"O sinal mais importante que os pais devem estar atentos é a criança não estar brincando — é ela parar de brincar", alerta a psicóloga Carla Maia, especializada em saúde mental e educação infantil. Ela, que se dedica há mais de 20 anos ao desenvolvimento emocional, social e cognitivo de crianças e adolescentes, afirma que, quando algo não vai bem, elas ainda podem parar de comer e não dormir bem. "A criança, diferentemente do adulto, não fala sobre seus traumas ou daquilo que a impactou. Ela fica entristecidade, como se parasse de sonhar e imaginar", completou.
Na tragédia da enchente que assola o Rio Grande do Sul desde o início de maio, mais de 400 municípios gaúchos foram afetados — são 147 óbitos, mais de 80 mil pessoas em abrigos e 538 mil desalojados, entre eles, milhares de crianças, informou o Governo do Estado em seu último balanço oficial. São pequenos que deixaram de ir a escola, que perderam suas roupas, seus brinquedos, seus lares e suas rotinas. "A criança, quando vivencia esse tipo de situação, fica 'boazinha', mais quietinha e não costuma dar sinais de trauma. Ela percebe que o ambiente está muito sobrecarregado emocionalmente", explica.
Como lidar?
Em um primeiro momento, explica a psicóloga, é importante tentar inserir a criança em uma rotina novamente, de forma gradual. "É preciso buscar um ambiente saudável, dentro do possível, para que ela possa ser criança. Ela também precisa ser mais acolhida, já que, depois de algum tempo, a tendência é que ela comece a colocar para fora um pouco do que vivenciou como, por exemplo, através de birras. E os adultos precisam ter mais paciência, serem mais tolerantes para lidar com esse comportamento", orienta.
Diante de uma situação extrema, como tem ocorrido no sul do país, a especialista diz que também é importante poupar ao máximo os pequenos para que eles não absorvam tudo o que está acontecendo ao seu redor. "Nunca negar, claro, dar espaço para que elas possam falar o que quiserem e estarem atentos às dúvidas. Mas é importante também não sobrecarregá-las com muitas informações. Então, evite falar sobre o assunto na frente delas. Ajude seu filho voltar a brincar, a tere, minimamente, um ambiente 'brincante', para que possam começar a elaborar tudo o que viveram", continua.
E para brincar, esclarece a psicóloga, a criança precisa ter material para que possa criar, transformar, construir e descontruir. "Uma simples lanterna pode tornar a brincadeira interessante, A fitra crepe pode se tornar um curativo em um hospital de bonecos. São materiais que ajudam a criança a elaborar, a cuidar de ferimentos que não são só externos, mas internos também. É assim que a gente aborda os assuntos com as crianças — durante a brincadeira. Muitas vezes, elas falam sobre algo que a está incomodando em meio a uma fantasia. Infelizmente, o brincar nem sempre é visto como algo importante, mas esse espaço é fundamental para sua saúde mental. É brincando que a criança elabora tudo o que aconteceu e se recupera minimamente", completa.
"Para isso, kits individuais com materiais para brincar são importantíssimos. Cada criança deve ter seu. Elas já perderam muitas coisas, e não é hora de dividir, mas de reparar o individual. É importante ela poder, mesmo no abrigo, buscar a individualização de alguma forma. Ser reconhecida pela sua individualidade, a ajuda a ter um conforto emocional", afirma. "A criança, quando tem um ambiente que a favorece, tem uma maior condição de fazer a reparação de um trauma. Então, se esse ambiente for proporcionado agora, o impacto mental, lá na frente, será menor", finaliza.