Parto
 

Por Vanessa Lima


Durante a adolescência, Maria Ângela Floriano, 24, sonhava em ser jornalista, de tanto que gostava de ver a própria história contada em uma edição da CRESCER, de 1999. A professora aposentada Marisa Floriano, 59, sua mãe, lembra que ela adorava mostrar a reportagem para todo mundo. Era uma forma de eternizar dias que foram angustiantes, marcantes e especiais, não só para a família dela, mas para tantos outros bebês que, como ela, puderam ter suas vidas salvas por uma técnica, então, inovadora – a cerclagem – para postergar o nascimento de um gêmeo, depois de o primeiro ter nascido prematuramente. 

Cerclagem pode salvar vida de bebês prematuros — Foto: Getty Images
Cerclagem pode salvar vida de bebês prematuros — Foto: Getty Images

Em abril de 1998, Marisa, que é da cidade de Manoel Ribas (PR), estava grávida de gêmeos, uma menina e um menino. Com apenas 24 semanas de gestação, começou a sentir contrações. Encaminhada ao Hospital da Universidade Estadual de Londrina (UEL), precisou ser internada e os exames detectaram que ela tinha dilatação uterina e que a bolsa de um dos bebês já tinha se rompido, o que significava que ambos nasceriam em poucas horas. 

O primeiro bebê, o menino, nasceu pesando 630 gramas e confirmou as preocupações de todos, morrendo antes de completar um dia de vida. Mas Maria Ângela, sua irmã, ainda poderia ser salva. A questão era: como? Foi quando o obstetra Ricardo Mendes Alves Pereira, então chefe da maternidade do HU, teve uma ideia arriscada, mas que daria a ela uma chance maior de sobrevivência: interromper o trabalho de parto, usando medicamentos para inibir as contrações e realizar um procedimento chamado cerclagem, para fechar o colo uterino e segurar o bebê.

Maria Ângela e a mãe, Marisa: a cerclagem possibilitou que ela sobrevivesse — Foto: Acervo pessoal
Maria Ângela e a mãe, Marisa: a cerclagem possibilitou que ela sobrevivesse — Foto: Acervo pessoal

Os primeiros registros de cerclagem, em si, datam da década de 1950. Mas a intervenção usada para prorrogar o nascimento do segundo feto, em uma gestação gemelar em que um já havia nascido, era uma tentativa inédita naquele hospital e, pelo que se sabe, em um centro médico da América Latina. 

O médico se lembra emocionado do caso. “Eu estava de plantão e me chamaram porque uma mãe de gêmeos com 24 semanas estava em trabalho de parto. Fui avaliar, e o primeiro nasceu. Ela não sentia dor, quase não tinha contração. Então, desconfiamos de incompetência istmo-cervical, que é quando o colo do útero tem uma tendência a se abrir sozinho, antes de a gestação chegar a termo”, rememora ele, que atualmente é cirurgião ginecológico e responsável técnico do Centro de Endometriose e Cirurgia Ginecológica Minimamente Invasiva do Hospital e Maternidade Santa Joana (SP). 

Pereira e a equipe passaram horas monitorando a mãe e o outro bebê, que estava com os batimentos cardíacos normais. Apesar da situação complicada, Marisa estava bem e, no dia seguinte, o especialista sugeriu o procedimento, que foi realizado no centro cirúrgico do hospital. O objetivo era prolongar a vida intrauterina de Maria Ângela e, assim, dar a ela mais tempo para amadurecer os órgãos vitais.

Deu certo. Mesmo com o risco para a gestante, já que o isolamento uterino – que garante a segurança contra infecções – foi rompido no primeiro parto, Maria Ângela ganhou mais três semanas dentro da barriga da mãe, o que melhorou suas chances de sobrevivência. Ela nasceu no dia 17 de maio daquele ano, com 27 semanas e 3 dias, 980 gramas e 30 centímetros. Embora tenha ficado na UTI neonatal até agosto, e passado por algumas complicações nesse período, recebeu alta e pôde ir para casa. “Me senti realizada porque superamos as maiores dificuldades por meio da ciência”, diz a mãe. “A dor era imensa pela perda do meu menino, mas a alegria era maior de poder ter a Maria Ângela em segurança”, recorda ela, que tem outra filha, Mariane, 20 anos. 

Indicações

Desde então, a cerclagem ofereceu a mesma possibilidade para vários outros bebês, ainda que aconteça em um número pequeno de gestações – a taxa de indicações varia entre 0,1% e 1,8%, de acordo com os Protocolos Assistenciais de Clínica Obstétrica da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FM-USP). Segundo o documento, a taxa de sucesso da cerclagem eletiva, aquela que é feita antes de a mulher entrar em trabalho de parto, é de 90%. Já na de emergência, 50%. Mesmo assim, o risco de prematuridade para os bebês dessas mulheres é de 30%. 

E como é realizada? “É um procedimento cirúrgico em que se dão pontos no colo do útero, como se fosse uma sutura em bolsa [o colo do útero tem as bordas alinhavadas e apertadas, como se fosse um saquinho, fechado por um cordão], para fechá-lo e evitar que ele se abra antes do tempo”, explica o ginecologista e obstetra Wagner Hernandez, mestre em obstetrícia pela Universidade de São Paulo (USP) e especialista em gestações múltiplas e de alto risco. 

A intervenção é indicada, geralmente, para mulheres que apresentam alterações no colo uterino, como o quadro de insuficiência istmo-cervical, que foi o que aconteceu com Marisa. O problema, que causa a abertura e o encurtamento precoces do colo do útero, pode ter como consequência o aborto espontâneo ou o parto prematuro. O colo uterino não é capaz de segurar o peso do bebê, conforme ele se desenvolve e cresce. 

A cerclagem é uma intervenção cirúrgica, realizada em gestações múltiplas de risco — Foto: Getty Images
A cerclagem é uma intervenção cirúrgica, realizada em gestações múltiplas de risco — Foto: Getty Images

Pontos que salvam

A questão costuma ser detectada pelos exames físicos ou de ultrassom, durante o pré-natal. O ideal, segundo Hernandez, é que a cerclagem seja sempre feita de maneira eletiva. “Quando se tem o diagnóstico da mulher com incompetência istmo-cervical, é possível programar a cirurgia para logo depois do ultrassom morfológico, ao redor da 12ª semana de gravidez. Dessa maneira, os riscos de perda e parto prematuro são minimizados e, como o colo do útero ainda está grande, facilita que os pontos necessários sejam feitos de maneira adequada”, explica o obstetra. Isso porque o colo, em condições normais, é consistente no início da gravidez e vai afinando, aos poucos, conforme as semanas passam e o parto se aproxima.

Hoje, há ainda a chamada cerclagem abdominal definitiva, feita antes mesmo de a mulher engravidar, nas situações em que já há um histórico de repetidas perdas gestacionais, por questões congênitas ou quando é conhecido que a futura grávida tem a probabilidade de uma gestação de alto risco – no caso de ter passado previamente por alguma cirurgia em que o colo tenha sido impactado, por exemplo. “Pode ser realizada no período que antecede a gravidez, quando já se sabe que as chances de ter um problema nesse sentido são grandes”, explica Ricardo Pereira. O procedimento, minimamente invasivo, é realizado por videolaparoscopia (com pequenas incisões e uma câmera, que permite que o cirurgião enxergue o que é feito na parte interna do corpo). Uma fita de contenção é fixada ao redor do istmo, a passagem que conecta o colo e o corpo do útero, diminuindo as chances de ceder à pressão sofrida durante a gravidez. No entanto, há espaço para a passagem do fluxo menstrual e dos espermatozoides e, portanto, não impede a concepção.

O pré-natal, nos casos de cerclagem eletiva ou preventiva, merece atenção, mas, em geral, após os procedimentos, a vida da grávida volta ao normal. “Ela vai precisar de um repouso nos primeiros 15 dias, mas, depois, se tudo estiver dentro do esperado, poderá ter uma gravidez normal”, diz o obstetra Wagner Hernandez.

Vale reforçar que o caso específico de cerclagem de emergência, como foi o de Marisa, é delicado. “Em uma gravidez múltipla, quando um dos bebês nasceu muito prematuro e é necessário segurar os outros, além de buscar brecar as contrações, é possível fazer a cirurgia para tentar levar a gestação mais adiante. Mas essas situações oferecem maiores chances de complicações, pelo risco de infecção”, explica Hernandez. No caso do parto postergado de gemelar existe, ainda, a possibilidade de rompimento da bolsa do outro bebê, e risco de as contrações continuarem. “Então, a taxa de sucesso cai bastante, mas não por causa da cirurgia e, sim, pela circunstância em que ela é realizada”, complementa o especialista. 

“Naquela época, havia em torno de 20 casos como o de Marisa e Maria Ângela descritos no mundo. Hoje, são cerca de 200. Acabei atendendo mais dois casos depois, mas, infelizmente, em ambos, já havia um processo de contaminação e não foi possível salvar os bebês”, lembra o obstetra Ricardo Mendes Alves Pereira. 

Descosturando

A grávida que passou pela cerclagem permanece com os pontos até o final da gravidez. “A ideia é que, por volta de 37 semanas, eles sejam removidos, justamente para que a mãe possa entrar em trabalho de parto”, afirma o obstetra Hernandez. Se a remoção tiver de ser realizada antes das 37 semanas (por intercorrências, como rompimento da bolsa ou pré-eclâmpsia, por exemplo), a decisão deve levar em conta a avaliação de um neonatologista. “O pediatra avalia a viabilidade do feto antes de interromper a cerclagem e fica atento aos riscos para monitorar eventuais infecções”, complementa a pediatra Licia Maria Oliveira Moreira, presidente do Departamento Científico de Neonatologia da Sociedade Brasileira de Pediatria. Desde o pré-natal, sobretudo em gestações de risco, é importante o acompanhamento pediátrico. “O neonatologista será um grande elo com os pais e poderá prepará-los para o nascimento de um bebê prematuro e suas complicações”, explica ela.

Depois de toda a gestação dos gêmeos e da trágica perda de um deles, Marisa precisou lidar com os cuidados da pequena guerreira sobrevivente na UTI, uma trajetória que não foi nada fácil de enfrentar. Com o tempo, coragem e paciência, pôde pegar a filha no colo, amamentá-la e, finalmente, levá-la para casa. Maria Ângela não fez jornalismo para falar sobre essa passagem da vida dela. Decidiu se formar em gestão financeira e de recursos humanos. Mas essa história continua sendo contada – por ela e por todos os outros bebês que já vieram e que ainda virão, salvos pela evolução da medicina. 

Outras soluções

Nem sempre a cerclagem é o método indicado para gestantes que apresentam insuficiência cervical. “Em alguns casos, é possível fazer apenas um controle clínico, recomendando repouso e mantendo as pernas para cima, enquanto se tenta ganhar tempo para o bebê crescer e passar a ter uma viabilidade melhor”, explica o obstetra Wagner Hernandez. A colocação de pessário – um dispositivo em forma de anel, geralmente feito de silicone – também pode ser uma opção. Ele é inserido na vagina para aumentar o suporte ao útero. Alguns médicos ainda recomendam o uso de progesterona, hormônio que inibe possíveis contrações. 

A cerclagem oferece mais chances de sobrevivência dos bebês prematuros — Foto: Getty Images
A cerclagem oferece mais chances de sobrevivência dos bebês prematuros — Foto: Getty Images

Mais chances aos prematuros

Se hoje a sobrevivência de prematuros nascidos com 24 semanas é um desafio, em 1999, quando nasceu Maria Ângela, a bebê citada no início da reportagem, a questão era mais complicada. “As condições da UTI Neonatal, assim como o conhecimento e a terapia intensiva neonatal, melhoraram muito de vinte anos para cá”, diz o ginecologista e obstetra Ricardo Pereira, do Santa Joana (SP). “Naquela época quase não se falava em sobrevivência com menos de 26 ou 27 semanas. Eram chamados de não viáveis”, aponta.

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