que possam ajudar a reestabilizar a situação. E pelo fato de acreditarmos que essa situação não vai durar pouco tempo, nossa corrente não será passageira.